“Enviados a proclamar a Graça do Senhor”
- 1. Renovar o dom do sacerdócio
Caros presbíteros, ungidos para proclamar a graça libertadora do Senhor; caros diáconos ordenados para dar testemunho de Cristo, servo de Deus e dos homens; estimados religiosos/as e consagradas que destes prioridade ao reino de Deus; estimados seminaristas que vos preparais para proclamar ao mundo a boa nova de Jesus; caros fiéis leigos que acreditais na santidade da Igreja e apoiais, com a vossa oração e a vossa estima, a missão dos sacerdotes e a promoção de vocações:
A renovação das promessas sacerdotais, na Missa crismal de Quinta-feira Santa, convida-nos a renovar a decisão de nos entregarmos ao serviço da Igreja. Reavivamos assim o dom do Espírito Santo recebido no sacramento da Ordem e somos fortalecidos para proclamar o ano da graça do Senhor.
O sacerdócio é um dom destinado a renovar-se, a crescer, a desabrochar plenamente e a dar fruto cada vez mais abundante. Pede a cada ordenado uma procura incessante e uma entrega total que inicia na ordenação e progride continuamente em ordem à conformidade sempre mais plena com Cristo, tanto nos exemplos de mansidão, humildade e paciência que nos deu durante a sua vida, como na morte para o pecado e na afirmação da vida nova do mistério pascal do Senhor. “Queira Deus consumar o bem que em ti começou”, suplica o bispo no momento da ordenação. É o desígnio de Deus e a meta que todos os dias nos devemos propor: permitir que a luz de Cristo penetre cada vez mais profundamente em nós e nos transforme de modo que a Sua imagem transpareça mais claramente no nosso rosto, na nossa forma de viver e irradie à nossa volta: “Brilhe a vossa luz”.
Desenvolver o dom recebido no sacramento da Ordem é também alcançar uma formação que nos coloque à altura de responder aos desafios da cultura actual e nos capacite para evangelizar o mundo difícil para a fé. Eis um programa oportuno para guardarmos como fruto do Ano Sacerdotal. Esse foi realmente o objectivo que o Papa Bento XVI nos propôs: “Fomentar a renovação interior de todos os sacerdotes em ordem a um testemunho mais evangélico, mais vigoroso e mais incisivo”. A verdadeira renovação é sempre global, cuida das várias dimensões do ministério. O padre é um homem de Deus, por isso deve progredir na vida espiritual, na intimidade com Deus, alimentada pela leitura meditada da Palavra de Deus, pela atenção à liturgia das horas, pela celebração piedosa e frutuosa dos sacramentos; é um representante da Igreja, atento portanto à integração mais responsável e à colaboração mais empenhada na acção de conjunto da comunidade diocesana e da sua equipa local; como pastor do povo de Deus, precisa de aperfeiçoar a relação acolhedora, paciente e afável com as pessoas; como pregador de uma boa nova, de uma mensagem sempre actual, é desafiado a renovar continuamente a formação intelectual de modo a dialogar com a cultura agnóstica e dar razões credíveis da fé perante o mundo. Sem formação permanente, numa sociedade em profunda mudança, caímos numa frustração permanente.
- 2. Grandeza e humildade dos sacerdotes
“Como é grande o padre”, dizia São João Maria, o Cura d’Ars. Impressiona a consciência da grandeza do sacerdócio experimentada pelo nosso patrono e comove-nos também a convicção da sua humildade: “Creio que o bom Deus não encontrou ninguém mais frágil do que eu para pôr em meu lugar e fazer o bem. Normalmente ele serve-se do que há de menor para realizar o maior bem pois é Ele quem faz tudo”. Levamos o tesouro de Deus em vasos de barro como afirmava São Paulo e confessava o Cura d’ Ars. Por isso, a par da grandeza do sacerdócio, devemos experimentar e testemunhar uma verdadeira humildade. Somos apenas servos humildes, fazemos o que a igreja nos pede, comunicamos os dons que Deus nos confia, como simples instrumentos da graça que nos supera.
Os tempos actuais desafiam-nos a exercer o sacerdócio com humildade e fortaleza, sem perder de vista a grandeza do ministério. Vivemos momentos conturbados e agressivos em relação ao clero. Devido a alguns escândalos lamentáveis cria-se um ambiente de suspeita e de acusação que pesa sobre todos. Embora os acusados sejam raras excepções que não desfazem a dignidade do sacerdócio, todos carregamos com o pecado da Igreja e da sociedade, como Cristo carrega com os pecados do mundo. Em vez da atitude de acusadores que fazem do pecado alheio um espectáculo mórbido, o evangelho convida-nos à penitência e à conversão e a dar o nosso contributo para o serviço da verdade, da justiça e da cura. A Igreja aposta na verdade pois só a verdade nos torna livres e nos ajuda a praticar a justiça.
“Aquele que nos ama e pelo seu sangue nos libertou do pecado fez de nós um reino de sacerdotes para Deus seu Pai” (2ª leitura). Nenhum de nós pode vencer o poder do mal e da culpa (cf SS 36). Cristo é a única esperança de cura para o mundo. Ele veio salvar o que estava perdido. A sua cruz, expressão do seu amor, pode vencer a força do pecado: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. O seu poder foi comunicado à Igreja nossa Mãe enviada ao mundo a curar as feridas, a chamar à conversão, a levantar os caídos e a iluminar o caminho para a vida.
Os nossos pecados não destroem a beleza da Igreja porque nela habita e actua a força santificadora do Espírito Santo. A generalidade dos nossos sacerdotes, religiosos e leigos empenhados, esforçam-se por viver santamente, sacrificam-se por servir o evangelho e colaborar na construção de um mundo mais digno e mais humano. Uma ou outra excepção confirma a regra. Neste dia do sacerdócio, quero declarar o meu apreço e admiração por todos vós, queridos padres, o meu reconhecimento e apoio pelo vosso serviço zeloso e sacrificado e encorajar-vos na renovação da vossa entrega à missão da Igreja. Não nos deixemos abater. “O Espírito do Senhor envia-nos a proclamar cânticos de louvor em vez de um espírito abatido” (1ª leitura). Cultivemos o dom da fortaleza para realizarmos com coragem e fidelidade o trabalho que o Senhor nos encomendou. Lembremos também aqueles que o Senhor chamou ao longo do ano para a Sua morada eterna (Padres António de Jesus Escudeiro; António José dos Santos; António Mendes Rocha; Carlos Mamede; Joaquim Pinto Brito) e os que, por doença ou outro motivo, não puderam estar presentes. Os nossos parabéns e votos de fecundo apostolado aos sacerdotes que celebram aniversários de ordenação: 75 anos, P. Vitorino Nunes do Carmo; 50 anos, P. António Marques Garcia; 25 anos, P. Vítor Manuel Tavares Dias
Encontramos muito pessimismo no mundo actual. A nossa missão é proclamar o ano da graça do Senhor, a oferta do perdão e da cura, o caminho da liberdade e da justiça que leva à paz e ao amor. A semente do bem cresce com o poder da ressurreição do Senhor e com a força do Espírito. “Crescem nas asperezas do caminho pequenas flores brancas de esperança; não podem os espinhos afogá-las pois foi o amor quem as chamou à vida”(hino litúrgico). O mundo precisa e espera boas novas que despertem esperança. Como os presentes na sinagoga de Nazaré tinham os olhos fixos em Jesus, também hoje muita gente procura uma riqueza maior que a dos valores materiais, uma luz clara que vença as trevas que nos envolvem, a libertação das muitas dependências da sociedade de consumo e de fachada exterior. O Espírito do Senhor nos dê a alegria de levar ao mundo a boa nova que liberta e transforma. Amen
Santarém 1 de Abril de 2010
+ Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém