Conviver com a morte

Simpósio sobre o acompanhamento de doentes em fim de vida reuniu mais de 800 pessoas

Quando um doente se aproxima dos últimos dias, a esperança na cura não deve dar lugar à angústia perante a iminência do fim mas a uma proximidade que através da escuta, dos gestos e dos afectos contribua para suscitar conforto e confiança.

Esta é uma das principais convicções resultantes do simpósio “Con(viver) com a morte”, que decorreu a 18 e 19 de Março, em Coimbra.

A realização do encontro e o elevado número de inscritos – mais de 800 – são reveladores das lacunas no acompanhamento dos doentes que se aproximam do termo da sua vida.

“Contactamos com a morte todos os dias e a todas as horas” mas “vemos que as pessoas não estão preparadas para lidar com esta realidade”, constata o Pe. José António Pais, coordenador dos capelães dos hospitais da diocese de Coimbra,

O sacerdote considera que o mais importante na sua tarefa é “saber fazer-se igual em tudo, no sofrimento mas também na alegria”.

“Já me aconteceu muitas vezes sair do quarto de alguém que está no fim da vida para ir chorar, encontrar um enfermeiro ou enfermeira e ficarmos os dois a chorar no ombro um do outro. Vivenciamos todos as mesmas situações”, revelou à ECCLESIA.

Formação dos profissionais precisa de ter «vertente humana»

A experiência do Pe. José António Pais enquanto capelão dos Hospitais Universitários de Coimbra leva-o a garantir que a dimensão espiritual está sempre presente aquando da iminência da morte, mesmo para os ateus.

O sacerdote espera que o simpósido tenha sido uma “chamada de atenção” para as escolas de saúde e de serviço social, que têm uma formação “muito boa mas que ainda não é completa”.

O capelão entende que “falta a vertente humana” à leccionação nas universidades e que é preciso apresentar mais conteúdos sobre a morte, o luto e a ética, disciplina que qualifica de “muito importante, e cada vez mais hoje em dia”.

Daniel Serrão, um dos conferencistas, também defende que os profissionais de saúde, assistentes sociais, psicólogos e voluntários têm de começar a ser preparados para o acompanhamento “que as pessoas merecem e a que têm direito”

Preparar o fim

“Costumo dizer que cada um vai ter a morte que mereceu em relação à vida que teve”, isto é, a vida prepara a morte”, assinalou Daniel Serrão.

O autor do livro “Viver, envelhecer e morrer com dignidade” classifica de “má prática clínica” as tentativas de tratar uma doença que não tem saída possível: “Tenho sempre recomendado que, com cuidado, prudência e sabedoria, se dêem os elementos necessários para que a própria pessoa reconheça que já não vai ter cura”.

A partir do momento em que assume o prognóstico, assiste-se frequentemente a uma mudança completa, “às vezes para muitíssimo melhor”, assegura o investigador.

Por isso, a pior coisa que se pode fazer a alguém que sabe que vai morrer é suscitar a esperança de que a doença tem cura, considera o especialista em anatomia patológica.

Diante de um doente que se confronta com a morte, os profissionais de saúde devem “saber ouvir, saber respeitar os silêncios, saber respeitar as narrativas”, aconselha Daniel Serrão.

“Há pessoas, diz, que querem contar a sua vida antes de morrer e precisam de quem as escute com paciência, e serenidade.”

Cooperação ecuménica

A capelania dos Hospitais Universitários de Coimbra conta actualmente com dois padres, uma consagrada e oito pastores evangélicos, que procuram atender as necessidades de aproximadamente 1500 doentes e 5000 profissionais de saúde.

No entender do Pe. José António Pais, a presença constante de assistentes espirituais e religiosos no hospital “é muito importante”, pelo que foi elaborada uma escala para as 24 horas do dia.

Mais do que as convicções teológicas de cada ministro, “o que conta aqui é o doente como pessoa, que pode ou não ser religiosa”, observa o Pastor Heitor Gomes. 

Por seu lado, o Pastor Rúben Martins destaca a importância que a “perspectiva da eternidade” pode oferecer aos doentes, considerando igualmente que “quanto mais falamos da morte, mais devemos valorizar a vida que temos”.

O Pastor Marcos Amazonas recorre a uma imagem para realçar esta certeza: “Há um rabino judeu que diz que a morte ensina a viver. Por isso olho para a morte não como um fim mas como uma experiência de vida”.

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top