Não basta ser cristão porque sim…

Juan Ambrósio

Estamos já em pleno verão e com ele surgem sempre uma série de propostas que nos convidam a realizar e experimentar aquelas coisas para as quais, no meio da rotina do dia-a-dia, normalmente nunca resta tempo disponível. Não é preciso fazer um grande exercício de investigação e atenção para descobrirmos como somos constantemente convidados, para não dizer bombardeados, com aquela proposta de férias imperdível, ou com aquele convite para uma tal actividade que para sempre nos marcará. E se estes convites e propostas nos chegam ‘de fora’, também podemos fazer referência aqueles impulsos que brotam do interior e que nos recomendam a leitura daquele livro que já há muito jaz sobre prateleira, ou para dar uma arrumação naquele quarto onde as coisas, as mais variadas coisas, não param de se acumular. E podíamos continuar com exemplos até mesmo chegar àquela proposta que simplesmente nos convida a não fazer nada.

A verdade, é que também ao nível da formação cristã surgem várias e diversificadas propostas durante este tempo. Não é certamente este o espaço para as elencar – esse exercício facilmente pode ser feito, como sabemos, com a ajuda da Agência ECCLESIA -, mas pode ser este o tempo para fazermos uma pequena reflexão acerca destas propostas.

Todos podemos intuir, de uma maneira ou de outra, com maior ou menor dificuldade, que hoje a opção cristã não pode apenas ser feita porque sim. Cada vez somos mais solicitados a dar as razões de ser da nossa fé, e esta interpelação não vem só da parte daqueles que não acreditam e nos interrogam acerca das razões do nosso acreditar, mas brota também do exercício da nossa existência crente, que também já não se vai contentando com um mero porque sim.

Neste sentido, todas as propostas de formação são bem-vindas e se elas podem ser realizadas durante um período no qual temos mais disponibilidade de tempo e de vontade, então, tanto melhor, porque mais facilmente estas oportunidades podem ser agarradas e concretizadas. A este nível talvez fosse bom dizer que julgo haver bastante caminho a percorrer no modo como tais actividades são apresentadas e propostas. Porque não sermos mais criativos e ousados, de tal modo que elas se possam revestir de contornos onde a dimensão lúdica e de descompressão possa também estar presente de uma maneira clara, uma vez que no fim de um ano de trabalho também é muito importante podermos introduzir essas dinâmicas.

E se isto é importante, ou seja a tal alteração das rotinas diárias, é aqui também que se pode revelar um dos riscos aos quais julgo devemos estar muito atentos.

É claro que a opção cristã não pode ser reduzida a uma mera rotina. O exercício da existência crente pressupõe sempre mais do que um hábito ou um costume, sob pena de não tocar o nuclear da existência e ficar a um nível epidérmico. Contudo, essa mesma opção deve abarcar a totalidade do existir, dando-lhe um sabor e uma tonalidade especial que brota, como que naturalmente, não tendo que ser constantemente consciencializada.

É obvio que a este nível estamos perante uma das tensões características do cristianismo. Se por um lado não falamos de um mero hábito ou rotina, por outro, não falamos também de algo que excepcionalmente se vai sempre acrescentando ao exercício da vida. É por isso que a formação cristã não é de todo uma tarefa fácil. Ela não se pode reduzir a um mero treino de atitudes e afirmações, de tal modo que o ser cristão se concretizasse mediante o dizer mecânico de determinadas afirmações e a realização treinada de determinadas acções, mas também não pode ser transformada numa actividade que pretenda apresentar os fundamentos de cada gesto concreto e de cada palavra articulada, de tal modo que o exercício da existência crente implicasse obrigatoriamente uma atitude de investigação e justificação ao nível de todos os pensamentos e acções.

As muitas propostas que neste tempo nos são disponibilizadas devem, no meu entender, ser pensadas neste contexto, pois não podemos cair na tentação de julgar que a formação cristã se resolverá mediante a realização de conferências, cursos e semanas de estudo. Claro que eles são muito importantes e mesmo indispensáveis, mas tanto mais o serão, quanto mais forem capazes de dar o toque de sabor e de sentido a uma existência que tem que ser vivida ao nível do dia-a-dia.

Juan Ambrósio, Professor da Faculdade de Teologia da UCP

 

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