Aumenta tráfico de pessoas em Portugal

Júlia Bacelar, religiosa dedicada ao apoio das vítimas, quer mais envolvimento da Igreja Católica

A sensibilidade ao tráfico de pessoas em Portugal, habitualmente conotada com a prostituição feminina, menospreza os abusos cometidos na agricultura, construção civil e serviço doméstico.

Segundo Júlia Bacelar, da congregação das Irmãs Adoradoras, cresce o número de casos de exploração laboral: “É um problema oculto porque se passa de portas para dentro”.

No Dia Europeu de Combate ao Tráfico de Seres Humanos, que se assinala esta Segunda-feira, 18 de Outubro, a religiosa de 60 anos afirmou à Agência ECCLESIA que a privação dos direitos dos trabalhadores “é muito bem aceite”, especialmente no actual contexto económico.

“Quanto se trata de uma mulher prostituída, toda a gente levanta o dedo. Mas se for uma empregada que recebe pouco e sem regalias, ou um trabalhador na construção civil e na agricultura, até calha bem”, denuncia.

A congregação de Júlia Bacelar, fundada há 150 anos em Itália, dedica-se ao tratamento de todas as causas de sofrimento das mulheres, mas em Portugal, onde está presente desde 1943, o seu auxílio está limitado por lei.

“Sobretudo a partir de 2008 começaram a aparecer muitas mulheres estrangeiras, que tudo leva a crer tratarem-se de vítimas de tráfico. Além disso, trazem muitos outros problemas. Mas só as podemos receber como vítimas de violência doméstica”, indica a religiosa.

A impossibilidade legal, constantemente contornada, de auxílio às mulheres presas nas redes de comércio de pessoas constitui um dos aspectos negativos que as Irmãs Adoradoras encontram no 1.º Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos, que hoje dá lugar ao seu sucessor.

“O Governo tem dado o seu melhor, verdade seja dita. O documento foi dos mais completos a nível europeu. A crítica que lhe faço é não ter dado oportunidades à sociedade civil”, realça Júlia Bacelar, que reclama “um papel mais interventivo” das organizações não-governamentais.

A sessão de apresentação do 2.º Plano, presidida pelo ministro da Administração Interna, Rui Pereira, e pela secretária de Estado da Igualdade, Elza Pais, realiza-se às 19h00, em Lisboa.

As Irmãs Adoradoras pretendem que o novo texto, disponível para consulta pública depois do lançamento desta tarde, reflicta uma abordagem multi-disciplinar: “O tráfico de pessoas não se faz com regra e esquadro. É uma situação que traz consigo muitos problemas, como maus-tratos, alcoolismo, violência doméstica e sequestro, entre outros”.

Leigos passam ao lado do tráfico de pessoas

O trabalho realizado pela congregação inclui o acolhimento de mulheres numa casa-abrigo inaugurada há 15 anos, em Évora: “Uma das últimas pessoas que tivemos foi uma senhora ucraniana, que veio com o filho para Portugal”, recorda Júlia Bacelar.

“Foi parar a uma quinta no Alentejo – prossegue. O que lhe aconteceu não dá para contar por telefone. Depois de libertada, com a intervenção da polícia, esteve connosco quase um ano e hoje em dia está muito bem integrada, com todos os seus direitos garantidos.”

A prioridade da congregação volta-se actualmente para quatro equipas compostas maioritariamente por leigos, que em diversos pontos do país, e de forma confidencial, trabalham com mulheres, especialmente na estrada e em clubes nocturnos.

A atenção da Igreja Católica ao comércio de seres humanos manifesta-se em plataformas como a Comissão de Apoio às Vítimas de Tráfico de Pessoas, composta por oito congregações religiosas femininas, entre as quais as Irmãs Adoradoras.

A religiosa diz sentir “muito incentivo” por parte de “alguns bispos” mas lamenta a insensibilidade dos leigos e o seu distanciamento em relação aos abusos cometidos contra os direitos humanos.

“É um problema que lhes passa muito ao lado. Não sei onde está a culpa. Provavelmente é por se tratar de um problema que, aparentemente, só atinge os outros, as mulheres e os estrangeiros”, diz a religiosa, que quer envolver outros organismos eclesiais, “sobretudo da área masculina”, na abordagem ao problema.

“É um fenómeno que está tão presente na nossa sociedade que até faz impressão”, salienta Júlia Bacelar, acrescentando: “É um trabalho que está todo por fazer. Temos que avançar muito”.

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top