Homilia do Bispo de Coimbra na Missa Crismal

Meus irmãos,

Queridos Padres,

Aplicando a si mesmo a profecia do Livro de Isaías, Jesus definiu-se na Sinagoga de Nazaré como o Servidor de Deus que o Espírito Santo do Senhor ungiu com o óleo santo para anunciar a boa nova aos pobres.

E o texto do Profeta, que Jesus proclamou, aplica a outros, à “linguagem que o Senhor abençoou”, a mesma honra que o Mestre tomou para Si: “sereis chamados sacerdotes do Senhor, enviados a consolar todos os aflitos porque perfumados com o óleo da alegria”.

Caros padres, somos enviados ao mundo marcados com o “óleo da alegria”.

O óleo, extraído da palmeira ou da oliveira, foi ao longo de milénios que a Bíblia documenta, o suporte natural do perfume. E porquê “óleo da alegria”? Justamente porque quem é perfumado deverá sê-lo não para sua vaidade, mas para alegria dos outros.

E mais não é necessário, irmãos todos, para que façamos agora breve reflexão sobre o padre como homem consagrado para anunciar o Evangelho com o testemunho das suas convicções e da sua alegria.

De certo todos acertais em que a escolha desta minha reflexão partiu de circunstâncias que actualmente nos envolvem, acentuando rugas e nódoas que chamamos “escândalo”. Irmãos de todos aqueles que, por imposição das mãos no sacramento da Ordem, se tornaram participantes do Sacerdócio de Cristo, amargura-nos o que lemos, e imaginamos a tristeza do Povo de Deus, ferido pelas notícias que se repetem.

Talvez por isso a Palavra de Deus seja agora oportuníssima: “sereis chamados Sacerdotes do Senhor, enviados a curar, com o óleo da alegria, os corações atribulados.”

Para que tal aconteça, irmãos sacerdotes, “curar, com o óleo da alegria, os corações atribulados”, importa, antes de mais, que nenhum esmoreça na sua convicção de ser o que é: ser padre, e sê-lo de cabeça erguida.

Esta nossa assumida persuasão não resulta de dotes pessoais, títulos conquistados, em tão pouco de união de sentimentos. Assenta na humildade e agradecida certeza de que foi o Senhor Jesus que para tal nos escolheu: “O Senhor me ungiu e me enviou”, Ele que “fez de nós sua Igreja, um reino de Sacerdotes para Deus, seu Pai,” proclama S. João.

Chamei-lhe certeza humildade, porque bem sabemos como somos frágeis. Pesa-nos a fraqueza dos irmãos que caíram; confessamo-la, dela pedimos perdão e por eles rezamos. Afinal, todos nós somos débeis; se eles se mancharam na baixeza de actos, escandalosos para quem os padeceu, quem de nós poderá negar as suas falhas em outros campos: porventura o abandono da oração, a rudeza no trato, o descuido na preparação do ensino?

A humildade a que agora somos convidados, leva-nos também a uma atitude de procura. Temos de acertar com os gestos que, nos tempos que correm, realizam a tarefa de curar os corações atribulados, proclamar a liberdade aos prisioneiros na consciência, entoar cânticos de louvor aos espíritos abatidos.

Não será com palavras bem escolhidas, programas excelentemente urdidos, nem com o primor da organização paroquial que o padre surgirá como um “servidor marcado com o óleo da alegria”. Tudo isso é necessário, mesmo indispensável: o estudo e a leitura, a programação reflectida e a organização inteligente, mas é pelos gestos sinceros de amor cristão que o padre revela e comunica a alegria que lhe vem de Deus. Gestos como a visita a um doente, o acolhimento sem pressas de um angustiado, o acompanhamento paciente de um casal, o sorriso aberto e franco para uma criança são hoje, de novo, momentos em que os nossos fiéis testemunharão a alegria de quem recebeu o Espírito do Senhor para anunciar o amor de Deus, que é boa novidade também para os nossos tempos.

Fazemos esta nossa reflexão em Ano Sacerdotal. Mais do que as minhas palavras, ganha particular significado esta assembleia do Presbitério de Coimbra, presidida pelo seu Bispo, em torno do Altar onde celebramos a Eucaristia e unida na bênção dos óleos santos. Como quem se contempla num espelho, assim agora nos olhamos e vemos o que somos: “Uma só família (assim diz o Concílio), em que vós, presbíteros, como cooperadores necessários, esclarecidos e providentes, exerceis comigo o sacerdócio único de Cristo. Praza a Deus que nos saibamos ajudar para o cumprimento desta missão apaixonante. Ela cumpre de verdade o propósito anunciado por Jesus na sinagoga: aos famintos de verdade e de vida repartimos no altar o Pão de Deus; aos que nascem, aos que crescem, aos que enfermam, ministramos a força divina que os santos óleos transportam, óleos que vamos benzer e consagrar e hão-de passar ao longo do ano pelas vossas mãos como a água corre pelas fontes.

Estimados seminaristas:

Esperamos por vós. A Igreja de Coimbra há-de alegrar-se quando assistir à vossa progressiva entrada para este colégio de irmãos tomados pela paixão que é servir Jesus Cristo, a Testemunha fiel, o Príncipe dos Reis da Terra. Se somos frágeis,  e se notícias intencionalmente repetidas vos falam de padres que em diversos lugares traíram a sua missão, não tenhais medo. Quem é fiel à oração recebe o Espírito da Fortaleza. E todos nós acreditamos, sim, irmãos todos que me escutais todos nós acreditamos que quando Deus permite que a Igreja seja crucificada, como agora acontece, por causa dos seus pecados, é porque o Senhor a quer purificada, como fez a Israel no exílio, para ressuscitar em primavera de esperança.

Queridos padres:

Estas e outras reflexões sobre a nossa vida havemos de as prolongar na Assembleia que temos marcada para o dia 6 de Maio, assembleia de que havemos de sair todos mais empenhados numa pastoral inteligente e persuasiva de vocações para o sacerdócio.

Estes pensamentos, acompanhados de oração, estarão muito presentes nas intenções e no coração do grupo que, de 26 a 30 de Abril, se deslocará a Ars, grupo composto por 25 sacerdotes que, em nome do Presbitério de Coimbra, irão peregrinar à terra onde nos deixou maravilhoso exemplo: o nosso santo irmão João Maria Vianey.

São iniciativas com que assinalamos o presente Ano Sacerdotal e que hão-de deixar-nos motivações para o ano pastoral seguinte.

Falo assim porque sei que continuarei convosco uma boa parte dele. Efectivamente, conheceis que completei recentemente 75 anos de idade. Grato a Deus que mos concedeu, escrevi ao Santo Padre, fiel à actual norma da Igreja, expondo o meu empenho em preparar condignamente a entrada do sucessor dos Apóstolos enviado para novo Pastor de Coimbra. Foi-me respondido que assim irá acontecer, presumivelmente dentro de um ano.

Cabe-nos, pois, dar pleno sentido ao diálogo que de seguida vamos estabelecer, pelo qual novamente nos comprometemos, eu e vós, a trabalhar na vinha do Senhor, como servidores que Ele escolheu e marcou com o óleo da alegria.

Que Ele abençoe o nosso trabalho, derramando sobre nós o seu Espírito.

Sé Catedral de Coimbra, 1 de Abril de 2010

+ Albino Mamede Cleto, Bispo de Coimbra

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