D. Manuel Clemente, Bispo do Porto
Não é unívoca a relação de Alexandre Herculano (1810-1877) com o clero. Com o clero em geral e com o clero português do seu tempo, tal como via[1]. Como, aliás, não era unívoca a relação do clero com o liberalismo (constitucionalismo), que Herculano ajudou a implantar e sempre defendeu.
Comecemos por aqui, pois não foram, de facto, lineares nem simples as atitudes e convicções dos eclesiásticos portugueses em relação ao novo regime. Houve reacção, certamente, como a houve na generalidade das classes e grupos. Teoricamente, a crítica ao primeiro liberalismo é contundente e radical na pena de padres como José Agostinho de Macedo ou Fortunato de São Boaventura (frade o primeiro e monge o segundo), para não citar tantos mais, com menos “teoria”, mas atitude convergente.
Mas é nas fileiras do mesmo clero – regular ou secular – que também não é difícil encontrar paladinos confessos e consequentes do sistema constitucional. E logo no topo da hierarquia católica: se o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Carlos da Cunha, é exilado por rejeitar algumas disposições das Bases do que seria a Constituição de 1822 – insistia na manutenção do catolicismo como religião nacional, tal como sempre fora, e na censura prévia em matérias religiosas -, o beneditino Frei Francisco de S. Luís Saraiva acompanhou o movimento liberal desde o início e seria bispo de Coimbra durante o vintismo e cardeal-patriarca no cabralismo (como tal confirmado por Gregório XVI em 1843).
Do topo à base, nunca faltaram eclesiásticos “liberais”, inclusivamente nas casas religiosas, onde havia boas razões para se prever que a consolidação do novo regime acarretaria a redução ou extinção das congregações. Nem faltaram nomes para “preencher” as sés portuguesas quando, entre 1832 e 1841 os novos governantes quiseram à frente delas sacerdotes seus afectos, sendo alguns destes nomeados canonicamente para outros cargos, depois do restabelecimento das relações entre Lisboa e Roma, nesse último ano.
Herculano sabia-o muito bem. Conhecia eclesiásticos liberais e ele próprio se sentia devedor da lição dos Oratorianos, que seguira quando novo. Quando chegou a extinção das “Ordens” em 1834, acompanhou o arrolamento das respectivas livrarias, aí mesmo se apiedando de tantos exclaustrados, ou “egressos”, que de repente ficavam sem agasalho nem conforto material e espiritual. Saiu em defesa deles com um dos escritos mais sentidos da sua pena – Os egressos, 1843 -, onde, manifestando grande humanidade, nem por isso defendia a restauração das congregações. Importante, porém, é o facto de Herculano reconhecer, no mesmo escrito, o grave débito que a sua extinção trouxera à vida cultural portuguesa. Na verdade, o que aí pede é “pão para metade dos nossos sábios”, essa mesma metade que tanto tardaria a recompor-se, se é que alguma vez o conseguiu.
Assim estávamos nos anos quarenta. Mais difícil seria na década seguinte, sempre no respeitante à relação de Herculano com o clero português, nisto influindo realidades nacionais e internacionais.
Começando por estas últimas, recordemos o que se passava então em torno do papado. Até 1846, desenrolara-se o pontificado de Gregório XVI – o último papa provindo duma Ordem religiosa (camaldulense) -, caracterizado pela rejeição quase liminar das formulações teóricas e das medidas práticas do liberalismo latino, este mesmo em que Herculano, a seu modo, participava.
São de Gregório XVI as encíclicas Mirari Vos (1832) e Singulari Nos (1834), recusando o “liberalismo católico” de Lamennais e do seu grupo, que, genericamente, advogava as vantagens do novo regime sobre o “antigo”, uma vez que a liberdade de consciência e o afastamento da Igreja em relação ao Estado traria àquela uma liberdade interna que a ligação Trono – Altar nunca permitira. Para Gregório XVI, tais propostas traduziam uma posição “indiferentista” face à verdade religiosa objectiva, que deixaria de obrigar os sujeitos particulares ou públicos.
Na prática, Gregório XVI aceitou o regime de separação em países como os Estados Unidos da América ou a Bélgica, onde se mostrou tão inevitável como até benéfico para a minoria católica. Sem deixarmos de recordar que, concomitantemente, são do mesmo Gregório XVI quer a insistência na criação dum clero indígena em terras de missão (Instrução Neminem profecto, 1845) – insistência que os europeus, políticos e missionários, não aceitariam rapidamente -, quer o reconhecimento de alguma autonomia da realidade política enquanto tal, declarando, em 1831, que a Santa Sé não legitimava nenhum governo ou regime, quando com ele se entendesse para a melhor resolução das necessidades das Igrejas locais (Encíclica Sollicitudo Ecclesiarum, 1831) – o que se aplicava especificamente a Portugal, com bispos propostos por D. Miguel e não aprovados por D. Pedro.
Fosse como fosse, o pontificado de Gregório XVI ficou conotado com a teoria e a prática do Antigo Regime[2]. Mas, em 1846, foi eleito Pio IX, prelado romano que na altura gozava de grande simpatia na cidade e além dela, sendo rapidamente saudado – inclusive em Portugal – como “papa liberal”. Era, do seu natural, afável e próximo da população romana e os dois primeiros anos do seu pontificado quase pareciam ligá-lo ao Risorgimento italiano, então em crescendo.
Mas Risorgimento significava a unificação italiana, implicando o fim dos Estados Pontifícios e a luta contra a presença austríaca na península, ou seja, a luta contra uma grande potência “católica”, somando assim duas razões mais do que suficientes para refrear qualquer simpatia que o novo papa tivesse para com o movimento. Em 1848, de facto, Pio IX distancia-se claramente da causa e resiste à liberalização dos Estados Pontifícios, acabando por sair de Roma para o reino de Nápoles, para não ficar à mercê dos revolucionários da urbe. Voltará em 1850, graças ao apoio de Luís Napoleão e já claramente conotado com a reacção anti-liberal[3].
Obviamente, Herculano não ficou insensível a estes acontecimentos e a sua posição face ao clero, em especial na respectiva ligação a Roma, ressentiu-se deles. Tanto mais quanto o “movimento católico” oitocentista – integrando, aliás, clérigos e leigos de diversas simpatias políticas – se redefiniu em torno de três tópicos fundamentais: a devoção eucarística, a devoção mariana e a ligação ao papa (as “três devoções brancas”, ou “as três rosas dos escolhidos”, segundo um título muito em voga de Mons. Ségur). Herculano olhará tudo isto como um conjunto, ligando as congregações religiosas, o reforço do papado que as tutelava supranacionalmente e alguma crítica provinda de clérigos – como a que suscitou a sua História de Portugal (1º volume em 1846), omitindo o “milagre de Ourique” – num todo negativo, que achava necessário combater.
Não é este o lugar para desenvolvermos o assunto. Digamos, entretanto, que, neste último ponto, se tratava de muito mais do que duma questão historiográfica. As ressalvas ao pretenso milagre não eram novas e já um século antes tinham sido feitas por Luís António Verney. Mas o debate cultural que agora surgiu encobre mal, com a referência a Ourique, um grande confronto sobre o próprio país, o seu significado e as respectivas consequências: – Que era Portugal? Um país a refazer como a actualidade queria, ou um destino consagrado e providencialmente determinado?
A alternativa traduzir-se-ia também, de diferente modo, na relação devida entre o país e o seu clero. E Herculano reagiu fortemente, alargando a parte ao todo ou quase todo do clero português, divisando nos seus detractores a guarda-avançada duma vasta cabala anti-liberal, que o tomava como primeiro alvo. Assim na carta Eu e o clero, que endereçou em Junho de 1850 ao cardeal-patriarca de Lisboa, D. Guilherme Henriques de Carvalho, aliás pessoa afecta ao regime constitucional[4].
A partir daqui, Herculano reagirá sempre ao que considerava a desfiguração hierocrática e anti-liberal do catolicismo. Escreverá A História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal (1853-1859), para esconjurar com o passado o que julgava ser a ameaça presente. Sem cortar formalmente com o catolicismo[5], aproximar-se-á da posição “vetero-católica” de Döllinger e afasta-se do que foi a eclesiologia do Concílio Vaticano I (1869-1870), em torno do primado e da infalibilidade do pontífice romano[6].
Cabe agora precisar tudo isto com as próprias palavras de Herculano. Dizendo, antes de mais, que a sua crítica veemente ao que considerava a deriva ultramontana do catolicismo e da generalidade do clero, não o desiludiu dum clero que podia ser, apesar de tudo.
Mas não admitia que o movimento católico em Portugal pudesse incluir simultaneamente o apego à liberdade política e a adesão ao papado, bem como o reforço deste no interior e no exterior da Igreja. Diga-se, aliás, que, para muitos católicos legitimistas, tal junção também parecia impossível, pois uniam sempre catolicismo e anti-liberalismo. A luta persistente dos nossos católicos “liberais” será precisamente a de manifestar tanto a adesão aos “princípios de 89” como ao papado de Pio IX ou de Leão XIII, que lhe sucedeu em 1878, distinguindo campos e vendo nos pontífices a melhor garantia da “liberdade da Igreja”, face ao regalismo persistente dos governos nacionais: assim com Saldanha, assim com Samodães, assim com Abúndio da Silva, etc[7].
Vejamos mais de perto. Vejamos o clero católico como Herculano o idealizava em 1846 n’ O pároco da aldeia. É o padre próximo e condoído, que nem a chuva nem o vento impedem de socorrer espiritualmente quem o chamasse a desoras: “A natureza debate-se consigo mesma: tudo dorme, entretanto, nos casais e na aldeia, salvo o velho pároco e a família daquele que em trances mortais espera o representante de Cristo, que lhe traz as derradeiras consolações e esperanças. Entre a filantropia humana e as agonias extremas dos pequenos e humildes a noite e a tempestade ergueram barreira quase insuperável: esta barreira desaparece, porém, diante de caridade que a todos nos ensina o Evangelho e que ao pároco impõem, como dever imprescritível, a sua missão sacerdotal e o seu carácter de pai dos pobres e afligidos”[8].
Trata-se, antes de mais, do “pároco”, ou seja do clérigo secular – não monge nem frade – que está directamente ao serviço dos fiéis, como “pai dos pobres e afligidos”. Este sim – e quase só este -, superando a própria filantropia pela caridade evangélica. Este mesmo, que Herculano prefere absolutamente aos ministros protestantes, que não teriam o mesmo significado religioso, nem idêntica expressão humana.
Lamenta – lamentará sempre e cada vez mais! – as deficiências de formação do clero português, mas recusa ainda mais a pouca consistência de outros tipos de clero. Oiçamo-lo, mais à frente: “Por certo que no culto católico se têm introduzido abusos, e para isso contribui muitas vezes o próprio clero, menos instruído, menos bem educado, moralmente, que o clero anglicano. Mas, em que é culpado o culto da pouca instrução dos seus ministros e dessa falta de educação moral que diversas causas, alheias à religião, têm trazido e trazem ainda? É a igreja que recomenda a ignorância? São os abusos consequências lógicas das doutrinas católicas? Eis o que cumpriria se provasse, como não é dificultoso mostrar que o protestantismo, querendo anular as pompas e os espectáculos, as fórmulas externas e brilhantes do catolicismo, matou tudo o que a crença do Calvário tinha de unção, de consolações, de afectos para o comum dos seus sectários e converteu a religião numa certa metafísica nevoenta, que foge à compreensão das almas rudes e vulgares, quebrando todos os esteios a que, nesta vida de tristezas e dores, elas se encostavam para confiarem no Céu e consolarem-se na esperança […]. O protestantismo foi só feito para os ditosos e abastados da Terra!”[9].
Porém, nesse mesmo ano de 1846, Herculano publicava o 1º volume da sua História de Portugal – sem incluir o “milagre de Ourique” – e a polémica que se seguiu fê-lo encarar mais negativamente a “pouca instrução” do clero português. Quando reagir às críticas, quatro anos depois, subirá o tom.
Tanto mais que se considerava injustamente atacado por uma classe que defendera – e quase só ele defendera -, anos antes, ao escrever Os egressos (1842), pedindo consideração e apoio para com os religiosos violentamente exclaustrados em 1834. E recorda: “Na imprensa liberal, revolucionária, ímpia, como quiserem chamar-lhe, eu, só eu, tive por muito tempo palavras de afeição e consolo para a desgraça; só eu tive ânimo para acusar os homens do meu partido de espoliadores e de insensatos; para tentar revocá-los à poesia do cristianismo, do eterno aliado da liberdade”[10].
Sem deixar de assinalar que se seguiram tempos mais pacíficos, no que ao clero dizia respeito: “Depois, pouco a pouco, foi-se estabelecendo nos ânimos uma reacção salutar: começou-se a sentir que o templo e o sacerdote eram importantes elementos de paz, e que podiam ser instrumentos de liberdade”[11].
Poderão juntar-se aqui os elementos pessoais com o panorama internacional acima indicado. Os egressos são de 1842 e o tempo seguinte é o dos primeiros anos do pontificado de Pio IX, suposto “papa liberal”. Como serão da nova e breve república francesa (1848 ss), onde o catolicismo de Lacordaire – frade e deputado – simbolizava a reconciliação da liberdade com o catolicismo, também para Portugal. O que aconteceu depois, com Pio IX fugindo da revolução romana, abriria um período bem diferente. Este mesmo, em que Herculano carregará as críticas aos seus críticos, eclesiásticos ou outros.
Mas, por enquanto, ainda é a ignorância que sobretudo reverbera, concluindo deste modo a sua carta ao cardeal-patriarca, D. Guilherme Henriques de Carvalho: “Permita-me vossa eminência que conclua fazendo um voto, ao qual sei que vossa eminência se associa, bem como os outros prelados de Portugal: – Oxalá venha em breve o dia em que o clero deste país possa receber uma educação digna do seu elevado destino, e conhecer, por estudos severos e bem dirigidos, que o ser cristão não é ser hipócrita nem fanático”[12]. (ibidem).
Duas décadas depois, o panorama era outro, certamente mais grave aos olhos de Herculano. Reforço do papado, rejeição do liberalismo por Pio IX (Syllabus, 1864), regresso “ilegal” de jesuítas e outros religiosos a Portugal, tudo lhe configurava uma ofensiva sistemática contra o regime que ajudara a instaurar na sua juventude, com tanto envolvimento e risco pessoal.
Em 1871, reagiu ao encerramento governamental das Conferências do Casino, sintetizando um pensamento – discutido e discutível, aliás – que tanto marcaria o “antijesuitismo” de monárquicos e republicanos, entre os séculos XIX e XX: “Os princípios que são hoje condições essenciais da existência política da nação portuguesa apontam-se ao povo ignorante como invenções do diabo. Missões dos agentes do jesuitismo, umas ineptas, outras astutas, instilam por toda a parte o veneno do ultramontanismo extremo […]. É uma conspiração permanente, implacável contra a sociedade. As resistências nascidas no seio do próprio clero são dificílimas, senão impossíveis. O que tentasse levantá-las seria esmagado. Os antigos institutos monásticos, que pela emulação, e pela seriedade e profundeza dos seus estudos, se contrapunham ao jesuitismo e à sua ciência facciosa e dolosa, desapareceram, e se hoje se restaurassem entre nós, sucederia o que sucede quase por toda a parte: ir-se-lhes-ia encontrar a roupeta de S. Inácio debaixo da cogula beneditina ou augustinana”[13].
Não deixa de ser significativo, muito significativo mesmo, que o antídoto para o que considerava um grande perigo, fosse ainda um novo tipo de clero, que configurasse na Igreja o espírito decidido e autónomo que Herculano escolhera e incarnara na sociedade e na política nacional: “O presbiterado, que é como a burguesia da igreja, e no seio do qual se encontram já muitos sacerdotes moços, ao mesmo tempo crentes e ilustrados, não tem força para readquirir nos negócios da sociedade cristã o quinhão de influência que a a disciplina primitiva lhe dava. E, todavia, só uma espécie de presbiterianismo ortodoxo e simplesmente disciplinar tornaria agora possível dar-se algum remédio à ruína da igreja; porque talvez esses homens novos quisessem e soubessem congraçá-la com a sociedade moderna”[14].
Mas não era essa a orientação prevalecente no catolicismo militante do século XIX, redefinido em torno do papa e da internacionalização da Igreja. Fosse como fosse, Herculano nunca deixaria de encarar o protagonismo dum clero que estivesse evangelicamente perto do povo e ilustradamente activo na sociedade e na cultura.
Manuel Clemente, Bispo do Porto
NOTAS:
[1] Cf. TRINDADE, Manuel – O Padre em Herculano. Prefácio de Vitorino Nemésio. Lisboa: Editorial Verbo, 1965.
[2] Sobre Gregório XVI, cf. BOUTRY, Ph. – Grégoire XVI. In DICTIONNAIRE Historique de la Papauté [DHP]. Dir. Ph. Levillain. Paris: Fayard, 1994, p. 767-773.
[3] Sobre Gregório Pio IX, cf. MARTINA, G. – Pio IX. In Ibidem, p. 1343-1349
[4] Sobre toda a questão, cf. BUESCU, Ana Isabel Carvalhão – O milagre de Ourique e a História de Portugal de Alexandre Herculano: uma polémica oitocentista. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1987. Cf. também SARAIVA, António José – A cultura em Portugal. Teoria e História. Lisboa: Livraria Bertrand, 1982, p. 121: “À visão mundial da história que o mito da Cruzada supõe, [Herculano] quis substituir uma visão interna, tentando apreender o gérmen a partir do qual a nação se constituiu. […] A semente eram os concelhos, células populares que se teriam desenvolvido harmoniosamente, se não fossem circunstâncias externas e espúrias que se lhe opuseram. A monarquia absoluta, o clero (identificado com a Inquisição) e a mercantilização causada pelos Descobrimentos foram estas circunstâncias”.
[5] Cf. HERCULANO, Alexandre – Considerações pacíficas sobre o opúsculo “Eu e o clero”. Ao redactor da Nação [Julho de 1850]. In IDEM – Opúsculos. Org. Jorge Custódio e José Manuel Garcia. Porto: Presença, 1985, vol. 4, p. 52: “A maioria do clero português não é a maioria do clero católico: a maioria do clero católico não constitui só por si a igreja de Deus. Bem infeliz eu se me visse em oposição com esta; mas confio em que a Providência me livrará de cair nesse abismo, não só agora, mas sempre”. Cf. também MACHADO, Álvaro Manuel – Les romantismes au Portugal. Modèles étrangers et orientations nationales. Paris: Fondation Calouste Gulbenkian. Centre Culturel Portugais, 1986, p. 199: “… l’idéalisme philosophique de Herculano, de source germanique, dominé par l’éthique chrétienne, l’amène à faire du christianisme un élément essentiel de toutes ses idées, qu’elles soient littéraires, politiques ou sociales”. Ou ainda: “Au lieu de la métaphysique, il y a toujours chez Herculano la morale chrétienne confondue avec la morale politique libérale” (ibidem, p. 214).
[6] Cf. LABOA, Juan Maria – Historia de la Iglesia Católica. V Edad Contemporânea. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2004, p. 234: “Döllinger no quiso reconocer el nuevo dogma y fue excomulgado el 17 de Abril de 1871. El arzobispo Scherr, aunque se había opuesto a la definición, uma vez aprobada, la aceptó, y dijo a Döllinger: ‘pongámonos a trabajar por la Santa Iglesia’. ‘Sí, por la vieja Iglesia’, replicó Döllinger. A esto respondió el arzobispo: ‘Hay solo uma Iglesia, no una vieja y una nueva’; pero Döllinger insistió en que se había creado una nueva. El historiador alemán y los que pensaban como el vieron en el dogma una revolución de la constitución tradicional de la Iglesia, y se negaron a someter por motivos de consciência. […] En cierto sentido, fueron los continuadores de las ideas conciliaristas, galicanas, febronianas y jansenistas”. As mesmas que tinham influenciado o Padre António Pereira de Figueiredo (+ 1797), tão apreciado por Herculano. Cf. HERCULANO, A supressão das Conferências do Casino [1871]. In Opúsculos, 1982, vol. 1, p. 166: “Estávamos, pois [à data da outorga da Carta Constitucional, 1826], pelas nossas tradições e doutrinas perfeitamente no seio da Igreja. Mantendo exclusivamente o dogma católico, nem mais, nem menos, como a igreja no-lo ensinou a nós os velhos, e conservando-nos, em relação à disciplina, onde estávamos, estamos indubitavelmente no grémio dessa igreja; porque a religião é imutável, a religião não se aperfeiçoa. O critério supremo do catolicismo está resumido na célebre máxima: Quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est. Diga o governo isto aos bispos, aos cabidos, às escolas de teologia e de cânones, aos párocos, aos comissários de estudos, aos mestres primários […]. O imperante dará nisto não só o papel de mantenedor da carta, mas também de bispo externo; fará o mesmo que nos séculos áureos do cristianismo faziam os imperadores romanos com aplausos dos Padres da primitiva Igreja. O tumulto que há-de levantar este procedimento, aliás tão simples e razoável, sei eu. […] Verá o que sucede ao clero regular que foi, aos beneditinos, aos augustinianos, aos oratorianos. Referindo-me à congregação do Oratório, não falo do pequeno hereje ruivo, o terrível padre Pereira de Figueiredo. Esse tem de há muito recebido o seu quinhão de anátemas maranatas”.
[7] Sobre os “católicos liberais” portugueses a a sua acção e teoria, cf. CLEMENTE, Manuel – Igreja e sociedade portuguesa do liberalismo à república, Lisboa: Grifo, 2002, passim.
[8]HERCULANO, Alexandre – Lendas e Narrativas. Mem Martins: Europa-América, s.d., Vol. 2, p. 93-94
[9] Ibidem, p. 129. Cf. SARAIVA, António José – Herculano e o liberalismo em Portugal. Lisboa: Livraria Bertrand, 1977, p. 74: “ ‘O Pároco de Aldeia’ oferece-nos a síntese mais acabada das teses religiosas de Herculano”. E ainda: “A Igreja, mais do que uma hierarquia, é para ele uma fraternidade espiritual, ligando os vizinhos da aldeia; e o pastor, sem intermediários, liga a Deus esta comunidade espiritual. […] A classe média dos párocos de aldeia não é economicamente solidária com o antigo regime, vive, como qualquer trabalhador, das missas, baptizados ou casamentos que celebra, e, pormenor que Herculano salienta, nada lucra com os dízimos. Julgava-se possível um entendimento entre a burguesia clerical e a burguesia económica, política e intelectual” (ibidem, p. 75-76). Dentro desta consideração funcional e alinhada do clero, mais facilmente se suprimiria o celibato, que lhe parecia uma “espécie de amputação espiritual, em que para o sacerdote morre a esperança de completar a sua existência na terra”, como escreveu em Novembro de 1843, a abrir o seu Eurico o presbítero (Lisboa: Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses, s.d., p. 29).
[10] IDEM – Eu e o clero. Carta ao Em.mo Cardeal-Patriarca [1850]. In Opúsculos., 1985, vol. 4, p. 48.
[11] Ibidem, p. 49.
[12]Ibidem.
[13] IDEM – A supressão das Conferências do Casino [1871]. In Opúsculos, 1982, vol. 1, p. 161-162.
[14] Ibidem, p. 162.