Apoiar as vítimas de vários tráficos

Durante um retiro para os meus votos perpétuos, marcaram-me estas Palavras: “O Espírito de Deus está sobre mim porque me enviou a levar a boa nova aos pobres, aos cegos o recobrar da vista, a liberdade aos oprimidos” (Lc 4, 18) e “Tudo o que fizerdes a um destes mais pequeninos foi a Mim” (MT25)

Senti que com estas Palavras o Senhor me movia a estar junto dos jovens, dos pobres. A partir daqui, a rua passou a ser um “lugar teológico” do encontro com Deus. Estar em adoração diante do sacrário (a minha oração preferida) e estar junto do adicto, da rapariga ou rapaz que se vende, do “sem abrigo” do estrangeiro, da vítima do tráfico ou do marginal, do recluso, do traficante ou do proxeneta passou a ser uma mesma coisa: “Jesus estava ali escondido”, tal como está escondido no pão, no vinho, na palavra, etc. Tornei-me “carmelita do asfalto”, “mística horizontal” embora muitas vezes tenha a tentação do Carmelo, de ser apenas “mística vertical”. A minha oração tornou-se “activa, oração no terreno”embora muitas vezes me tenha que “retirar” para no silêncio e na oração carregar as baterias do coração para continuar servindo Jesus nos outros.

Esta minha presença com gente marginalizada levou-me a contactar com gente adicta e com tudo o que fazem para conseguir a droga: prostituição, roubos, mortes, uso e abusos de menores, exploração de famílias e idosos; mulheres e homens que são “correios” de droga e não podem deixar de sê-lo quando querem; traficantes de coisas e de pessoas, mulheres que são enviadas para “trabalho” em bares nocturnos e que têm dificuldade em sair quando se cansam dessa vida; novos escravos de trabalho, trabalho precário, sem contrato de arrendamento e os que vão para Espanha trabalhar para as herdades, não são pagos, são mal tratados, explorados, são obrigados a fugir porque nãos os deixam sair; gente de leste explorada por gente de Leste, “passadores” que os trazem mas depois obrigam-nos a dar-lhe os salários, ficam-lhes com o dinheiro da renda, etc.

Com esta experiência aprendi que que Jesus Cristo tem razão quando diz: “Não julgueis e amai-vos”. Todas estas pessoas, que caem na marginalização, têm histórias de vida tão dramáticas que qualquer um de nós, nas mesmas circunstâncias, seria igual. Quase todos e todas estão marcados e marcadas por uma infância e adolescência infeliz. Na rua vejo que há potenciais a “verdadeiros místicos”. Todos têm um sentido agudo de procura do infinito e de sentido espiritual para a vida. Mas começaram em lugar errado e agora não conseguem sair.

Quanto mais tempo uma pessoa está metida nesses meandro do tráfico, da marginalização e “sem abrigo” mais dificuldade tem em sair. Perdeu toda a auto-estima, toda a dignidade de pessoa humana e já não luta, não tem vontade. “Perdido por um perdido por mil”.

Os voluntários que querem ajudar lutam com uma discrepância muito grande de puderes: que podemos nós oferecer? Um emprego precário, uma cama para os “sem abrigo”, um contacto com a família, alimentos, medicamentos, etc. Os “grandes”, os que os exploram tem somas avultadas de dinheiro para oferecer e propostas de trabalho “aliciante”. Os exploradores têm por trás uma rede de pessoas e identidades que os defendem. Nós temos Jesus Cristo, se tivermos Fé. Se não estamos sozinhas e pouco podemos fazer. Denunciar, avisar a polícia ou o SEF podem trazer riscos para nós que nem sempre podemos ou queremos correr.

O nosso trabalho não pode ser feito sozinho e de forma individual. Temos que ter por trás muitas pessoas e entidades a apoiar-nos: outros voluntários, a polícia, entidades de apoio à vítima, os “Cat”, entidades de solidariedade que podem ajudar em alimentos, medicamentos, roupas, habitação…

Desta experiência resultam conclusões muito claras. Que é melhor fazer que o rio não se polua do que despoluí-lo. Isto é, “é melhor prevenir que remediar”. Muita gente entre nesses negócios escuros porque a família, a educação e a Igreja falhou. Chegamos “tarde de mais” quando o sistema da corrupção já estava montado. A pobreza, a carência de muita ordem, e sobretudo a falta de “valores interiorizados” levam muita gente a explorar e a aceitar ser explorada. Mas as pessoas não nascem exploradoras ou exploradas. Não nascem na rua, nas cadeias, nas casas de alterne ou nas redes de exploração. Temos que combater as causas, “ir à raiz do mal” como dizia o fundador da minha congregação, Santo Henrique de Ossó

Que a Pastoral do “coitadinho” da vítima não serve de nada. A igreja, nós os cristãos, temos que pensar seriamente numa pastoral de marginalização. Como chegar com o anúncio do Evangelho a este mundo. Como podemos levar Cristo a tranficantes e traficados. No fundo é o que todos precisam!

A grande carência do ser humano é não saber Amar, não pôr em prática o mandamento de Jesus: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”.

Maria de Fátima S. Magalhães stj

À beira da estrada

Sou leiga adoradora da Comunidade de Coimbra e trabalho numa equipa de intervenção social para mulheres prostituídas. Vamos ao encontro delas, nas estradas onde são abordadas. Quando nos abeiramos de cada uma, ficam apreensivas, pegam de imediato no telemóvel, porque não sabem quem somos. Ao verem o nosso sorriso, logo muda a atitude. Percebem que não estamos ali para fazer mal. Lá dizemos que “somos uma equipa de rua”, damos dois beijinhos, perguntamos o nome, oferecemos café com leite e um pão…

O que achamos e o que sabemos que estas mulheres sentem quando nós nos aproximamos? – Que têm uma enorme capacidade de nos acolher, no seu espaço, no seu local onde se prostituem…

Estamos numa fase inicial do projecto, temos muitos receios. Sobretudo no que diz respeito a entrar nas casas/apartamentos de prostituição e nos bares de alterne. Não sabemos como fazer. Mas estes receios já os vivemos antes, quando iniciamos este trabalho mais intensificado de fazer giros de rua. Eram receios semelhantes, que foram “caindo” pela enorme capacidades das mulheres em nos acolher.

Muito importante: não irmos para julgar! É muito importante colocarmo-nos no lugar delas, com a sua historia de vida, a sua infância, a sua educação, o ambiente em que sempre viveu e não tentar que ela tenha a nossa perspectiva ….isso e impossível. Que ela faça aquilo que nós achamos que é o melhor para ela…este é um grande erro, que eu inicialmente fiz muitas vezes e que hoje tento corrigir.

Acima de tudo tenho aprendido muito com as Irmãs Adoradoras, que sem dúvida têm uma forma muito especial de “estar e cuidar” destas mulheres.

Mónica Subtil, Leiga Adoradora

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Agência ECCLESIA

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