A celebração do Pontifical Crismal e a Bênção dos Óleos, com a presença dos sacerdotes vindos de toda a Diocese, é dos momentos mais ricos e expressivos da comunhão do nosso presbitério. Mas no Ano Sacerdotal que estamos a viver com empenho e seriedade, deve ser oportunidade providencial para, que, determinados e humildes, consolidemos na renovação das nossas promessas, o compromisso da nossa fidelidade ao Senhor, com os olhos postos na fidelidade d’Aquele que nos chamou.
Nas comunidades paroquiais, os tempos de adoração ao Santíssimo Sacramento são um significativo e mobilizador acto de piedade que aqui quero referir, e terá vindo a contribuir para ajudar os nossos fiéis a descobrirem e agradecerem a riqueza inestimável do sacerdócio ministerial. A imagem de S. João Maria Vianney, referência desejada por Sua Santidade, Bento XVI, cujo testemunho tem iluminado a vivência deste Ano Sacerdotal, colocada em lugar de destaque em algumas das nossas Igrejas, para veneração dos cristãos, é para nós sacerdotes e restantes fiéis apelo e estímulo de fidelidade. Quero ainda salientar a evocação escrita e falada de tantos membros do nosso presbitério, retirados das cinzas do esquecimento, que continuam vivos como incentivo de generosidade e dinamismo apostólico.
A próxima vinda do Santo Padre a Portugal com o programa que inclui o encontro com os sacerdotes na Igreja da Santíssima Trindade na tarde do dia 12 de Maio, e a possibilidade de com ele concelebrarmos, tanto em Fátima, como em Lisboa ou no Porto, vai ser ocasião para reflectirmos a sua mensagem que, na sequência do pensamento de João Paulo II, desde o início de seu ministério papal, não se cansa de chamar a nossa atenção de padres para o essencial da nossa vida, para a identidade que havemos de testemunhar.
Foi este o primeiro tema do Congresso Teológico Internacional, na Pontifícia Universidade Lateranense, promovido pela Congregação para o Clero, nos passados dias 11 e 12 de Março. São as palavras proferidas por Sua Santidade no encontro que teve com os participantes, que gostaria de partilhar convosco nesta hora, com o pedido de que as meditemos com atenção e profundidade, expressando, também deste modo, a nossa comunhão com Sua Santidade que forças adversas pretendem debilitar: “O tema da identidade sacerdotal, objecto do primeiro dia de estudo, é determinante para o exercício do sacerdócio ministerial no presente e no futuro. Numa época como a nossa, tão «policêntrica» e propensa a esfumar todo o tipo de concepção de identidade, considerada por muitos como contrária à liberdade e democracia, é importante manter bem clara a peculiaridade teológica do Ministério ordenado, para não ceder à tentação de reduzi-lo a categorias culturais dominantes. Num contexto de difundida secularização que progressivamente exclui Deus da esfera pública, e tendencialmente também da consciência social difundida, frequentemente o sacerdote aparece «estranho» ao sentir comum, precisamente pelos aspectos mais fundamentais do seu ministério, como os de ser homem do sagrado, subtraído ao mundo para interceder a favor do mundo, constituído por Deus e não pelos homens em tal missão.”
Esta análise tão realista da mentalidade actual, provocou a advertência oportuníssima que de imediato Sua Santidade proferiu: “É importante superar perigosos reducionismos que nos decénios passados, utilizando categorias mais funcionalistas que ontológicas, apresentaram o sacerdote como um «agente social», com o risco de atraiçoar o próprio sacerdócio de Cristo”.
Todos recordamos que, poucos meses depois da sua eleição papal, o Santo Padre Bento XVI, num notabilíssimo discurso, à Cúria Romana, a propósito da correcta interpretação dos documentos conciliares, falava duma «hermenêutica de continuidade» que devia ser a chave da sua leitura, e se contrapõe a uma «hermenêutica da descontinuidade e da ruptura». Bento XVI recorda-o agora para afirmar que “parece necessária uma hermenêutica – diz o Papa – que poderia definir-se «da continuidade sacerdotal», a qual, partindo de Jesus de Nazaré, Senhor e Cristo, e passando através dos dois mil anos da história de grandeza e de santidade, de cultura e de piedade, que o Sacerdócio escreveu no mundo, chegue até aos nossos dias”.
Na sequência da reflexão anterior, lança-nos Sua Santidade o desafio que assumo e ouso dirigir-vos e dirigir-me também. É a forma de mantermos viva a unção referida por Isaias no texto que Jesus apropriou a Si, e todos recebemos na ordenação sacerdotal. Disse O Santo Padre: “Caros irmãos sacerdotes, no tempo que vivemos é importante que o chamamento a participar no único Sacerdócio de Cristo no Ministério ordenado floresça no «carisma da profecia»: há grande necessidade de sacerdotes que falem de Deus ao mundo e que apresentem o mundo a Deus; homens não sujeitos a modas culturais efémeras, mas capazes de viver autenticamente aquela liberdade que só a certeza da pertença a Deus é capaz de conferir. […] Hoje a profecia mais necessária é a da fidelidade, que partindo da Fidelidade de Cristo à humanidade, através da Igreja e do Sacerdócio ministerial, leve a viver o próprio sacerdócio na adesão total a Cristo e à Igreja. Efectivamente, o presbítero já não pertence a si mesmo mas, pelo selo sacramental recebido, é «propriedade» de Deus. Este seu «ser de Outro» deve tornar-se reconhecível por todos, através de um límpido testemunho.”
Em que consiste a transparência deste testemunho? Ouçamos uma vez mais Bento XVI: “No modo de pensar, de falar, de julgar os acontecimentos do mundo, de servir e amar, de relacionar-se com as pessoas, também de vestir, o sacerdote deve sacar força profética da sua pertença sacramental, do seu ser profundo. Consequentemente deve pôr todo o cuidado em subtrair-se à mentalidade dominante que tende a associar o valor do ministro não ao seu ser, mas só à função, desconhecendo assim a obra de Deus que incide na identidade profunda da pessoa do sacerdote, configurando-o a Si de modo definitivo”. E sublinha a seguir o valor do celibato que apresenta como “autêntica profecia do reino, sinal da consagração com coração indiviso ao Senhor e às «coisas do Senhor», expressão do dom de si a Deus e aos outros”.
Caríssimos irmãos sacerdotes! A igreja sofre nos últimos tempos uma dolorosíssima provação que não pode deixar-nos insensíveis. Amemos muito a nossa Mãe, a Igreja, santa, mas também pecadora, e rezemos por todas as vítimas inocentes, porventura irremediavelmente marcadas para toda a vida; amemos a Mãe Igreja e rezemos e sacrifiquemo-nos por todos os culpados que por vocação deveriam apresentá-la pura e imaculada, e com o seu torpe comportamento a conspurcam; amemos a Santa Igreja e rezemos por aqueles que com falsidades a insidiam, infamando-a e caluniando-a, na pessoa dos que, por vocação, ministerialmente a servem, com o exclusivo objectivo de desacreditá-la. Seja o testemunho da nossa fidelidade a resposta humilde, mas firme, da nossa compaixão.
O espírito que há-de presidir à nossa vivência de padres terá de reflectir sempre o nosso entusiasmo e a nossa felicidade de sacerdotes, factor importante na pastoral vocacional, o que leva Bento XVI na Mensagem para o 47º Dia Mundial de Oração pelas Vocações. a pedir-nos que o manifestemos corajosamente na renovação das nossas promessas sacerdotais.
Em Ano Sacerdotal e neste ambiente de comunhão, agradecemos ao Senhor a Graça que é para a Diocese a ordenação sacerdotal do P. Ponciano Joaquim Baptista dos Santos e do P. Miguel dos Santos Patrício Peixoto. Comungamos igualmente o júbilo e alegria do P. Luís Ribeiro da Silva pelos 50 anos do seu sacerdócio e também do P. José António Fonseca Pontes que celebra as suas Bodas de Prata sacerdotais. Agradecidos pelo testemunho do seu sacerdócio, sufragamos as almas dos nossos irmãos falecidos, P. Joaquim Sobral e P. João Ferreira; e ainda os pais do P. Abel Rodrigues da Costa e do P. Américo Ribeiro de Freitas, as mães do P. João Ferreira e do Senhor D. António Francisco dos Santos, e o irmão do P. Diamantino Alvaíde Duarte. Através da oração, exprimimos a nossa comunhão com os nossos irmãos sacerdotes que testemunham o seu sacerdócio na fragilidade da idade ou da doença: Mons. Veríssimo, Mons. Simão, P. Manuel Pinto Afonso, P. Álvaro de Almeida, P. Alberto Ferreira, P. Delfim Pedro, P. Manuel Pinto de Almeida, P. Mário Ferreira Lages, P. Duarte Vaz, P. João Duarte de Carvalho, C. Joaquim Mendes de Castro. C. António de Sousa Pinto, P. Lucas Ribeiro Pedrinho, P. Melchior Pinto dos Santos Coelho, P. Diamantino José Pereira Duarte, P. José Maria de Lacerda que hoje completa 93 anos e se encontra internado no Hospital de Lamego. Rezamos ainda pela saúde das mães dos Padres Ramos, dos Padres Seixeira, do P. José Abrunhosa, do P. Justino Lopes e pelos pais do P. António Lemos de Almeida.
À Mãe de Jesus e Mãe dos sacerdotes entregamos confiadamente, neste Ano Sacerdotal, o nosso Presbitério, com as suas preocupações e problemas, e pedimos-Lhe que sempre nos cubra com o Seu manto protector e abençoe o nosso ministério.
Concluo com as palavras que na Audiência Geral de ontem, Quarta-feira, o Santo Padre Bento XVI dirigiu a todos os sacerdotes: “A exemplo do Santo Cura de Ars, deixai-vos conquistar por Cristo, e sereis também vós, no mundo de hoje, mensageiros de esperança, de reconciliação e de paz”.
D. Jacinto Botelho, Bispo de Lamego