Homilia do Bispo de Vila Real na celebração de ordenações e Bodas de Ouro Sacerdotais

 

 

1 – Três atitudes nos são propostas nestes textos: a alegria de ser cristão e de ser padre, a missão, e a intimidade com Jesus.

A primeira é a alegria de ser cristão e de ser padre: «Alegrai-vos, alegrai-vos com Jerusalém, vós todos que lhe tendes amor. Seus meninos de peito serão levados nos braços e, como a mãe que anima o filho, assim eu vos hei-de confortar».

Esta exortação do Senhor dirige-se a todos nós membros da sua Igreja, nossa mãe: dirige-se aos jovens candidatos aos Ministérios que iniciam um percurso de maior intimidade com Deus nos mistérios do altar; dirige-se aos dois ordenandos Adão Filipe de Moura e Carlos Manuel Rúbens por verificarem que Deus, na sua misericórdia, os chama a participar no sacerdócio de Jesus Cristo; dirige-se ao povo cristão que reconhece a necessidade do padre e se alegra pela opção destes jovens; dirige-se às dezenas de padres que são testemunhas jubilares do caminho já andado, entre os quais me incluo eu próprio, ordenado presbítero há cinquenta anos. De algum modo, celebramos hoje o sonho e a realidade.

A alegria de ser cristão e de ser padre. Ser cristão é um dom de Deus de tal grandeza que deve gerar uma atitude de encanto: «alegrai-vos», isto é, percebei que vistes e ouvistes o que muitos não viram nem ouviram; ser padre é outro dom imenso de Deus, é ser chamado ao grupo dos amigos a quem Jesus deu a conhecer «tudo o que ouvi de meu Pai».

Aqui temos um primeiro  jubilo , o júbilo que vem da alegria de ser cristão e de ser padre. «Dai-nos, Senhor, esta alegria jubilar».

Em 2008, foram enviadas aos Bispos umas Orientações sobre a formação dos Seminários e aí se diz que o candidato ao sacerdócio deve ter «gosto pela beleza entendida como esplendor da verdade, e a arte de a reconhecer; a liberdade de se entusiasmar por grandes ideais  e a coerência em realizá-las nas acções de cada dia»

(Congregação para a Educação Católica, Orientações para a utilização das competências psicológicas na admissão e na formação dos candidatos ao sacerdócio, Roma, 2008).

Lidas neste momento da ordenação e da celebração jubilar, no início do caminho e no termo de um longo percurso, elas tornam-se mais claras.

Infelizmente, pode-se ser cristão unicamente por obediência aos mandamentos, sem encanto pela pessoa de Jesus; e até é possível fazer um curso de teologia sem chegar a admirar o mistério cristão nem sentir encanto pela revelação e pelo mistério de Jesus Cristo. A memorização utilitária  da doutrina, sem uma verdadeira piedade e sem contemplação, coloca de lado as pérolas. Por isso, o Papa, nas suas homilias em Fátima, falou da necessidade de os cristãos sentirem o encanto da fé, não bastando a tradição religiosa nem a memorização das noções de catequese; e falou também da necessidade de os padres sentirem encanto pelo sacerdócio de Jesus.

 

2 No Evangelho vem descrita a segunda atitude, espírito de missão.

Somos enviados como «preparadores» da entrada de Jesus, os precursores, aqueles que vão «aonde Jesus deve ir». Jesus traça o estilo dos seus enviados.

Em primeiro lugar, dois a dois. O padre é homem da Igreja e é homem do presbitério. Nas orientações há pouco referidas diz-se que «a vocação ao sacerdócio nunca é oferecida fora ou independente da Igreja, é uma vocação eclesial. O bem da Igreja e o bem do candidato são convergentes». E, sendo um homem da Igreja, o padre é membro de um presbitério, como revela o gesto da imposição das mãos dos outros padres.

Esta dimensão do presbitério, permanentemente sublinhada pela teologia do Concílio e pela espiritualidade, é de assimilação lenta pelos jovens nascidos num clima de protagonismo individualista. Resisti à tentação de vos comportardes como aventureiros apoiados nas suas forças, pois acabareis como Sansão, sem cabeleira e sem olhos, sem coerência de doutrina e sem piedade, vencidos e humilhados.

Em segundo lugar, o Evangelho descreve o estilo de vida pessoal e o perfil da missão: como cordeiros para o meio de lobos, homens que levam no coração um pedaço de sonho e de inocência, que hão de aprender a ser prudentes, sem nunca se tornarem rotineiros e medrosos; homens que acreditam que o povo cristão  e a Providência divina não deixarão o padre sem o suficiente  para viver e, por isso, nunca terão como prioridade encher o alforge; homens que dialogam com toda a gente mas não ficam prisioneiros de amizades pontuais nem de laços familiares, e mantêm abertas as asas para voarem mais alto; homens que aceitam o pó do fracasso do seu trabalho e até a rejeição momentânea do seu ministério, e que retomam o seu trabalho noutro meio sem guardarem ressentimento; homens que se alegram por saberem que os seus nomes estão escritos no céu, que sabem que há um Além, como o Papa lembrou em Fátima a todos os consagrados, padres e seminaristas.

Elevemos, então, ao Pai o nosso cântico de louvor, como recomenda o Santo Padre na sua carta há pouco ouvida: «Irmão, ao celebrares a memória do teu sacerdócio, rejubila em Deus» e «vós, caríssimos Filhos Portugueses, permanecei sempre fortes e alegres no Senhor»

 

3- Finalmente, e como base de tudo, a terceira atitude: o padre como seguidor pessoal e entusiasta de Jesus, cultivando com Ele uma relação pessoal.

É outro dos temas referido pelo Papa em Fátima, no discurso aos Padres, aos Seminaristas e aos Consagrados. Essa intimidade com Jesus passa pela muita oração, pela direcção espiritual, e pelo mistério da sua Páscoa.  S.Paulo é muito claro na segunda leitura: «longe de mim gloriar-me a não ser na cruz de N.S.J. Cristo: trago no meu corpo as marcas de Jesus» ( Gál 6,14)

A juventude sonha sempre com um sacerdócio festivo, feito de manhãs que cantam sem haver antes noites de agonia. É preciso aprender a lição dos discípulos de Emaús, não há glória sem humilhação, e não há ressurreição sem a agonia, a crucifixão e a sepultura.. É o que João Paulo II ensinava de outro modo ao dizer que «somos chamados ao sacerdócio e somos chamados no sacerdócio, como os casados são chamados ao matrimónio e chamados no matrimónio. No rosto de Jesus do Calvário há claridade bastante para caminharmos firmes na terra e há segredos ocultos a desvelar no futuro. Posso dizer-vos, por experiência, que só os sofrimentos nos dão a medida exacta das nossas capacidades e do mistério de Jesus.

A fidelidade é o amor no tempo, e o tempo é uma medida dolorosa: «Até quando, Senhor», gritava o salmista em horas de aflição.

Se os Casais aqui presentes pudessem falar do seu amor, se os Consagrados pudessem dizer em voz alta o segredo da sua fidelidade, todos gritariam que todo o amor verdadeiro é «amor de perdição», amor de entrega radical, entrega que passa pela cruz, e que em certas horas se mantém por causa dos outros, até que passe a tormenta e desponte a claridade da manhã.

 

4- Meus caros ordenandos e meus irmãos:

Há quatro anos, estivemos aqui reunidos, nesta Sé, para uma celebração semelhante a esta, as minhas «bodas de prata episcopais». Hoje, para celebrar as bodas de ouro.

São duas etapas diferentes do mesmo sacerdócio, e delas posso dar-vos o testemunho pessoal

Nos primeiros vinte e um anos, vivi o sacerdócio no círculo mais restrito do presbitério diocesano, próximo do povo, e em comunhão com os outros padres e como cooperador do Bispo local; as actividades pastorais tinham o encanto da proximidade, o baptismo de crianças que eram o primeiro filho do casal ou o quarto e o quinto filho; a primeira comunhão de crianças a darem os primeiros passos na comunidade paroquial; a profissão de fé dos adolescentes, pequenos estudantes ou aprendizes de um ofício manual, a assumirem o primeiro testemunho no mundo; o trabalho pastoral com jovens, noivos e casais, e o casamento de jovens que haviam frequentado o CPM; as exéquias de pessoas que eu conhecia pessoalmente e que ajudei a morrer cristãmente; a pregação ao povo reunido ao ar livre nas romarias do Minho e dentro da igreja, nos tríduos do Coração de Jesus, nas festas dos santos, a abrir ou no final das procissões, nos sufrágios de Novembro. É um trabalho de proximidade, um trabalho cheio de encanto, que vós ides exercer.

 

Nos vinte e nove anos seguintes, o ministério do sacerdócio alargou-se na chamada plenitude do sacerdócio. Situado no ápice do sacramento da Ordem, como advertia a bula da nomeação, tive de me voltar mais para as estruturas, estruturas da Igreja e do mundo: ficou mais alta a tribuna da Palavra, predominam as decisões de governo, e, no múnus de santificar, predominam os sacramentos da Confirmação e da Ordem. No presbitério passei da periferia para o centro, tendo eu próprio de me enquadrar no colégio dos Bispos e numa relação directa com o Santo Padre, cuja carta agradeço profundamente.

Na minha cabeça, onde até então havia pequenos espinhos na preparação dos casamentos e comunhões, nos confessos da Quaresma e nas aulas, na reconciliação de casais atribulados, na organização das colectas para o Seminário, passou a haver agora a coroa de espinhos de organizar o Seminário, de cuidar dos retiros e actualização do Clero, de animar estruturas rotineiras e repor as cordas da cítara de que fala S.Inácio de Antioquia a respeito do presbitério e dar saída canónica àqueles que desistiram de lutar. O múnus sacerdotal ganhou em altura mas perdeu em proximidade com o povo.

Vós ireis viver a proximidade do povo, conhecer as pessoas pelo seu nome, as suas alegrias e os seus triunfos diários. Nunca esqueçais, porém, que, para ajudar o povo, tendes de viver mais alto, cuidar da vossa própria intimidade com Jesus, com os outros padres e com o Bispo. Não limiteis o vosso trabalho à celebração de Missas, pois, sendo o cume, ela requer muito trabalho antes e depois. Dedicai-vos ao trabalho de evangelização, incluí nele as expressões artísticas e culturais, o trabalho de formação em grupos e movimentos que vem antes e depois das celebrações.  É aí que se fazem as boas sementeiras, é aí que nascem as grandes amizades.

Meus irmãos Bispos, Sacerdotes, Familiares, Leigos e Religiosas, que viestes hoje a Vila Real por causa destes jovens e por minha causa: o Senhor vos recompense pela vossa amizade permanente e firme, e pelo conforto que a vossa  presença nos traz a todos.

Sé de Vila Real, 4 de Julho de 2010

Joaquim Gonçalves, Bispo de Vila Real

 

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