República, Comunicação e a Igreja

Ainda sem rádio nem TV, há cem anos as notícias e as opiniões chegavam pelos jornais. Todos os partidos, movimentos e personalidades mantinham e criavam jornais para difundirem as suas ideias. Mas eram publicações de pequena tiragem. É que o enorme analfabetismo reduzia a uma estreita elite o número dos leitores.

Para a grande massa da população, analfabeta e vivendo no campo, funcionava um outro e poderoso meio de comunicação social: as homilias dos padres da Igreja católica. Foi, aliás, por recearem a influência dos padres no povo ignorante (sobretudo nas mulheres) que os republicanos restringiram o direito de voto, concedido apenas a homens maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever.

A “máquina” de comunicação da Igreja
Os dirigentes da I República procuraram limitar a capacidade da Igreja para difundir ideias que julgavam deletérias. Boa parte da hostilidade da República aos católicos teve a ver com o receio da “máquina” de comunicação social que, a partir do púlpito, a Igreja católica possuía.
Os políticos republicanos usaram um outro meio para chegarem ao grande público: os comícios, onde se destacaram alguns oradores. Mas os comícios eram fenómenos urbanos, concentrando-se em Lisboa e no Porto.
Entretanto, se existia teoricamente liberdade de Imprensa na I República, na prática eram correntes os assaltos a jornais, destruindo instalações e equipamentos. Assim como houve frequentes suspensões e proibições de jornais. As publicações católicas contaram-se entre as que mais sofreram com estas violências.

Aprender com os erros
Hoje ninguém, dentro ou fora da Igreja, põe em causa o princípio da separação entre o Estado e as confissões religiosas. Mas a verdadeira separação, em Portugal, aconteceu não tanto pela aplicação da lei de 1911, como sobretudo graças à reacção dos bispos e padres a essa lei. É que este diploma visava não tanto separar como controlar. Contra esse controlo por parte do Estado (também existente no tempo da monarquia, mas então menos hostil) posicionou-se a Igreja, impedindo a concretização de várias disposições do diploma.
O conflito com a Igreja saiu caro à I República. Foi uma das causas da queda do regime e da longa ditadura que se lhe seguiu. O erro foi compreendido e por isso, após o 25 de Abril, os políticos (como Mário Soares) tiveram cuidado em não reacender querelas com a Igreja. Mais: políticos e militares democráticos ajudaram a pôr termo à ocupação da Rádio Renascença por grupos de extrema-esquerda em 1975.

A Igreja nos “media”
Se a Renascença é uma rádio católica de sucesso, líder de audiências em Portugal (ao contrário do que acontece noutros países), já quanto à televisão as coisas correram mal. O Estado encarou ceder à Igreja algumas horas diárias de emissão no segundo canal da RTP. Mas à última hora recuou, pelo que a Igreja teve de participar num concurso, sendo-lhe atribuído um canal generalista a criar de raiz, a TVI. Como se sabe, por razões financeiras o canal não vingou nas mãos da Igreja.
Em matéria de jornais de âmbito nacional, desapareceu o Novidades e teve vida curta um semanário, o Nova Terra. Em contrapartida, surgiu a Agência Ecclesia, que tem desempenhado um importante papel não apenas na difusão de notícias e comentários como na alimentação de muitos jornais diocesanos e paroquiais, designadamente através da internet.

Dimensão pública da religião
Claro que existem problemas entre Estado e Igreja em Portugal, mas sem paralelo com o que se passou após 1910. Por exemplo, na ajuda social, onde a Igreja Católica tem uma fortíssima presença, nem sempre o Estado encara as organizações católicas com espírito de cooperação. Por vezes, parece empenhado em rivalizar com as instituições da Igreja, procurando pô-las de lado.
Persiste em alguns espíritos uma concepção laicista (não laica) do Estado, que pretende remeter a religião à esfera exclusivamente privada. Ora essa posição não é democrática. A Igreja, como outras instituições, tem direito a uma dimensão pública.
E é nesse espaço público que a Igreja, hoje minoritária na sociedade portuguesa, defende os seus pontos de vista morais, em matéria de justiça social, de bioética, etc. Pontos de vista nem sempre acolhidos na legislação que o poder político produz. Mas esse é o preço de vivermos em democracia.
E se o catolicismo em Portugal já não tem hoje a influência do passado, em contrapartida só é católico quem quer – não o é por hábito ou pressão social. Não há que ter nostalgias de outros tempos.

Francisco Sarsfield Cabral, Jornalista

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