Juventude de hoje e pontes com a Igreja

Pe. Rui Alberto, sdb

É arriscado, em poucas linhas, fazer um retrato da juventude. Com facilidade se cai em frases feitas, em preconceitos que distorcem a realidade. E que impedem uma acção eclesial significativa.

Quantas juventudes?

Uma ideia óbvia é que a juventude… existe. Há uma faixa da nossa população que já não está na infância e que ainda não se assume como adulta. Tem vindo a perder peso no total da população portuguesa, devido à diminuição da natalidade. Mas esta “condição juvenil”, que antes era uma fase de transição para a idade adulta, tende a tornar-se um estilo de vida, um estado permanente. Muitos “adultos” no vestuário, na forma de pensar, na relação com os compromissos, querem sentir-se como jovens eternos.

Falar de jovens como uma entidade única não faz muito sentido. Se é verdade que o facto de ter entre 15 e 25 anos (para apontar uns limites muito ténues) define algo, também é verdade que a vida real destes jovens é determinada por muitos outros factores que não apenas a idade. O género, o nível social e cultural das famílias onde cresceram, a situação económica da zona onde vivem, são decisivos para entender a sua identidade de jovens.

Para lá dos aspectos psicológicos (muito ligados ao factor idade) económicos e sociais, a possível chave para entender o mundo juvenil esteja na “cultura”. Cultura no sentido dos modos de pensar, das tendências que configuram a acção e não no sentido de “erudição”.

Complexidade

Uma marca distintiva das sociedades desenvolvidas e pós-industriais é a complexidade social. Todos nós, e os jovens também, vivemos numa sociedade onde nada é simples, onde tudo é complexo, fruto de múltiplos e contraditórios interesses e forças. Onde tudo poderia ser configurado de forma diferente.

Os jovens de hoje nasceram e cresceram numa sociedade onde não há centros claros. Na nossa sociedade há muitos centros de poder e de legitimidade. E cada um deles gera as suas “regras” e as suas legitimidades. As regras de jogo são umas quando estamos on-line, outras quando estamos num estádio a aplaudir a nossa equipa (ou a insultar o adversário e o árbitro), outras ainda quando estamos na escola. Pode-se cultivar uma sensibilidade ambientalista, dizer palavras bem sonantes sobre o desenvolvimento sustentado durante a semana e passar o fim-de-semana no centro comercial numa orgia de consumo. Pode-se passar a noite de 4ª feira na oração de Taizé com a pastoral universitária e a noite de 5ª a “abanar o capacete” alimentado a ecstasy.

Como não há um centro único que dê legitimidade aos valores e às práticas, é muito difícil a hierarquização de valores, necessidades e oportunidades. E esta complexidade desarticulada não é somente uma situação de facto: torna-se ideologia. A possibilidade de encontrar um centro existencial sólido aparece, para uma boa parte da cultura, como algo negativo e perigoso.

Pontes

Na Igreja, é comum os mais sensíveis à pastoral juvenil perguntarem-se: “O que pedem os jovens à Igreja?” É uma pergunta sem grande sentido. A esmagadora maioria dos jovens nada pede à Igreja. Cresceram num mundo onde tudo é comprado e onde o mérito das propostas de felicidade se mede pela rapidez e pelo baixo custo.

Alguns sectores eclesiais respondem a este estado de coisas tentando “jogar” segundo as regras da cultura dominante, sem coragem de pôr em causa este modelo consumista e relativista. E fazem uma pastoral juvenil que é mais uma mercadoria de consumo: consumo de socialização (grupos de jovens sem rumo que se resumem a ser umas meras sociedades recreativas), consumo de eventos, consumo de emoções e estética (ainda que mascarada de oração). É uma forma de fazer pastoral juvenil que, em nome duma mal-entendida inculturação, reduz o Evangelho a um produto descafeinado, que não tem coragem de falar das exigências do Evangelho (a nível sexual, económico ou político). É uma caricatura de pastoral juvenil com “tiques de seita”. Onde custa sempre muito a comunhão eclesial (com a paróquia, com as estruturas diocesanas de coordenação). Onde se gasta o melhor das energias virados “para dentro”; onde não há abertura à missão, ao mundo da vida.

Sementes de um futuro já presente

Mas há já presentes nas nossas comunidades eclesiais alternativas de pastoral juvenil bem mais consistentes. Vai estando claro que a pastoral juvenil tem de ser profundamente diversificada (porque diversa é a realidade dos jovens). É inútil procurar um modelo standard de pastoral juvenil. Na boa tradição da Igreja, o Evangelho torna-se realidade ao encontrar os jovens onde eles estão. E sendo o mundo dos jovens tão fragmentado, a acção da Igreja com os jovens (a pastoral juvenil) assume uma miríade de configurações e propostas. Esta pluralidade de ofertas e de percursos tem um bom respaldo no documento dos bispos portugueses “Para que acreditem e tenham vida”. Assumindo o modelo da iniciação cristã, os bispos desenham um percurso que envolve toda a comunidade e a torna capaz de dizer o mesmo evangelho de formas diferentes a quem está em situações de vida e de fé diferentes.

Outra das grandes intuições para a pastoral juvenil é profundamente contra-cultural: numa cultura consumista, o Evangelho faz-se amor gratuito. A pastoral juvenil que vai tendo sucesso consistente é aquela em que a Igreja se aproxima dos jovens oferecendo o melhor que tem (o evangelho de Jesus Cristo na sua pureza original) sem nada esperar em troca. Sem instrumentalizar os jovens. Sem os usar como mão-de-obra barata para eventos eclesiais.

A pastoral juvenil está também a tornar-se amor educativo. Olhamos para cada jovem e vemo-lo com o olhar de Cristo. Vemos, ainda que em potência, tudo o que ele tem para dar. E oferecemo-nos para caminhar ao seu lado, descobrindo a graça libertadora que vem de Cristo Ressucitado.

 

Pe. Rui Alberto, sdb

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Agência ECCLESIA

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