Procissão das Tochas Floridas no Algarve

São Brás de Alportel

Nos séculos XV-XVI, a procissão da Ressurreição era teatralizada. A cerimónia do ”encontro” de Maria com Cristo era o momento mais alto da procissão. Cantavam-se as “alegrias” de Maria e de “Cristo Triunfante”. Era a Procissão do Triunfo ou Real.

O Concílio de Trento (1545-1563) proíbe esta representação ao vivo nas procissões, devido à “falta de decência” e ao “burlesco” de algumas encenações. Surgem as procissões com o Santíssimo Sacramento no dia de Páscoa e Corpo de Deus. Porém, não foi fácil a mudança.

Nos séculos XVII e XVIII, abadias e catedrais, a pouco e pouco, realizam a mesma procissão mas com as figuras bíblicas em andores. O Santíssimo Sacramento ia no fim da procissão alumiado por tochas acesas.

No Algarve, em 1674, D. Francisco Barreto, em 1674, nas Constituiçoens Synodais do Bispado do Algarve, decreta a procissão pascal com o Santíssimo Sacramento.

Em São Brás de Alportel, D. José de Santa Susana, em 9 de Maio de 1731, autorizou a procissão com o Santíssimo Sacramento, na festa do Corpo de Deus. A procissão pascal foi implantada depois desta data. Era exigido «clérigos bastantes» e «cópia de confrarias» com tochas acesas para a organização da procissão.

No século XIX, no Algarve, a procissão, no dia de Páscoa, com o Santíssimo Sacramento «está tão espalhada que poucas ou nenhumas freguesias a não fazem. Nalguns lugares ela tem foros de grande acontecimento. As ruas são juncadas, nas casas põem-se colgaduras e até as próprias velas das crianças e dos fiéis são floridas. É a procissão das flores, como nalguns lugares lhe chamam».(1)

Em São Brás de Alportel, nos finais do século XIX, realizava-se uma procissão grandiosa. As colunas da igreja tinham damascos ou veludos encarnados. As portas e janelas eram ornamentadas e as ruas atapetadas com ”erva de cheiro” e flores. Havia arcos triunfais floridos.

Os homens empunhavam as suas tochas (velas) floridas. À falta de cera, pintavam paus que decoravam com flores dos alegretes. As confrarias incorporavam-se. Os clérigos iam no meio das alas a cantar os hinos e antífonas pascais e o povo respondia: Aleluia, aleluia, aleluia.

São Brás de Alportel, em 1910, era uma paróquia muito cristã. Com a implantação da República tudo se alterou. As confrarias quase se extinguiram. Em 1912, ainda saiu a procissão.

O furor anticlerical desmotivou as pessoas. Em 1920 saiu de novo a procissão da Ressurreição: «única em todo o Portugal. Incorporam-se nela dezenas de rapazes, que empunhando suas velas enfeitadas com lindas flores, entoam em alta grita, o “ressuscitou como disse, aleluia, aleluia”. Isto só em São Brás e a alegria que em todos se nota e a satisfação que em todos os rostos se lê, é como que a compensação da tristeza profunda dos dois dias anteriores».(2)

Nas décadas de quarenta e cinquenta, do século passado, os homens de São Brás de Alportel voltaram às procissões. O tradicional canto das antífonas, em latim, desapareceu com a falta de clérigos. Presentemente, a procissão é um mar de gente com as suas tochas floridas a cantar com voz forte o aleluia da ressurreição. A procissão inicia a sua caminhada e, na falta de cantores, um homem levanta a voz e proclama esta antífona pascal: Ressuscitou como disse! E o povo responde cantando: Aleluia, aleluia, aleluia! Imediatamente outro cantor entoa a antífona e todos respondem empunhando bem alto e com orgulho a sua tocha florida. É um coro de vozes aqui e ali ao longo de toda a procissão. As vozes sobrepõem-se umas às outras. As gargantas ficam ressequidas com a gritaria. Novos e velhos levantam o canto e todos repetem aleluia. É uma festa dentro dos corações desta gente. É um ambiente único, cheio de cor, de alegria e de fé popular. A raiz religiosa está dentro do coração destes homens, alguns vindos de longe, e neste dia todos cantam aleluia. Unidos por uma força atávica, crentes e não crentes, (a maioria dos homens não frequenta a igreja), porém, irmanados pelo mesmo sentimento religioso, todos cantam até à exaustão o aleluia em honra de Cristo Ressuscitado. As ruas são engalanadas e têm um tapete florido ao longo da procissão.

Pe. José Duarte da Cunha

Notas

1 – Azevedo, 1960, p. 89

2 – Folha do Domingo, n.º 290, de 25. 04.1920

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