Ano Sacerdotal e Amor Sacerdotal

Pe. Ricardo Neves

Prestes a chegar ao fim deste Ano Sacerdotal, providencialmente instituído pelo Santo Padre, reconhecemos e agradecemos as múltiplas graças e os sérios desafios impressos na vida eclesial. Não se tratou de uma campanha de imagem ou de marketing, nem sequer pretendeu antecipar problemas ou tensões. Pelo contrário, o Ano Sacerdotal foi uma pedagogia para a renovação do nosso olhar de fé sobre o Sacerdócio de Cristo. A vida da Igreja necessita destes ciclos que intensificam alguns dos seus mistérios, não porque estejam esquecidos, mas porque precisam de ser aprofundados e mais gozosamente assimilados.

Em primeiro lugar, recentrámos a nossa atenção em Cristo Sacerdote: só Ele faz a ponte entre o Coração de Deus e a humanidade peregrina pela vida. No meio de tantos vazios de sentido e de futuro, entre concepções demasiado sociais da Igreja, é preciso anunciar a novidade guardada por Deus para nós: Jesus Cristo abre um futuro de plenitude para o homem e vive na Igreja para oferecer a comunhão eterna com Deus. Cristo Sacerdote continua a procurar os homens imersos nas suas debilidades e feridas, a chamar à união numa só família, a iluminar com a clareza da verdade definitiva. Por isso, os seus gestos e a sua palavra na vida da Igreja, a força do seu Espírito e a radicalidade do seu amor neste Povo Sacerdotal, são vitais e insubstituíveis no seio do nosso mundo.

Em segundo lugar, olhámos para os ministros do Sacerdócio de Cristo, sacerdotes ao serviço de Cristo, da Igreja e do mundo. Ao longo do ano, a renovação deste olhar foi um caminho cheio de interpelações, quer para leigos, quer para sacerdotes: olhar de gratidão, olhar de súplica, olhar de conversão. O Santo Padre começou sempre, tal como em Fátima, por olhar com gratidão e afecto para os sacerdotes: “A todos vós que doastes a vida a Cristo, desejo nesta tarde exprimir o apreço e reconhecimento eclesial. Obrigado pelo vosso testemunho muitas vezes silencioso e nada fácil; obrigado pela vossa fidelidade ao Evangelho e à Igreja” (Discurso do Papa Bento XVI aos Sacerdotes e Consagrados, 12.05.2010). Os sacerdotes são, em si próprios, um dom da presença de Cristo que Lhe agradecemos; mas são também inúmeras histórias silenciosas e permanentes de serviço, doação e peregrinação sobrenatural.

Mas à gratidão associou-se sempre a súplica: multiplicaram-se as orações em tantas comunidades, pedindo a força de Deus para a fidelidade dos sacerdotes. Esta súplica ultrapassa o conhecimento das dificuldades e pecados sacerdotais: trata-se de pedir e colaborar para que o Amor de Cristo seja inteiro e transbordante na vida dos sacerdotes. Essa é a resposta à exigência de santidade inscrita na vocação de todos os cristãos e, em particular, dos sacerdotes. Como o Santo Padre acentuou, a santidade é um desafio de fidelidade integral: “Permiti abrir-vos o coração para vos dizer que a principal preocupação de todo o cristão, nomeadamente da pessoa consagrada e do ministro do Altar, há-de ser a fidelidade, a lealdade à própria vocação, como discípulo que quer seguir o Senhor. A fidelidade no tempo é o nome do amor; de um amor coerente, verdadeiro e profundo a Cristo Sacerdote” (Discurso do Papa Bento XVI aos Sacerdotes e Consagrados, 12.05.2010). Desta fidelidade depende também, em parte, a fecundidade da missão da Igreja.

A gratidão e a súplica são genuínas quando desabrocham em corações abertos à conversão verdadeira e integral. E esse foi o principal desafio deste Ano Sacerdotal: conversão a Cristo Sacerdote e conversão à forma como Cristo quer os sacerdotes. O amor de Cristo e da Igreja pelos sacerdotes foi e é um tremendo apelo à autenticidade e santidade sacerdotal. Todos os sacerdotes o sentiram e a voz do Papa foi vibrante, quando pediu uma relação mais viva e intensa com Cristo Ressuscitado, pois apenas aí está a nascente da vida e missão sacerdotal: “Neste Ano Sacerdotal, já a caminho do fim, uma graça abundante desça sobre todos vós para viverdes a alegria da consagração e testemunhardes a fidelidade sacerdotal alicerçada na fidelidade de Cristo. Isto supõe, evidentemente, uma verdadeira intimidade com Cristo na oração, pois será a experiência forte e intensa do amor do Senhor que há-de levar os sacerdotes e os consagrados a corresponderem ao seu amor de modo exclusivo e esponsal” (Discurso do Papa Bento XVI aos Sacerdotes e Consagrados, 12.05.2010).

O Santo Padre foi ainda mais longe neste desejo de conversão e na abertura à transformação autêntica: ela é comunitária e responsabilidade de todos. Isso mesmo o acentuou em Fátima, pedindo uma comunhão presbiteral, expressão da comunhão eclesial, que seja activa no crescimento da fidelidade sacerdotal: “Considerai a graça inaudita do vosso sacerdócio. A fidelidade à própria vocação exige coragem e confiança, mas o Senhor quer também que saibais unir as vossas forças; sede solícitos uns pelos outros, sustentando-vos fraternalmente. Os momentos de oração e estudo em comum, de partilha das exigências da vida e trabalho sacerdotal são uma parte necessária da vossa vida” (Discurso do Papa Bento XVI aos Sacerdotes e Consagrados, 12.05.2010).

Terminamos o Ano Sacerdotal mas continuamos o Amor Sacerdotal. Amar Cristo Sacerdote e amar os ministros do Sacerdócio de Cristo: eis o apelo que perdura para além deste ano, eis o desafio a leigos e sacerdotes empenhados na construção da comunhão eclesial.

Padre Ricardo Neves, Vice-Reitor do Seminário de São José de Caparide (Patriarcado de Lisboa)

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