Fátima Campos Ferreira, Isabel Jonet e Marcelo Rebelo de Sousa analisam Igreja e sacerdotes no Congresso Internacional «À Escuta da Palavra»
A visão que a sociedade tem do padre nos dias de hoje foi esta tarde analisada por três personalidades do campo social português. Num debate moderado pelo Cónego João Aguiar, presidência do conselho de gerência do grupo Rádio Renascença, o Congresso Internacional «À Escuta da Palavra» contou com a análise de uma jornalista, uma economista e um professor universitário sobre a realidade mediática e a posição que a Igreja e o sacerdote assumem na sociedade.
Marcelo Rebelo de Sousa frisou que a geografia marca a forma como se vê um sacerdote, partilhando uma visão de Lisboa e outra de Celorico de Basto, “duas realidades distintas que formam dois «Portugais»”.
A Norte o “grande peso da fé tradicional”, “um respeito generalizado nas cerimonias cívicas, com maior peso na gente mais velha do que na mais nova” mostram uma visão do padre “ainda parecida com a visão da sociedade rural de há 10 anos. O sacerdote é levado a desempenhar diversas tarefas. Tem de se desmultiplicar, apesar de uma crescente papel dos leigos”, reconheceu o professor universitário.
A cultura de Lisboa impõe a cultura ao restante país, considera Marcelo Rebelo de Sousa. Uma cultura que “desconhece a realidade eclesial”, que influencia o facto de os debates continuarem sobre “a organização da igreja (celibato, hierarquia, ordenação das mulheres, ou temas que se relacionam com valores fundamentais na óptica cristã)”.
Uma ignorância acerca do papel que a Igreja tem nas IPSS, no campo da educação, “acerca de novas realidade de crescimento do voluntariado, do crescimento dos movimentos laicais”, foram ainda características focadas, assim como a “deslocalização paroquial”.
“Actualmente assiste-se a párocos que deslocam consigo pessoas que foram assistentes”.
Marcelo Rebelo de Sousa dá conta que os jovens não têm formação “religiosa na família e na escola, não têm ferramentas para descobrir o que se passa”.
“Em muitas casos está-se a falar em chinês. Eu vejo isso entre os jovens, na universidade. Ficamos chocados com a ignorância e falta de formação e de compreensão da realidade”. Esta realidade acontece também porque “não há leigos cristãos a trabalhar na comunicação social” e, considera o professor universitário, “a Igreja deixou cair a necessidade da informação actualizada”.
Intolerância no espaço público, faltam experiências cristãs
Marcelo Rebelo de Sousa assiste à intolerância no espaço público. “Se uma pessoa falar como crente, tem de ser em privado. Se for como cidadão fala no espaço público. Em democracia isto não é tolerado, o que é uma contradição, porque é impossível não testemunhar a fé no quadro comunitário”.
O professor universitário afirma que a Igreja “e refiro-me a leigos, padres e hierarquia”, não tem sabido passar o testemunho da mensagem cristã em termos económicos e sociais. “A encíclia «Caritas in Veritat», que foi de ruptura, foi silenciada”.
Recordando a sua formação de “católico progressista” fortemente marcado pelo II Concilio do Vaticano, “reti na minha formação o papel dos leigos, coisa que nem sempre tem sido assumida pelos próprios”, lamentou.
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou ainda que os sacerdotes “não devem ser directores de IPSS. Não devem ter tarefas comunitárias correntes. Não devem ser os sacerdotes a ter a exposição no debate cultural, mas sim os leigos”.
“Faltam Marias de Lurdes Pintassilgo. Há excepções. Mas há poucos intelectuais a interferir no espaço público a assumir a sua experiência cristã”, lamentou.
A humildade num sacerdote é essencial, considerou Marcelo Rebelo de Sousa. “Têm de resistir à moda, ao mundanismo”.
Finalizando, o professor universitário afirmou que a Igreja tem de deixar claro que está ao serviço do mais pobres. “Se esta mensagem passar, a sociedade passa a ver com outros olhos o padre e a Igreja”.
Recuperar a militância cristã
Isabel Jonet, Presidente da Federação dos Bancos Alimentares, afirmou que um padre “tem de dar testemunho em todas as realidades, não apenas na espiritual”.
Ser padre não é uma função, mas uma vocação, referiu. “Servir a comunidade despojadamente na pessoa de Cristo é uma missão que se tem perdido”, na urgência de desempenhar outras funções. “Não que não saibam ser gestores, mas não têm de ser. Se o forem não podem ser padres”.
A Presidente da Federação Portuguesa de Bancos Alimentares considera que os sacerdotes devem ter tempo para “saber escutar, aconselhando com serenidade. Se ficam absorvidos pelas tarefas burocráticas deixam de ter tempo para ver e ouvir atentamente as reais necessidades das suas realidades paroquiais.
“Porque é que os sacerdotes foram substituídos pelos psicólogos se as pessoas precisam simplesmente de chorar?”
Isabel Jonet afirmou ser fundamental mobilizar a militância cristã. “Sem militância não pode haver transformação. Os padres podem mobilizar a militância juvenil mas para isso não podem ficar sentados”.
Finalizando, Isabel Jonet pediu aos padres para terem tempos. “Dêem tempo a si e às suas comunidades, para ver e ouvir”.
Perda de orientação e deslocalização no mundo
A jornalista Fátima Campos Ferreira deu conta da perda de orientação que a sociedade em geral sente. “Nos dias que vivemos ninguém tem a certeza de nada”, referiu.
“O nosso mundo mudou mais num século do que nos cinco precedentes e isso gerou perda de orientação e deslocalização”.
A jornalista, numa análise da comunicação social, deu conta de uma pressão que “retira bom senso”.
Também a Igreja está também sobre pressão mediática, considerou a jornalista. “O Papa Bento XVI não parece estar no caminho de se deixar contagiar por esta pressão”.
Numa altura em que “nunca houve tanta informação e liberdade para falar, o homem está confuso e é incapaz de cruzar a informação”.
A jornalista deu conta que a comunicação social ajuda pouco, pois “tem agendas próprias”.
Fátima Campos Ferreira considera que o mundo enfrenta o desafio da missionação. “Precisamos de uma nova missionação. Isto implica que o sacerdócio seja o ponto central da sociedade”. Esta exigência requer uma melhor preparação do sacerdote.
“A preparação para a vivência do sacerdote, tem de ser profunda, exigente, dotar de capacidades. Com competências éticas, práticas e humanas. Só assim pode contagiar. Tem de estar num patamar superior à média da sociedade”, considerou a jornalista.
Fátima Campos Ferreira considerou ainda que em matéria de solidariedade a Igreja “é decisiva. E neste campo a Igreja tem feito um bom caminho”.