Catequese do Cardeal-Patriarca no Domingo de Ramos

“Oferecer com Cristo Sacerdote é sempre celebrar a Páscoa”

A Igreja vive da Páscoa

1. Com a entrada messiânica em Jerusalém, Jesus deu início à sua “Semana Maior”, durante a qual celebraria a Páscoa judaica. Esta era a memória da grande “passagem” do Povo judeu, oprimido no Egipto, da escravatura para a liberdade. Porque esta passagem é algo que tem de acontecer em todas as gerações, deixar o Egipto da escravidão e seguir o Senhor na caminhada para a liberdade, Deus mandou-lhe fazer memória daquele dia memorável, o primeiro dia do novo Israel: “Esse dia será para vós uma data memorável, que haveis de celebrar com uma festa em honra do Senhor. Festejá-la-eis de geração em geração, como instituição perpétua” (Ex. 12,14). Foi por isso que também naquele ano, no primeiro dia dos ázimos, exactamente o início da semana memorável, os discípulos perguntam a Jesus: onde queres que te preparemos a refeição pascal? (cf. Mt. 26,17).

Mas aquela ia ser uma Páscoa diferente. A nova semana memorável, chamamos-lhe “Semana Santa”, é a que começa com a entrada messiânica de Jesus em Jerusalém e termina na manhã da ressurreição. A Páscoa de Jesus não é desligada da Páscoa judaica; esta era o seu anúncio. Mas agora tratava-se de fazer a passagem definitiva de toda a humanidade, da escravidão do pecado para a liberdade dos filhos de Deus. O Cordeiro Imolado é o próprio Jesus; a “Terra Prometida” é a pátria definitiva, a Jerusalém Celeste; o povo que caminha para a liberdade deseja Deus que seja a humanidade inteira. Os que seguiram Cristo, na fé, são o novo Povo, a Igreja, que enceta a peregrinação definitiva da humanidade. A Páscoa de Jesus é a nova Páscoa, não é só do Povo de Israel, mas de toda a Igreja, o novo Israel e a sua força arrasta para a grande caminhada toda a humanidade.

2. A celebração da Páscoa envolve toda a nossa vida de povo crente. Celebramos sempre a Páscoa: quando evocamos os principais passos da vida terrena de Jesus; quando honramos a sua Santíssima Mãe, a Virgem Maria; quando honramos os Santos que consideramos modelos e estímulos de fidelidade; quando intercedemos pelos mortos, pedindo a Deus que os conduza à luz eterna.

Mesmo quando não celebramos a Eucaristia e nos reunimos para celebrar outros sacramentos, para escutar e rezar a Palavra de Deus, para abençoar, em nome de Deus, as pessoas, os acontecimentos e as instituições, é sempre a Páscoa que celebramos. Desde que somos capazes de celebrar a Páscoa, ela tornou-se a fonte de graça e de luz para a nossa caminhada cristã, a caminho da Páscoa eterna. E é em todas essas circunstâncias, sempre que, como membros do Povo Sacerdotal, imploramos, oferecemos, louvamos, fazemo-lo tendo como nosso mediador com o Pai, Cristo nosso Pontífice e nosso Pastor. Sempre que nos dirigimos a Deus através da sua mediação sacerdotal, celebramos a Páscoa, pois foi nessa celebração que Ele se consagrou Sacerdote para sempre.

“Cristo, nossa Páscoa, foi imolado”

3. Esta frase encerra todo o mistério desta nova Páscoa. Cristo foi imolado, mas a Páscoa, a passagem, é de todos nós. A pergunta dos discípulos mostra a sua intenção de celebrarem a Páscoa judaica, Jesus com o seu grupo. Mesmo tendo acontecido o que aconteceu, a morte de Jesus, novo Cordeiro Pascal, se aquela Páscoa fosse apenas um acto de generosidade de Jesus Cristo, oferecendo-Se por nós, comoveria alguns, mas não significaria a grande passagem da humanidade. Jesus quis que a Sua Páscoa fosse a nossa Páscoa, porque já, ao fazer-se Homem no seio de Maria, Ele uniu a Si toda a humanidade. Ao fazer a grande passagem, pela sua morte e ressurreição, quer fazê-la ao mesmo tempo que toda a humanidade, reunida na sua humanidade. Porque é o Filho de Deus feito Homem, a sua Páscoa tem de ser a nossa Páscoa. Pode reunir em Si todos os homens seus irmãos e fazê-los protagonistas do seu gesto. Foi no seio virginal de Maria que a nossa Páscoa começou. Quando Deus se fez Homem arrastou toda a humanidade para um gesto radical de mudança, de passagem, que só pode ser feita com Ele, seguindo-O, unindo-nos a Ele na fé. Só podemos celebrar a Páscoa com verdade, se assumirmos que somos protagonistas desse gesto que mudou o destino da humanidade. Maria é, e sempre será, a primeira protagonista da Páscoa de Jesus, que é a Páscoa da Igreja e anuncia a Páscoa de toda a humanidade.

4. No texto do Evangelho que referimos (Mt. 26,17-19), há uma diferença de perspectiva entre a pergunta dos discípulos e a resposta de Jesus. À pergunta dos discípulos, Jesus responde: “Ide à cidade, a casa de um tal, e dizei-lhe: o Mestre manda dizer-te: o meu tempo está próximo, é em tua casa que vou celebrar a Páscoa com os meus discípulos”.

Jesus sente a plenitude do tempo, e que aquela Páscoa é a Páscoa definitiva. Aqueles discípulos são o gérmen do novo Povo e têm de ser protagonistas dessa nova Páscoa. Se isso não acontecesse, aquela Páscoa não seria nova, mas apenas a Páscoa ritual dos judeus, a memória da saída do Egipto. O novo Povo de Deus que vai nascer, ali já anunciado naqueles discípulos, será protagonista da celebração da Páscoa, será um Povo Sacerdotal que poderá oferecer o seu Cordeiro Pascal e se poderá oferecer com Ele, o Pontífice que presidirá sempre à Páscoa da Redenção, isto é, da grande mudança.

“Fazei isto em Minha memória” (Lc. 22,19)

5. Esta é a primeira grande novidade da Páscoa de Jesus: ela já não é a “memória” da saída do Egipto, mas é o novo acontecimento salvífico de que é preciso fazer memória. Só pode celebrar a Páscoa quem der actualidade à Páscoa de Cristo, que é a nossa Páscoa, porque Ele nos uniu a Si, somos um com Ele.

O sacrifício cruento de Cristo, a sua morte violenta que é dom radical da sua vida, é irrepetível, aconteceu uma só vez. Os discípulos e Maria, que representam toda a humanidade, estão associados à morte de Cristo, mas a profundidade dessa associação escapa-lhes. Cristo oferece-Se por eles e Ele quis que eles O oferecessem para a redenção do mundo. Desta capacidade de O oferecer, só Maria está consciente. Sem esta associação à nova humanidade resgatada, a morte de Cristo seria acto isolado, que se diluiria na memória histórica como mais uma morte inocente, generosa e corajosamente aceite.

Para que a Páscoa de Cristo se torne Páscoa da Igreja, o drama do Calvário tem de poder ser vivido, tornado presente, na linguagem simbólica de um sacramento. O Pão que se transforma no Corpo de Cristo sacrificado e o Vinho que se torna o Sangue da nova e definitiva Aliança, são o modo próprio de a Igreja dar, em todos os tempos, actualidade àquele sacrifício redentor, que muda radicalmente o sentido e o destino da humanidade. Este é o sentido das Palavras de Cristo: “Fazei isto em memória de Mim”. Este “fazer memória” é mais do que recordar, não esquecer; é tornar actual a oferta de Cristo ao Pai para a redenção da humanidade. A Eucaristia é a Páscoa da Igreja.

Na Eucaristia oferece-se a nova dimensão do Corpo de Cristo

6. Quando o Filho de Deus, segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Se fez homem no seio de Maria, uniu a Si toda a humanidade. Mas esta unidade de toda a humanidade, em Cristo, só se tornará plena e explícita nos “novos céus e nova terra”. Mas ela torna-se explícita naqueles que, pela fé e pelo baptismo, se uniram a Cristo; eles são a Igreja, que é o “Corpo de Cristo”. É esse Corpo de Cristo, o novo Povo Sacerdotal, que actualiza, em cada momento da história, o sacrifício pascal, sob a forma sacramental da Eucaristia. Esta é a Páscoa da Igreja; é por isso que só o povo dos baptizados pode celebrar a Eucaristia. Na Páscoa da Igreja, Cristo Sumo Sacerdote, que se torna presente através do sacerdócio apostólico, oferece-Se pela redenção do mundo e com Ele, a Igreja, Povo Sacerdotal, oferece e oferece-se. É por isso que ela é sacramento de salvação para toda a humanidade.

O que é que o Povo Sacerdotal oferece nessa Páscoa da Igreja? Oferece Jesus Cristo e o dom da sua vida. Só o Filho pode glorificar o Pai. Mas oferece-se a si mesmo, na sua renovação de santidade, sob a acção do Espírito Santo. Toda a vida dos cristãos se torna, então, “hóstia espiritual”, no dizer da Carta de São Pedro. Ao oferecer o sofrimento, actualiza a Paixão de Cristo: “eu completo na minha carne o que falta às provações de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja” (Col. 1,24). Se oferece as alegrias, exprime a sua participação na ressurreição do Senhor. Assim a Igreja anuncia, ao oferecer a sua vida na Eucaristia, algo de essencial para a salvação: só se capta o sentido do sofrimento, quando se oferece. Paulo encontra a alegria no próprio sofrimento oferecido: “Neste momento encontro a minha alegria nos sofrimentos que suporto por vós” (Col. 1,24).

Na Eucaristia, a Igreja oferece o sacrifício de Cristo e a sua própria vida pela redenção dos homens. A Páscoa tem sempre o mesmo sentido: ser fermento da salvação da humanidade. Presente no mundo, a Igreja sente e sofre uma humanidade que precisa de rednção. Na Eucaristia acredita que só Cristo é o Redentor. A Eucaristia é missão.

Em cada Eucaristia, a Igreja reaviva o desejo da Páscoa eterna e sente-se peregrina do Reino dos Céus. Cristo glorioso, seu sacerdote e seu Pastor, hoje glorioso à direita do Pai, está a atraí-la para essa etapa definitiva, ajudando-a a transformar a sua fé em esperança viva e em caridade ardente.

Onde queres que celebremos a Páscoa?

7. Nós, os cristãos, somos os novos discípulos de Jesus. Se Lhe perguntarmos, como os primeiros discípulos: onde queres que celebremos a Páscoa este ano, Jesus responder-nos-á: na Igreja! Participai plenamente, com verdade, na Eucaristia que é a Páscoa da Igreja. Celebrai-a comigo. Oferecei a vossa vida para a redenção do mundo; sede sacerdotes comigo, para glória da Santíssima Trindade. Celebrai-a no amor, senti o sofrimento dos vossos irmãos e ajudai-os a atravessar o deserto e o mar revolto das injustiças e dos egoísmos de que são vítimas. A Páscoa tem de ser o triunfo da caridade. Fazei a passagem, deixai que o Espírito Santo mude o vosso coração, porque essa nossa passagem abrirá um sulco de esperança para tantos homens e mulheres que ainda estão no Egipto da escravidão. O mundo continua a precisar que a Páscoa da Igreja seja um grito de libertação.

Sé Patriarcal, 28 de Março de 2010

JOSÉ, Cardeal-Patriarca

 

 

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