O Papa aponta como modelo de intervenção social “o estilo do bom samaritano”, cujo ponto essencial é o momento em que o samaritano se comove: a partir daí, os seus problemas perdem importância e ele apenas vê aquele desconhecido ferido à beira da estrada. A este “comover-se”, atitude tão própria de Jesus, chama o Papa ver com o coração. Há uma diferença quase abissal entre ver com a inteligência e ver com o coração. É preciso ver com os sentidos (o que se passa) e com a inteligência (analisar o que vemos); mas só quando vejo com o coração é que passo de mirone a samaritano. O Papa explica com duas curtas citações: o “coração vê onde há necessidade de amor e actua em consequência” (DCE 31) e “o amor de Deus revela-se na responsabilidade pelo outro” (SS 28).
Apresentado o estilo, passa aos meios para ajudar a que um coração veja.
Sempre, mas mais agora no contexto desta crise multifacetada, é urgente um adequado discernimento que só a “proposta criativa da mensagem social da Igreja” pode proporcionar. Portanto, a primeira condição é o estudo da Doutrina Social da Igreja, um estudo com o coração, pois “não se trata de puro conhecimento intelectual, mas de uma sabedoria que dê sabor e tempero, ofereça criatividade às vias cognoscitivas e operativas para enfrentar tão ampla e complexa crise”.
Desta afirmação facilmente se conclui que, para o Papa, a Pastoral Social não se limita à “velha” acção sócio-caritativa, tão marcada pelo assistencialismo, nem sequer às novas formas nascidas “de uma nova ‘fantasia da caridade’, que se manifesta não só nem sobretudo na eficácia dos socorros prestados, mas na capacidade de pensar e ser solidário com quem sofre, de tal modo que o gesto de ajuda seja sentido não como esmola humilhante mas como partilha fraterna” (NMI 50). O Papa alarga a diaconia da caridade às dimensões social e política: somos “chamados a promover organicamente o bem comum, a justiça e a configurar rectamente a vida social”. Este é um salto que muitos católicos têm dificuldade e até receio de dar. Por isso, foi bom que o Papa explicitasse: “Aqui se situa o urgente empenhamento dos cristãos na defesa dos direitos humanos, preocupados com a totalidade da pessoa nas suas diversas dimensões.”
Embora sem o citar, o Papa tem presente que “a actividade caritativa da Igreja mantenha todo o seu esplendor e não se dissolva na organização assistencial comum, tornando-se uma simples variante da mesma” (DCE 31), para tirar duas consequências.
Primeira: embora difícil devido à pressão da cultura dominante, é indispensável “uma síntese satisfatória da vida espiritual com a acção apostólica”. Mas atenção, a palavra “satisfatória” não é para sossegar consciências, pois o Papa logo esclarece: “Todavia a referida síntese é absolutamente necessária para poderdes, amados irmãos, servir Cristo na humanidade que vos espera”, porque, “neste mundo dividido, impõe-se a todos uma profunda e autêntica unidade de coração, de espírito e de acção”.
Segunda: as instituições sociais da Igreja devem manifestar claramente a sua identidade, “na inspiração dos seus objectivos, na escolha dos seus recursos humanos, nos métodos de actuação, na qualidade dos seus serviços, na gestão séria e eficaz dos meios”.
Esta preocupação do Papa é bem justificada, pois não esquece que um dos grandes perigos é uma promiscuidade, por vezes, quase doentia: “Passo fundamental, além da identidade e unido a ela, é conceder à actividade caritativa cristã autonomia e independência da política e das ideologias, ainda que em cooperação com organismos do Estado para atingir fins comuns”. Não aponto o dedo a ninguém, mas há muitos alguéns que bem precisam de reflectir e avaliar o que estão a fazer.
Finalizo com o pedido de D. Carlos Azevedo ao Papa: “Retire-nos do fatalismo que acomoda e convoque-nos para uma compaixão que dignifica, para uma ternura que cuida, para uma escuta que valoriza, para uma esperança que acompanha”. Esta exigência devia ser feita aos agentes pastorais, pois se eles não a assumirem, o Papa não pode puxá-los pelas orelhas!
José Dias da Silva