A análise do problema e o papel dos agentes religiosos em debate no X Encontro de Animadores Sócio-pastorais das Migrações
É um problema que afecta sobretudo as mulheres, traficadas para fins sexuais. Mas é preciso “alargar o olhar”. Porque o tráfico de pessoas atinge homens e menores. E é afectado pelo factor religioso. Segundo informações recolhidas pelo Pe. Rui Pedro, há casos de aliciamentos de pessoas com argumentos religiosos que têm por fim o tráfico de mulheres e homens.
Presente no X Encontro de Formação de Animadores Sócio-pastorais das Migrações em representação da USG (União de Superiores Gerais, organismo do Vaticano que reúne as congregações religiosas masculinas), o Pe. Rui Pedro referiu-se a dados revelados pelo Relatório Global sobre o Tráfico de Pessoas onde se afirma a necessidade de rever a legislação de cada país, prevendo também os casos em que o tráfico acontece para fins religiosos.
“Há poucos dados”. Apenas vão surgindo denúncias de desaparecimento de familiares, não temporária, mas permanentemente. Para o Pe. Rui Pedro, o contexto religioso deve ter-se em conta na análise ao problema do tráfico de pessoas, sobretudo nos países onde “há cada vez mais a manipulação religiosa”.
Denúncias e acções da Igreja
Para D. Januário Torgal Ferreira, da Comissão Episcopal da Pastoral Social, o problema deveria ser discutido no âmbito do direito. “A nossa grande paixão deveria ser a justiça”, referiu. Intervindo na sessão de abertura do X Encontro de Formação de Animadores Sócio-pastorais das Migrações, afirmou a necessidade de lutar pela salvaguarda dos direitos humanos de todas as pessoas, sejam quais forem as suas opções.
Na análise ao problema do tráfico, D. Januário referiu a necessidade de não falar apenas de mulheres, também de homens; não falar apenas de sexo, também da exploração laboral. Sublinhou a certeza de que “a maior prostituição é daqueles que, em sectores do Estado, ganham dinheiro com o seu silêncio”. Desafiou também a Igreja Católica a ir além da defesa da cidadania e da salvaguarda dos direitos fundamentais, com projectos concretos de combate ao tráfico de seres humanos e de denuncia dos casos conhecidos. À semelhança do trabalho de leigos e sobretudo religiosas, desenvolvido em “zonas marginais e difíceis”, sendo por isso “muitas vezes desrespeitadas”.
Para D. Januário Torgal Ferreira, o problema do tráfico de pessoas é “miséria fabricada pelos homens, vítimas de um sistema capitalista, que vendem armas, diamantes e também mulheres”.
Caracterização do problema
No início dos trabalhos do X Encontro de Formação de Animadores Sócio-pastorais das Migrações, Stefano Volpicelli, da Organização Internacional das Migrações (OIM), caracterizou o problema do tráfico de pessoas como resultado de mudanças sociais que aconteceram sobretudo a partir dos anos 90. A queda do muro de Berlim, a globalização económica e a crescente presença dos meios de comunicação social foram factores determinantes para aumentar o número de migrantes. Não só os regulares, mas também os irregulares, vulneráveis a uma série de perigos e chantagens que muitas vezes terminam no tráfico.
Volpicelli afirmou como determinante o papel dos meios de comunicação social que, mesmo de forma passiva, incentivam as populações de países mais pobres a procurarem modelos de sucesso noutros pontos do globo. “Os habitantes dos países pobres fizeram-se espectadores da vida nos países ricos”, testemunhou. “Vi crianças do Norte de África todo o dia diante do computador a observarem a Europa”. O que faz nascer o desejo de chegar a esses ambientes, a qualquer preço e através de simples enganos que podem resultar na exploração da pessoa (pelo tráfico sexual, laboral ou de órgãos)
Para Stefano Volpicelli, qualquer tipo de tráfico humano inclui sempre coerção, engano e abuso de poder. As barreiras à livre circulação de migrantes e a procura de mão-de-obra barata são as principais causas do tráfico. Sobretudo esta última. Na Europa, referiu o perito da OIM, 12% do trabalho resulta da exploração laboral.
Para além destas causas , há factores nos países de origem de muitos traficados, relacionados com a pobreza e a discriminação, que facilitam o aliciamento por parte dos traficantes.
138 vítimas de tráfico em 2008 em Portugal
Em Portugal está a concluir-se o I Plano Nacional de luta contra o tráfico de seres humanos (2007-2010). Apesar disso, não são muitos os dados disponíveis. Quantificam-se as vítimas de tráfico conhecidas (138 em 2008), as acusações (57) e as queixas (190).
Dados recolhidos pelo Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), que permitem também traçar perfis de um tipo de tráfico: o que tem por fim a exploração sexual.
O desconhecimento do país de destino é frequente entre as mulheres traficadas, na sua maioria jovens entre os 19 e 32 anos (existem também menores). Sem qualquer tipo de documentação, são vigiadas e controladas de forma muito apertada. Chegam a Portugal por via terrestre vindas do Leste. As brasileiras e africanas chegam a uma outra capital europeia e depois são encaminhadas para Portugal, que não é só país de destino, também de trânsito de mulheres traficadas.
No X Encontro de Agentes Sócio-pastorais das migrações, a Irmã Júlia Bacelar, da Comissão de Apoio às Vítimas de Tráfico de Pessoas (CAVITP), disse que algumas destas características do tráfico de mulheres estão a mudar. Nomeadamente o maior conhecimento do que as espera nos países de destino. Apesar de sempre envolvidas em dívidas, a pressão para as pagar é menor. Por outro lado, os locais de exploração sexual estão normalizados, são de fácil identificação.
Segundo os dados do OTSH, a exploração laboral vitima mais pessoas do que a sexual. No caso são sobretudo homens os explorados por redes de trabalho ilegal, muitas vezes montadas nos países de origem dos trabalhadores explorados (como aconteceu em Portugal recentemente com os trabalhadores levados para Espanha).
X Encontro de Formação de Animadores
Os trabalhos do X Encontro de Formação de Animadores Sócio-pastorais das Migrações continuam, este sábado e Domingo, na procura de soluções que libertem as pessoas enredadas no tráfico e no alargamento da rede que as apoia (CAVIPT).
Dia 16
Libertar das “novas” formas de escravidão: um novo carisma na Igreja?
08.00 – Oração da manhã – USG
08.30 – Pequeno-almoço
09.00 – Sessão: O tráfico de pessoas na Sagrada Escritura e no Magistério da Igreja – USG: Pe. Rui Pedro
09.45 – Trabalho de grupos sobre os fundamentos espirituais e pastorais
10.45 – Pausa
11.15 – Sessão: Papel das estruturas religiosas (paróquias e congregações) no combate ao tráfico face ao Plano Nacional de Combate ao Trafico – CAVITP: Padre Manuel Barbosa, Presidente da CIRP
12.15 – Celebração da Palavra (contextualizada no tema) – Caritas Portuguesa
13.00 – Almoço
15.00 – Sessão: Acção de sensibilização junto das paróquias e prevenção do flagelo – OIM: Dr. Stefano Volpicelli
15.45 – Pausa
16.15 – Sessão: Acção concertada de lobbying na defesa dos direitos das vítimas – OIM: Dr. Stefano Volpicelli
17.00 – Pausa
17.30 – Trabalho de grupos: o tráfico em Portugal e a resposta da CAVITP – Ir. Maria Júlia Bacelar (Adoradora), Ir. Maria Helena Moderno (Bom Pastor), Ir. Cristina Duarte (Franciscana Concepcionista ao Serviço dos Pobres)
18.30 – Sessão com testemunhos de vida: Acção de promoção humana e acompanhamento espiritual – Ir. Maria de Fátima Magalhães (Teresiana), Gina (Leiga Adoradora)
19.15 – Pausa
20.00 – Jantar e noite livre
Dia 17 – Dia Mundial do Migrante e Refugiado
Uma missão de agentes em rede: religiosas e religiosos, sacerdotes e leigos juntos contra o Tráfico
08.00 – Oração da manhã – OCPM
08.15 – Pequeno-almoço
09.00 – Sessão de trabalho de grupos: O papel dos agentes religiosos e desafios à Igreja – OIM e USG
Grupo A – Qual o papel específico dos sacerdotes – OCPM
Grupo B – Qual o papel específico das religiosas – Caritas Portuguesa
Grupo C – Qual o papel específico dos leigos – CAVITP
10.15 – Sessão: A experiência da rede da CAVIPT em Portugal (constituição, objectivos, acções, composição, rede europeia e mundial) – CAVIPT: Ir. Júlia Barroso (Teresiana)
11.00 – Celebração Eucarística do Dia Mundial do Migrante e Refugiado na Igreja da Santíssima Trindade – Presidida por D. António Vitalino Dantas, Presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana (CEMH) e animada pelo Coro dos Pequenos Cantores da Pontinha
12.30 – Almoço
14.00 – Plenário: Alargamento da rede a novos parceiros (religiosos, sacerdotes e leigos) – Agência Ecclesia
14.30 Sessão final: Bases para Plano de Acção das Dioceses e Estruturas Religiosas – OCPM e Caritas Portuguesa
15.00 Conclusões e Encerramento – Presidente da CEMH: D. António Vitalino Dantas e Dr. Paulo Rocha (AE)