Bento XVI e a Moral. O que é Novo nas Palavras do Papa?

Jorge Teixeira da Cunha

Correram o mundo as declarações de Bento XVI a respeito do uso lícito do preservativo. Qual a razão porque tiveram tanto efeito? Tanto quanto sabemos, o que foi dito é que o uso de um preservativo profilático “pode ser admitido em certos casos”, uma vez que isso “pode ser um primeiro passo na humanização” da pessoa e da sua sexualidade. Parece pouco, mas esta afirmação é muito significativa. Vamos pôr em evidência o que nos parece mais importante.

1. A Pessoa e os seus Actos

O que, em primeiro lugar, reflectem as afirmações do Papa é a necessidade de ter em conta a pessoa para avaliar os seus actos. Esta matéria tem sido objecto de um grande debate, no contexto da teologia moral do último meio século. Não vamos expor as coisas muito técnicas deste assunto, mas mostrar a sua relevância para que o nosso pensamento moral seja mais adjacente à realidade do que vivemos como sujeitos responsáveis. Pode pensar-se a moral como um juízo sobre a bondade ou maldade dos actos humanos, tendo em conta a sua conformidade ou disformidade com a regra da razão humana e da lei de Deus. Colocar a questão desta maneira não é incorrecto. O seu problema é o simplismo. De facto, não se pode avaliar a qualidade moral dos actos de uma pessoa sem estarmos de posse de outros elementos do seu contexto de vida, das suas crenças, dos seus desejos, dos seus sofrimentos, da sua história. Por isso, a maioria dos teólogos morais de hoje pensa que é necessário, para julgar moralmente, ter em conta, além dos comportamentos, também a atitude da pessoa. Alguns ainda preferem chamar opção fundamental a isto que chamo atitude. Claro que estas duas grandezas não são separadas na pessoa concreta. Trata-se uma distinção destinada a compreender. A animosidade contra esta distinção vem do eventual perigo de relativismo pois, alguns pensam que, com base na atitude boa, podem ser admitidos muitos comportamentos maus. Mais importante do que isso é, a nosso ver, a maior adjacência à realidade da pessoa e do seu viver concreto. Parece que Jesus nos ensinou uma moral que tem em conta este modo de pensar quando nos disse que o que está “no segredo” e que somente Deus vê é mais decisivo para a nossa bondade do que o que fazemos “na praça pública”. Quando Bento XVI distingue entre “a humanização da pessoa” e o “uso casuístico” de um objecto está a admitir esta distinção.

2. Moralidade da Atitude e do Comportamento

A avaliação moral da atitude e do comportamento necessita ser vista de forma diferenciada. Se olharmos bem, as atitudes são mais difíceis de apreender. No íntimo apenas Deus vê. De facto, podemos descrever, podemos aproximar-nos dos gestos de uma pessoa, mas chegar à verdade do coração não é fácil. Da atitude é que diz o Evangelho “Não julgueis, para não serdes julgados…”. As atitudes mostram-se na imparcialidade da pessoa, no seu esforço continuado por ser justo, ser casto, ser fiel, enfim, dos diversos âmbitos em que decorre a nossa vida. Os comportamentos, por outro lado, são mais acessíveis ao juízo, mas colocam em causa a necessidade de muitos mais utensílios de conhecimento. Para ajuizar âmbitos como a bioética ou a sexualidade temos de ter ou buscar conhecimentos científicos. É que o juízo moral sobre os comportamentos implica a avaliação de bens ou valores chamados “não morais”, como é o caso da vida física, dos valores da economia, ou outros. Este juízo complexo pode ter de recorrer a uma avaliação das consequências previsíveis de decidir deste modo ou daquele e esta avaliação tem também relevo moral. Neste âmbito, nem tudo é evidente independentemente da realidade empírica. Para chegar à conclusão que chegou, foi precisamente um juízo deste género o que fez Bento XVI. Quando ele fala de “humanização da pessoa”, move-se no âmbito da atitude. Quando se trata de admitir “em algumas circunstâncias” o uso do profilático, está afazer um juízo sobre comportamentos visíveis e concretos. E aqui está visível que os riscos, as consequências para vida e saúda das outros pessoas, que são valores não morais, têm relevo moral para ajuizar em favor da admissão da licitude moral.

3. Um Gesto Corajoso

Ao admitir o uso casuístico do preservativo, Bento XVI dá um pequeno passo cheio de significado. Não é de supor que o não tenha ponderado muito bem, que o não tenha sofrido, e que não queira fornecer uma orientação à teologia moral. Se é certo que a preocupação dos teólogos e das pessoas que desconfiam do recurso à atitude e ao juízo teleológico em matéria do sexto mandamento não deixa de ser uma preocupação de apreciar pelo seu zelo e rigor no cumprimentos a vontade divina, não deixa de ser verdade que Deus nosso Senhor quer salvar as pessoas pela conversão do coração e não pela integridade da conformação com a lei. Parece não haver dúvida que este foi um combate de Jesus contra aquilo que os Evangelhos chamam “farisaísmo”. Por isso, a nosso ver, Bento XVI não faz um gesto a pender perigosamente para o lado dos direitos do sujeito, mas faz um gesto de pastor, como é esperado de um Papa, a consolar os errantes e a chamá-los ao bom caminho da conversão.

Jorge Teixeira da Cunha

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top