Este ano, as celebrações da Semana Santa em Alenquer iniciam-se logo na noite de Sexta Feira de Dores, 26 de Março, com a Via-Sacra, pelas 21:30, numa verdadeira caminhada de carácter penitencial a preparar a Semana Santa, saindo da Capela de A-dos-Carneiros para o Santuário dos Remédios — Azedia.
Na Sexta Feira Santa, 2 de Abril, pelas 21:30, vai ter lugar então um dos momentos altos da vivência da Semana Santa em terras de Alenquer com a Procissão do Santo Enterro do Senhor, manifestação de Fé única em todo o Concelho.
Esta imponente procissão leva pelas ruas o esquife do Senhor Morto e o andor de Nossa Senhora das Dores, saindo da casa de S. Jerónimo do Mato para a Igreja de Ribafria.
Esta procissão será solenizada de forma particular pela presença do Coro Solemnis. Fundado em 1997, o Coro Solemnis é constituído por elementos com larga experiência na arte do Canto Gregoriano e tem-se apresentado praticamente em todo o país. Proporcionará certamente, através do canto gregoriano, um momento de singular beleza, recolhimento e oração.
Uma tradição com mais de 5 séculos
No calendário litúrgico do ano cristão, o ciclo da Páscoa celebra o mistério central da Morte e Ressurreição de Cristo – o Mistério Pascal. Em Ribafria, a celebração da Semana Santa enquadra-se neste grande arco de tempo, integrando no seu programa actos religiosos de fé, devoção e tradição.
A Procissão de Enterro estabeleceu-se, em Portugal pela devoção dos fiéis nos fins do século XV e princípios do século XVI, mais propriamente de 1500 a 1510, trazida pelo Padre Paulo de Portalegre, aquando da sua peregrinação a Jerusalém, e começou a fazer-se no mosteiro beneditino de Vilar dos Frades arcebispado de Braga, onde se estendeu a todas as Catedrais de Portugal e paroquias.
Começou, pois esta procissão, a ser feita como Santíssimo Sacramento, da seguinte forma: uma das hóstias consagradas na Missa solene de Quinta-feira Santa e que, tendo sido exposta à adoração dos fiéis na tarde e noite desse dia e manha da Sexta-feira, era colocada num corporal ou numa patena própria e encerrada numa urna apropriada, e era conduzida processionalmente com um palio para o túmulo onde se conserva até à aurora do Domingo de Páscoa. Dai era levada em triunfo cantando-se as alegrias pascais. Esteve esta procissão muito difundida em Portugal e foi seguida durante muitos anos no Rito Romano.
Por volta de 1606, esta procissão viria a ser proibida sair fora das igrejas, o que fez surgir dois modos de a realizar: a procissão pelas ruas onde o Santíssimo Sacramento foi substituído pela imagem do Senhor Morto e a procissão no interior das igrejas que continuou a ser realizada com o Santíssimo. Em algumas paróquias continuou-se a realizar-se as duas, como ainda acontece hoje em Braga, após a celebração da adoração da Cruz realiza-se no interior da Se a procissão com o Santíssimo, conhecida por Procissão Theóforica, e à noite pelas ruas, realiza-se a procissão com a imagem do Senhor Morto, também em Faro e Albufeira era aos anos 50 eram realizadas as duas, a primeira organizada pela irmandade do Santíssimo e a segunda pela Irmandade da Misericórdia.
A Procissão com o Santíssimo, mesmo sendo proibida continuou a ser realizada em muitas paroquias devido a estar muito enraizada e por muitas não poderem adquirir as imagens para a sua realização. Parece que foi o caso da Paroquia de São Miguel de Palhacana, onde ainda há testemunhos que até aos anos 50/ 60, na Sextas-feiras Santas se realizava uma celebração com estas características, no interior da Igreja de Ribafria.
Em Ribafria, em Sexta-feira Santa, era tradicional armar no altar-mor um calvário com velas e flores, e colocava-se o Santíssimo Sacramento numa urna que era conduzida para o baptistério, depois um sacerdote subia ao púlpito para pregar o sermão da Paixão, e mostrava o sudário de Cristo e entrava o andor de Nossa Senhora, vestida de roxo, que era depois colocada no calvário. Ainda de referir, que era no final desta celebração que eram nomeados os festeiros da Festa de Ribafria.
Com a renovação da Liturgia da Semana Santa e com a falta de disponibilidade do clero dificultou a realização desta celebração.
Em 2003, procurou-se estudar e recuperar esta celebração, adaptando-se à realidade e liturgia actual, passou então a realizar-se uma procissão pelas ruas como sudário e com Nossa Senhora, rezando os passos da via-sacra, em varias paragens ao longo do percurso. E longo de cinco anos, esta procissão foi ganhado expressão.
No ano passado, foi possível a aquisição duma imagem do Senhor Morto. Esta imagem, que hoje se venera na Igreja Paroquial de S. Miguel, foi copiada a partir duma imagem de Cristo crucificado, do séc. XVI / XVII, que se encontrava guardada no convento de S. Francisco de Alenquer, e que ao longo esteve numa capela dos claustros. A imagem tem esta particularidade de ser uma cópia artística duma imagem do final do século XVI inícios do século XVII, época em que se deixou de realizar a procissão com o Santíssimo e se substituiu pela imagem do Senhor Morto.
No ano passado, com a aquisição da imagem e com um estudo e pesquisa para se compreender a origem e história da procissão do Enterro em Portugal, e de como esta se realizava e como ainda se realiza em muitas das localidades portuguesas, a procissão de Ribafria foi alvo de algumas alterações.
Rui Cantarilho