Aniki Bóbó e O Amor Primeiro

Na semana em que completa 102 riquíssimos anos de vida, Manoel de Oliveira vê os seus primeiro e sétimo filmes, simultaneamente, repostos em cinema e editados em DVD, após remasterização em formato digital. Trata-se de, nada menos que, a média metragem “Douro, Faina Fluvial” (1931) e o clássico “Aniki Bóbó” (1942), o primeiro filme de ficção do mestre do cinema português.

Inspirado em “Meninos Milionários”,  da autoria de José Rodrigues de Freitas, “Aniki Bobó” é um conto de impressionante dimensão poética sobre as dores e as alegrias do primeiro amor, das primeiras amizades e das primeiras pequenas grandes escolhas da vida.

No Porto dos anos quarenta, entre a escola, a brincadeira e os mergulhos nas águas do Douro com as outras crianças, na Ribeira, Carlitos disputa a atenção de Terezinha com Eduardo, o líder do seu grupo de amigos. Cedendo às ânsias do coração, Carlitos rouba da “Loja das Tentações” a boneca dos sonhos de Terezinha. Orgulhoso a princípio, depressa percebe que o bem que lhe fez a ela não é tão grande como o mal provocado pelo acto cometido. A situação piora quando um acontecimento trágico o torna suspeito de um crime que não cometeu.

Duma certa ingenuidade tocante, a história de Carlitos encerra um drama moral, desenvolvido num jogo de dicotomias, em que os conceitos de amor e ódio, amizade e ingratidão, desejo e interdição, culpa e perdão, vida e morte se confrontam, naturalmente, como partes integrantes da pessoa.

Neste filme, a imagem tem uma força extraordinária, muito mais do que a palavra – mesmo quando as crianças se juntam e discorrem, de noite sob a luz de um lampião, sobre a morte e a vida -, oferecendo-nos uma belíssima lição sobre o uso, magistral, da luz, com jogos de sombras fantásticos. E a acompanhar a essência natural do conteúdo, a naturalidade técnica, dos desempenhos das crianças e dos cenários…

Percursor, na assumpção da crítica europeia à data da sua estreia, do neo-realismo italiano, “Aniki Bóbó” perpetua, no discurso cinematográfico e à semelhança das (outras) melopeias que desafiam o Tempo nas brincadeiras de crianças, uma modernidade intemporal.

Margarida Ataíde

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