Caríssimos padres e diáconos, caros seminaristas, estimados irmãos
1. Ano Sacerdotal
Esta nossa concelebração da Missa Crismal, em Ano sacerdotal, assume, para todos nós, caros padres, um significado particular.
Agradecidos pelo dom do ministério ordenado, conferido por Jesus aos doze, com Ele reunidos no cenáculo, queremos exprimir, com a renovação das nossas promessas sacerdotais, a nossa resposta e o nosso empenho pessoal em assumir os objectivos propostos pelo Papa Bento XVI para este Ano Sacerdotal:
– promover o compromisso de renovação interior de todos os sacerdotes, para que o seu testemunho evangélico no mundo de hoje, seja mais intenso e mais incisivo;
– favorecer a tensão dos sacerdotes em ordem à perfeição espiritual, da qual depende a eficácia do seu ministério;
– evidenciar a importância do papel e da missão do sacerdote na Igreja e na sociedade contemporânea” (cf BENTO XVI, Carta de Convocação do Ano Sacerdotal: 16 de Junho de 2009; Discurso à Congregação para o Clero: 16 de Março de 2009).
Os encontros mensais do clero, que temos vindo a realizar; a celebração dos jubileus sacerdotais que hoje queremos evocar (bodas de diamante do Mons. Sezinando, bodas de ouro do Cón. José Rosa e do Frei José Maciel, bodas de prata do Cón. Gilberto); o envolvimento das nossas comunidades na celebração deste ano, particularmente com a adoração eucarística mais prolongada e uma maior disponibilidade para a celebração do sacramento da reconciliação em diversas cidades da Diocese; a próxima visita do Papa a Portugal e a oportunidade de aprofundar a nossa comunhão com o sucessor de Pedro e com toda a Igreja, podem constituir para todos, meios privilegiados para reanimar o “dom de Deus que está em nós”.
Esta concelebração de Quinta-feira santa, em Ano Sacerdotal, vem ajudar-nos, pelo seu profundo sentido de comunhão eclesial de que ela se reveste, a reviver com maior intensidade quer a instituição dos sacramentos da Ordem e da Eucaristia, quer o gesto em que Cristo, na pessoa do Bispo Ordenante, em cadeia ininterrupta iniciada na última ceia, nos impôs as mãos e, pela oração de ordenação, nos conferiu o dom do Espírito, tornando-nos participantes deste mistério insondável de amor (cf Bento XVI, Sacramentum Caritatis n. 11).
2. Não vos chamo servos mas amigos (Jo 15,14)
O gesto da imposição das mãos, no dia da nossa ordenação, faz-nos evocar a palavras que Jesus dirigiu aos doze, na intimidade do cenáculo: não vos chamo servos (…) mas amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi do meu Pai” (Jo 15, 15). Nestas palavras, como refere Bento XVI – poder-se-ia chegar a ver a instituição do sacerdócio. O Senhor faz-nos seus amigos; confia-nos tudo; e confia-se a Si mesmo a nós, de tal modo que possamos falar com o seu Eu: in persona Christi capitis (cf Bento XVI, Missa Crismal 2006)
No gesto sacramental da imposição das mãos por parte do Bispo, foi o próprio Senhor que impôs as suas mãos sobre nós. Com este gesto, Ele tomou conta de nós, exprimindo posse e protecção: Tu pertences-me. Tu estás sob a protecção das minhas mãos. Tu encontras-te sob a protecção do meu coração.
Gesto que perdura no percurso existencial da nossa vida e do nosso ministério: seja em tempos de “entusiasmo pessoal e pastoral”, seja em tempos “debilidades e desencanto”, ou mesmo de “infidelidades”, e de “duplicidade de vida”, sentindo-nos, por vezes como Pedro, a afundar no “mar agitado” do mundo, mas sempre com a certeza de encontrar essa mão amiga que segura a nossa e nos diz: Homem de pouca fé porque duvidaste! Não tenhas medo! Eu estou contigo. Não te deixo, mas tu também não me deixes! As mãos de Cristo são sempre mãos que defendem, salvam, orientam e permanecem constantemente estendidas, sobre a nossa cabeça, e dão sentido à nossa vida e consistência ao nosso ministério.
Já não vos chamo servos, mas amigos. Este é o profundo significado do ser sacerdote: tornar-se amigo de Cristo: assumir os seus sentimentos; assumir a mesma doação, a mesma entrega, o mesmo amor; nada fazer por ambição ou vaidade, mas com humildade, não tendo em vista os próprios interesses, mas os interesses dos outros (cf Fil 2,2-5) (cf Bento XVI, Ibid).
3. Conhecer Cristo… estar com Ele
Temos consciência da nossa debilidade na resposta ao amor de Cristo. O dom que nos conferiu, é um tesouro que transportamos em vasos de barro (cf 2Cor 4,7). Reconhecemos as nossas fragilidades. Mas também sabemos, que Deus se serve dos fracos, para fazer grandes obras, e que é na fraqueza, que se manifesta a sua graça e o seu poder salvífico (cf 1Cor 1,27).
Conhecer Cristo, em ambiente de intimidade e amizade, particularmente na oração pessoal, como resposta à leitura orante da Palavra, supera tudo o que possamos desejar ou aspirar, inclusive as nossas debilidades. É o testemunho pessoal de Paulo, que no-lo confirma: considero tudo uma perda diante do conhecimento deste bem supremo que é Cristo meu Senhor; por causa d’Ele, perdi tudo e considero tudo como lixo a fim de ganhar Cristo e estar com Ele (cf Fil 3,8-9).
Conhecer Cristo e estar com Ele… eis caros padres, o segredo da fecundidade e da eficácia do ministério sacerdotal. O tempo dedicado a cultivar a amizade com Cristo é um tempo eminentemente pastoral. É o que depreendemos, igualmente, do testemunho pessoal de João, o discípulo predilecto de Jesus: “O que existia desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e tocámos com as nossas mãos acerca da Palavra de vida (…) vo-lo anunciamos, para que também vós estejais em comunhão connosco. (…) Escrevemo-vos isto para que a vossa alegria seja completa” (1Jo 1,3-5).
Caros Padres, admiro a vossa dedicação; a vossa generosidade serve-me de incentivo no exercício do meu ministério. Mas gostaria que o apelo que temos vindo a escutar ao longo deste Ano Sacerdotal, nos ajudasse a parar para uma revisão de vida: estabelecer prioridades pessoais e pastorais, assumir um novo estilo de vida, de modo a colocar essa abundante riqueza das vossas vidas ao serviço do que é verdadeiramente prioritário na construção do reino de Deus.
A acção pastoral pode ser esgotante, até mesmo heróica, mas se não nascer da profunda e íntima comunhão com Cristo, o agir exterior torna-se estéril e ineficaz. Só o que anunciamos como fruto do que ouvimos, vimos, contemplámos e tocámos com as nossas mãos acerca da Palavra da vida é portador da força fecunda do Espírito, gerador de vida nova e fonte de testemunho alegre e contagiante de Cristo Ressuscitado.
4. Fidelidade e testemunho
O mundo de hoje, apesar dos inumeráveis sinais de rejeição de Deus, paradoxalmente, reclama que lhe falemos de um Deus que nós próprios conhecemos e tratamos familiarmente, como se víssemos o invisível. E como tal espera de nós simplicidade de vida, espírito de oração, caridade para com todos, especialmente para com os pobres, obediência e humildade, desapego de nós mesmos e capacidade de abnegação e renúncia. Sem esta marca de santidade, dificilmente a nossa palavra chegará ao coração do homem de hoje; ela corre o risco de permanecer vã e infecunda (cf EN 76).
O mundo de hoje vive sedento de autenticidade, de verdade e transparência… E por isso espera de nós uma resposta clara à exortação que nos foi dirigida no dia da nossa ordenação diaconal e que ele transforma permanentemente em pergunta: acreditas, verdadeiramente, o que lês? Ensinas, em todo o tempo e lugar, o que crês? Vives, fielmente, o que ensinas?
Ou, por outras palavras, e reflectindo o lema inspirador deste Ano Sacerdotal: és fiel a Cristo, tal como Ele é fiel ao dom que te concedeu? Fidelidade que se constrói e se vive na constância e na perseverança, na lealdade e na rectidão
A falta de oração, a tibieza (cf Ap 3,15-17), a falta de entusiasmo por Cristo e a consequente inércia pastoral constituem, ainda mais que os escândalos ocasionais, os factores de maior fragilização da Igreja e da sua missão.
A fidelidade brota de modo natural e espontâneo quando a amizade é sincera. Participamos do sacerdócio de Cristo, não por conquista nossa, mas por dom e graça da sua amizade por nós, o que nos exige gratidão e reconhecimento: escutá-lo, vivê-l’O (cf Paulo), anunciá-lo, ser sua transparência fiel e verdadeira, já que é Ele a agir em nós. É Ele que deve crescer e não nós. A fidelidade reclama perseverança, porque a fidelidade é o amor que resiste ao desgaste do tempo.
A oração pessoal prolongada, diante do sacrário, foi o segredo de S. João Maria Vianney, para operar, em Ars e em toda a França, a revolução pastoral que todos conhecemos. Quando os seus paroquianos precisavam dele, sabiam onde encontrá-lo (lê-se na sua biografia). Um bom pastor, um pastor segundo o Coração de Deus, é o tesouro maior que o bom Deus pode conceder a uma Paróquia, e um dos dons mais preciosos da misericórdia divina (dizia o Cura de Ars)
Meus caros irmãos, louvemos o Senhor, neste dia, pelo dom do ministério ordenado. Louvemo-lo pelo dom dos nossos presbíteros e diáconos; louvemo-lo sobretudo pelo que cada um deles é para a nossa Igreja diocesana. Recordemos, com afecto e sincera gratidão, os doentes e idosos, que continuam a oferecer com amor a sua vida ao Senhor. Estimai os vossos Párocos, rezai cada dia por eles e por mim para que, da nossa amizade e fidelidade a Cristo, transpareça a nossa amizade fraterna, e a nossa entrega, sem reservas, ao povo que nos foi confiado, sinal de Cristo Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas.
Permanecei firmes na oração pelos nossos seminaristas e para que o Senhor faça surgir, nas nossas comunidades, vocações de consagração, de modo que não faltem servidores de Cristo e do Evangelho.
Meus caros padres, estimai os fiéis que vos estão confiados e distribuí-lhe, também através do testemunho magnânimo e generoso duma vida toda consagrada a Deus, os dons de que o Senhor vos fez fiéis servidores.
Confiemo-nos todos à protecção d’Aquela que foi deixada ao discípulo predilecto de Jesus. Permaneçamos com Ela ancorados em Cristo, tal como nos sugere o nosso programa diocesano de pastoral. Acolhamo-la no nosso coração e na nossa vida. Seja ela a guiar-nos sempre pelos caminhos de fortalecimento da fidelidade às promessas que hoje renovamos, e de crescimento da nossa amizade com Cristo, como os frutos mais excelentes deste Ano Sacerdotal.
Manuel Quintas, Bispo do Algarve