Bento XVI vai escutar Manoel de Oliveira

É um peso-pesado da teologia, capaz de ombrear, em intuição e produção de pensamento, com clássicos contemporâneos

No encontro que Bento XVI tem previsto realizar com protagonistas da cultura portuguesa, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, caberá ao cineasta Manoel de Oliveira saudar o Papa. Raras vezes a história nos associa aos seus momentos culminantes, normalmente diferidos para uma ponderada reconstituição posterior. A história tem poucos directos. O seu fluir, as suas alterações, os seus movimentos são observáveis por escassos radares em cada tempo. Também por isso o evento anunciado vem em contra-corrente.

Bento XVI é um Pontífice singular. Chegou a Roma vindo da condução pastoral de uma Diocese, mas a sua áurea era, sobretudo, a de mestre incontestado numa das academias europeias de maior exigência. Na Cúria dirigia um dos mais amplos e identitários sectores do governo da Igreja, mas assentindo sempre em debater o estado da Fé e do Mundo para lá das fronteiras do próprio catolicismo (recordem-se os diálogos com Jürgen Habermas ou com Paolo Flores d’Arcais). É um peso-pesado da teologia, capaz de ombrear, em intuição e produção de pensamento, com clássicos contemporâneos como Romano Guardini, Karl Rahner ou Hans Urs von Balthasar, mas ao mesmo tempo é responsável pelo veemente elogio da beleza na construção do itinerário crente: «ser atingido e dominado pela beleza de Cristo constitui um conhecimento mais real, mais profundo, do que a mera dedução racional. É claro que não devemos subestimar a importância da reflexão teológica, do pensamento teológico exacto e preciso; ele continua absolutamente necessário. Mas daí a desdenhar ou rejeitar o impacto produzido pela resposta do coração no encontro com a beleza, considerada como uma autêntica forma de conhecimento, seria empobrecer-nos».

Ao escutar as palavras de Oliveira, Bento XVI sabe certamente que quem lhe fala é um dos grandes criadores dessa extraordinária arte que é o cinema, mas dir-se-ia, por todas as razões, que sabe mais: sabe que os grandes artistas se tornam mestres de humanidade e luzeiros que iluminam a procura de Deus.

José Tolentino Mendonça

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Agência ECCLESIA

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