Homilia do Cardeal-Patriarca no Pontifical da Ressurreição

Tudo começa aí: acreditar que Jesus ressuscitou dos mortos

1. Acreditar na ressurreição de Cristo é, certamente, o aspecto mais exigente e decisivo da fé cristã. Sempre o foi e é-o particularmente no tempo que estamos a viver.

            Já o foi para as primeiras testemunhas da ressurreição. Jesus, sempre que anunciou a sua Paixão, anunciou a sua Ressurreição. Mas os discípulos, se tinham dificuldade em aceitar a morte de Jesus, não perceberam de forma nenhuma o anúncio da ressurreição. Numa dessas ocasiões, o Evangelista diz que eles ficaram a discutir entre si o que é que queria dizer ressuscitar dos mortos. Quando Jesus ressuscita e lhes aparece é uma surpresa total e exigente.

            Tentemos perceber quais as causas dessa dificuldade em aceitar a ressurreição. A primeira está na dificuldade de identificar no ressuscitado o mesmo Jesus que eles conheceram e amaram, que os impressionou com os seus milagres, os atraiu com a sua Palavra e os ensinou como um Mestre. É Ele, ou é uma espécie de fantasma? Jesus tem consciência dessa dificuldade e faz tudo para lhes mostrar que é Ele mesmo. Parece que era mais fácil para eles aceitar um outro ser misterioso do que admitir que a ressurreição era agora o novo rosto de Jesus, que levantava o véu que encobria o mistério do Jesus histórico. É que aceitar que Ele é o mesmo, um só e não dois, obriga a reler, à luz deste seu novo rosto, todas as suas palavras, gestos, milagres, a sua própria morte. O rosto do ressuscitado ilumina o rosto do Jesus histórico, mas não o anula.

            Uma segunda causa dessa exigência consistia nisto: acreditar no ressuscitado exigia começar tudo de novo: a  compreensão do Reino de Deus, a sua vocação e chamamento, o seu envio em missão. Tudo o que o Senhor tinha feito com eles era válido, permanecia, mas a sua amplitude só o ressuscitado a revelava.

            Mas a principal dificuldade estava na nova exigência da fé. A ressurreição de Cristo não se podia verificar, era preciso acreditar. Mesmo aqueles a quem Jesus ressuscitado apareceu, tinham de acreditar e foram escolhidos para serem testemunhas e não provas de verificação. São João dá a entender que, perante o túmulo vazio, sintoma que algo de estranho tinha acontecido, ele acreditou primeiro que Pedro. E esta fé era mais exigente do que aquela que tinham manifestado no Jesus histórico, seguindo-O, considerando que era o Messias prometido. Acreditar no ressuscitado não anulava nada, mas transformava tudo.

 

            2. Projectemos estas dificuldades para o nosso tempo. A primeira é real: é mais fácil aceitar a figura histórica de Jesus, o carácter sublime dos seus ensinamentos, a sua autoridade moral. Mesmo sujeitando-o às exigências da crítica histórica, Ele fica prisioneiro do tempo histórico. Acreditar no ressuscitado é abrir o coração humano ao insondável de Deus, é mudar radicalmente as visões que se têm do sentido da vida humana, da sua plena realização, do horizonte do seu futuro. Acreditar na ressurreição é aceitar que Jesus Cristo está vivo, é tremendamente actual, é um desafio de amor e de eternidade na precariedade do horizonte restrito da nossa existência histórica. Mesmo os ateus podem aceitar o Jesus histórico. Mas quem acreditar na ressurreição não pode, nem ser ateu, nem confinar o sentido da vida ao horizonte deste mundo.

 

            3. A segunda dificuldade sentida pelos discípulos é também real no nosso tempo: acreditar na ressurreição de Cristo é aceitar começar tudo de novo: o sentido da vida e da morte, do amor e do sofrimento, da responsabilidade e da missão. Que o digam aqueles que um dia mergulharam nesse mistério do ressuscitado. As primeiras gerações de cristãos disseram que era como “nascer de novo”. Deixa de ser possível continuar a viver como se só existisse este mundo. É a clareza da mensagem de Paulo aos Colossenses: “Irmãos: se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória” (Col. 3,1-4).

 

            4. A terceira dificuldade é a exigência da fé. Só esta nos leva a mergulhar na realidade do ressuscitado. Essa fé é um dom do Espírito de Cristo ressuscitado, mas nós podemos facilitá-la e acolhê-la, confiando nas testemunhas sinceras. Foi assim que tudo começou: Deus ressuscitou-O ao terceiro dia, e nós somos disso testemunhas. A força de um testemunho não é menos comovedora do que uma prova racional, sobretudo porque o testemunho exprime-se com a vida, na maneira de amar, na forma de estar no mundo com os olhos na eternidade. As palavras convencem, mas o testemunho comove.

            Na Igreja do nosso tempo, não basta a clarividência da doutrina, é necessária a ousadia das testemunhas. Porque o testemunho é dado com a vida, as testemunhas são aberturas a essa outra dimensão da vida, onde só Cristo continua a ser a fonte da vida. Só podemos dizer “boa Páscoa” se tivermos no nosso coração a convicção e a ousadia de testemunhas.

Sé Patriarcal, 4 de Abril de 2010

JOSÉ, Cardeal-Patriarca

 

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