Homilia do Vigário Regional da Prelatura do Opus Dei na festa litúrgica de S. Josemaria

Caríssimas irmãs e caríssimos irmãos

Acabámos de ouvir a leitura do Evangelho que, mais uma vez, fez ressoar nos nossos corações a palavra imperiosa de Cristo: “Faz-te ao largo e lançai as vossas redes para a pesca!” É a passagem da vida de Jesus que a Igreja quis tornar presente, viva e actuante na vida de cada um, ao celebrar a festa litúrgica de S. Josemaria, fundador do Opus Dei. “Pôr Cristo no cume de todas as actividades humanas”, ser semeadores de paz e de alegria abrindo os caminhos divinos da terra, foi a mensagem que Deus confiou a S. Josemaria para a fazer germinar nos cristãos que estão no meio do mundo, surgindo assim o Opus Dei como instrumento institucional no serviço pastoral da Igreja.

Este ano aqui na cidade do Porto estas palavras de Jesus adquirem uma força muito especial. Convocados pelo vosso Bispo, D. Manuel Clemente, estais a viver a Missão 2010. E dentro deste acontecimento, uma graça ímpar foi a presença do Santo Padre, Bento XVI, em Maio passado. De facto, é como se Deus nos quisesse dizer a todos, através dos seus representantes na terra: “Igreja da Diocese do Porto, faz-te ao largo! Lança as tuas redes!”, ou com palavras do Papa aqui na Avenida dos Aliados: “Meus irmãos e irmãs, é necessário que vos torneis comigo testemunhas da ressurreição de Jesus. Na realidade, se não fordes vós as suas testemunhas no próprio ambiente,” na vossa cidade, “quem o será em vosso lugar?” Todos, juntamente com o Sucessor de Pedro, queremos dizer: “já que o dizes, lançarei as redes”.

Gostaria que cada um de nós nesta ocasião, com a intercessão e os ensinamentos de S. Josemaria, e seguindo as palavras que o Santo Padre aqui nos dirigiu, fosse ao fundo do seu coração e ouvisse o que Jesus nos está a querer dizer, as suas confidências de Mestre, de Amigo. Não é verdade que nos apercebemos que Deus nos está a pedir mais? “Como se notam essas alturas em que Nosso Senhor me pede mais!”, escreve S. Josemaria na Forja (n. 288). E o Santo Padre aqui no Porto fazia-nos considerar como temos de ir mais longe: a certeza de termos Deus connosco – “Eu estarei sempre convosco até ao fim do mundo” (Mt 28, 20) –, que nos consola e tranquiliza, “não nos dispensa de ir ao encontro dos outros. Temos de vencer a tentação de nos limitarmos ao que ainda temos, ou julgamos ter, de nosso e seguro: seria morrer a prazo”. Há novos desafios aos que dar resposta; há muitas pessoas de boa vontade, juntamente com as quais devemos construir a pacífica convivência dos povos e enfrentar os problemas que afligem a sociedade (pobreza, degradação social e moral, entre outros) que ainda não tiveram a oportunidade de encontrar Cristo no caminho da sua vida; há muitos âmbitos sócio-culturais e sobretudo muitos corações ao nosso lado que esperam pelo nosso testemunho (cf. Bento XVI, homilia na Avenida dos Aliados, 14-V-2010). Por isso é bom que nos decidamos a fomentar uma atitude de disponibilidade activa face aos requerimentos do amor de Deus.

            Disponibilidade para o que Deus nos possa pedir em todas as circunstâncias: ante um imprevisto, uma contrariedade inesperada; ou ao fazer-nos contactar com as necessidades imperativas dos que nos rodeiam, que reclamam uma resposta da nossa parte; ou quando desperta no nosso coração santas inquietações que fazem ansiar por metas altas de santidade e apostolado.

Disponibilidade para o projecto que Deus tem para cada um. Um projecto que se vai delineando na intimidade da nossa relação com Deus e que exige da nossa parte procurar com empenho o que Deus nos pede.

Disponibilidade para o apostolado: “Faz-te ao largo…” “daqui em diante serás pescador de homens”. Assim se dirige o Senhor a cada um de nós pessoalmente nesta hora da história da Salvação.

Deixemos que Deus entre na nossa vida e possa dispor dela de acordo com o seu projecto de amor. “Deixando tudo, seguiram-n’O”: seguir Cristo de modo pleno. Que a nossa relação com Deus não seja só um aspecto da nossa vida, mas que a nossa vida seja um aspecto da história da Redenção.

Cada um sabe bem o que isto pode significar na prática. Talvez o Senhor esteja a pedir-nos que o deixemos ainda entrar na nossa barca, ou se calhar já nos abre amplos horizontes incitando-nos a fazer-nos ao mar alto, ou mesmo já nos faz ver como quer que O sigamos sem condições… Para alguns, pode traduzir-se num maior empenho para cuidar a vida de oração, recomeçar a frequência dos sacramentos: experimentar a alegria de um novo encontro com Cristo Ressuscitado; haverá quem veja como necessita de fazer com que essa oração seja mais consequente na relação com os outros, ou numa atitude mais sincera e dócil aos conselhos da direcção espiritual; pode significar uma luta mais decidida para sair do egoísmo ou do comodismo; ou um esforço maior por santificar o trabalho, fazendo-o com competência e sem deixar que se sobreponha à família. Para todos, há-de supor um maior impulso apostólico, vencendo às vezes a vergonha, outras o conformismo ou a inércia. “Não temas”, diz-nos Jesus, e a seguir manifesta-nos as exigências do amor divino: “Daqui em diante serás pescador de homens”. Peçamos a S. Josemaria que amplifique essas insinuações do Espírito Santo na nossa alma. Meu Jesus, que mais posso fazer?

“Nada impomos, mas sempre propomos”, referiu o Santo Padre. E com isto, adoptamos a atitude de amor que Deus tem connosco: Deus não Se impõe, não nos força a fazer a sua vontade; Deus sempre nos propõe que Lhe demos espaço na nossa vida (“e pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra”, ouvíamos há pouco: Deus que nos pede um favor!); convida-nos a participar da sua compaixão pela multidão, do fogo de amor que está no seu coração. Deus procura-nos, convida-nos, propõe-nos que O sigamos mais de perto. E nós em relação aos outros? É bom que nos perguntemos: a quem é que eu proponho o encontro com Cristo? Não é verdade que poderia ter mais empenho, mais ardor apostólico? As pessoas necessitam e esperam de nós esse testemunho.

S. Josemaria afirmava que esse testemunho que o cristão deve dar com naturalidade no seu ambiente familiar, profissional ou social se concretizava no apostolado de amizade e confidência. Amizade autêntica como lemos no Sulco: “Quando te falo de «apostolado de amizade», refiro-me à amizade pessoal, sacrificada, sincera: de tu a tu, de coração a coração” (Sulco, n. 191). Uma amizade incompatível com egoísmos, que exige sair do mundo estreito dos nossos interesses e viver a vida dos amigos como Deus vive a nossa vida. E nesse contexto pode surgir a confidência que abre as portas do coração, falando do que nos enche, da alegria que experimentamos na amizade com Deus, para que os nossos amigos também possam ter acesso a essa alegria. Vem também no Sulco: “Quando te lançares ao apostolado, convence-te de que se trata sempre de tornar felizes, muito felizes, as pessoas: a Verdade é inseparável da autêntica alegria” (Sulco, n. 185). A Verdade e o Bem por que todos os corações anseiam e que no fundo nos pedem que lha comuniquemos “mesmo quem pareça que não”, como dizia Bento XVI. “Por experiência própria e comum, bem sabemos que é por Jesus que todos esperam. De facto, as expectativas mais profundas do mundo e as grandes certezas do Evangelho cruzam-se na irrecusável missão que nos compete”. Interpela-nos S. Josemaria: “Ouve: aí… não haverá um… ou dois, que nos entendam bem?” (Caminho, n. 805), querendo significar com o “aí” os ambientes onde vivemos: “aí” na tua família, entre os teus vizinhos; “aí” no teu trabalho, no teu hospital, no teu escritório, na tua fábrica; “aí” na tua Universidade ou na tua escola; “aí” no teu clube desportivo, na tua corporação profissional; “aí” no teu local de lazer, no sítio onde passas férias. E diz S. Josemaria noutra ocasião: “Convence-te: também aí há muitos que podem entender o teu caminho; almas que, consciente ou inconscientemente, procuram Cristo e não O encontram. Mas, «como hão-de ouvir falar d’Ele, se ninguém lhes fala?»” (Sulco, n. 196). Por isso, vamos fazer o propósito de falar e de dar testemunho, primeiro com o nosso exemplo e a nossa entrega, com a sinceridade de reconhecer os nossos erros e de aprender com a boa vontade de todos, e também com as nossas palavras de coração a coração. Vamos fazer o propósito de ir buscar à oração e à Eucaristia – no fundo partir do coração de Jesus, senão perdemos o tempo e as energias (cf. Bento XVI, homilia na Avenida dos Aliados, 14-V-2010) – a renovação diária deste ardor apostólico: é certo que as pessoas que nos rodeiam anseiam por Cristo, mesmo sem o saberem conscientemente, mas é muito mais certo e manifesto que Cristo anseia por tocar em todos os corações, para os curar, consolar, transformar, e pede-nos que sejamos nós os seus embaixadores: “Faz-te ao largo, lança as tuas redes, serás pescador de homens!”.

Este ano decorre o 80.º aniversário do dia em que Deus fez ver a S. Josemaria que no Opus Dei também eram imprescindíveis as mulheres. Por isso, hoje não queria deixar de referir o papel primordial que têm as mulheres na vida da Igreja e na vida do mundo. S. Josemaria falava da necessidade de mulheres valentes, dispostas a fazer um apostolado profundo em todos os ambientes da sociedade (cf. Caminho, n. 982), que saibam dar o tom de Cristo ao ambiente onde se encontram, na vida familiar, no local de trabalho, nas ruas e nas casas; capazes de ser vanguarda de uma cultura, de uma moda, de uma educação, que respeitem e promovam a dignidade da pessoa humana, que sejam coerentes com a nossa vocação de filho de Deus em Cristo. O Prelado do Opus Dei, D. Javier Echevarría, convidou-nos a viver este ano aniversário sob a protecção de Maria: viver um Ano Mariano. A todas e a cada uma das que estão aqui presentes, jovens e ainda mais jovens, queria dirigir em especial a vós as palavras que Bento XVI disse aqui em Maio passado: “levantai os olhos para” Maria. (…) “O Anjo da Anunciação saudou-A como «cheia de graça», significando com esta expressão que o seu coração e a sua vida estavam totalmente abertos a Deus e, por isso, completamente invadidos pela sua graça. Que Ela vos ajude a fazer de vós mesmas” (da vossa vida, de cada uma das vossas ocupações) “um «sim» livre e pleno à graça de Deus, para poderdes ser renovadas e renovar a humanidade pela luz e a alegria do Espírito Santo”.

O Santo Padre Bento XVI sempre nos põe o exemplo da Nossa Mãe do Céu: a mulher que ama, cujos pensamentos são os pensamentos de Deus e o querer é o querer de Deus. Que S. Josemaria nos leve a amar cada vez mais Nossa Senhora, a penetrar no seu Coração, para aprendermos a ser mulheres que amam, homens que amam: que sabem pôr a sua vida à disposição de Deus e dos outros, que sabem propor cada vez mais o encontro com Cristo a todos os corações.

26 de Junho de 2010, festa litúrgica de S. Josemaria, fundador do Opus Dei

Igreja da Trindade, Porto

P. José Rafael Espírito Santo

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