Presidente do Centro Social defende que investimentos públicos não têm privilegiado o essencial
O 25.º aniversário do Centro Social de Arroios, que se assinala em 2010, foi evocado neste Domingo com uma missa presidida pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo. A celebração, que contou com a participação do fundador, Mons. José de Freitas, congregou perto de 900 pessoas.
As quatro valências desta instituição incluem um Centro de Dia que, de Segunda a Sexta-feira, acolhe 74 idosos. Cerca de 70 famílias são auxiliadas com alimentos, vestuário e outros bens, além de terem acesso a formação profissional no âmbito do programa «Novas Oportunidades».
O serviço domiciliário, por seu lado, dá resposta às necessidades de 85 pessoas, 24 horas por dia, sete dias por semana. E os sem-abrigo são apoiados por equipas de rua reunidas no denominado «Projecto +».
Investimento público não tem privilegiado o essencial
“É uma das coisas que literalmente me tira o sono”, admite o presidente do Centro Social, Pe. Paulo Araújo, quando se vê confrontado com a impossibilidade de dar resposta a todas as necessidades sociais da comunidade de São Jorge de Arroios, em Lisboa.
“Não se trata de ter pena das pessoas, mas é ver e comprovar que a sua dignidade não é respeitada nos dias de hoje”, afirmou à Agência ECCLESIA.
“A nível estatal – acrescenta o sacerdote – continua a investir-se em milhentas coisas e muitas vezes foge-se daquilo que é o essencial, caindo por vezes numa perspectiva assistencialista, sem dar os meios para que as pessoas saiam da situação de pobreza em que se encontram.”
“As maiores dificuldades que vamos encontrando – descreve o Pe. Paulo Araújo – referem-se à colaboração com algumas instituições. Não tanto com a Tutela [organismos governamentais], com quem nos vamos entendendo com alguns diálogos mais acesos.”
Com a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal é que as coisas por vezes se tornam mais difíceis”, explica. “Coisas tão simples como casas de banho públicas para os sem-abrigo, que existem mas estão fechadas e sem manutenção”.
“Às vezes – observa – os problemas não são complicados mas arrastam-se no tempo, tornando o nosso trabalho e a nossa missão mais árdua.”
Ouvir, motivar, encaminhar
“A nossa principal prioridade é escapar ao assistencialismo”, declara o pároco de São Jorge de Arroios. “Além de provar que precisam de ajuda, os beneficiários do Banco Alimentar têm que se esforçar por sair dessa situação, empenhando-se na procura activa de emprego e na qualificação profissional, para não cairmos no risco de manter as pessoas num estado de dependência”, sublinha.
Neste sentido, o apoio oferecido a quem passa as noites ao relento “consiste sobretudo em estar com eles e dar-lhes um sentido para a vida, para que possam integrar-se na sociedade e não viverem à margem”.
“Nós vamos tendo as coisas essenciais para sobreviver. Há muita gente que nos dá roupa e comida. O que mais nos faz falta é ter alguém que nos dirija a palavra ou que nos escute. As pessoas quase que não nos vêem. Estamos aqui mas somos quase invisíveis”. Este desabafo, proferido pelos sem-abrigo com quem o Pe. Paulo Araújo passou a noite da consoada, lembra que continua a haver muitas fomes por saciar.
Para atenuar o défice de relações humanas, o Centro Social reúne mensalmente com quem não tem casa, proporcionando-lhes um momento de reflexão e partilha.
“Graças a Deus já conseguimos tirar quatro pessoas da rua. Não é muito, mas para um trabalho que envolve parcos recursos é já um grande incentivo para continuarmos”, refere o pároco.
A convicção de que a afectividade e a interacção humana reduzem a depressão, a ausência de projectos e a solidão é igualmente constatada nos idosos que frequentam os serviços sociais da paróquia.
“Uma das coisas bonitas tem sido ver como as pessoas habituadas a ficar em casa rejuvenescem quando estão no Centro de Dia, onde encontram um espaço familiar”, descreve o Pe. Paulo Araújo, que sublinha a transformação daqueles que “entravam mudos e saíam calados” e, aos poucos, “ganham outra forma de estar e outra paixão pela vida”.
Projectos a curto prazo
“Neste momento, uma das nossas grandes apostas tem a ver com o apoio domiciliário”, em que “as carências são muito elevadas”, observa o director do Centro Social.
“A grande dificuldade – explica – é que os protocolos com os organismos estatais são tipificados, ao passo que os casos particulares são diferenciados”.“Muitas pessoas – exemplifica – precisam mais do que limpeza e higiene: precisam de assistência psicológica e jurídico e apoio ao nível da formação e requalificação”.
“Outro grande sonho, que não sabemos se será possível concretizar este ano, é que a Câmara Municipal nos ceda um prédio devoluto, para nele podermos lançar um centro de acolhimento às pessoas sem-abrigo”, indica o Pe. Paulo Araújo.
Perante a situação social da paróquia, “o sentimento que tenho é de inconformismo”, garante o sacerdote. “O Centro – explica – tem uma equipa estupenda, em que nos motivamos e inquietamos uns aos outros para inventarmos novas formas de responder aos apelos e necessidades das pessoas mais vulneráveis”. A instituição tem aproximadamente 35 profissionais, auxiliados por cerca de 15 voluntários.
“Podia dar muitos exemplos de pessoas que nos vão dizendo que este trabalho vale a pena”, diz o pároco, que recorda a história de um sem-abrigo que passou quase 50 anos na rua.
“Tentámos reorientá-lo mas ele não queria”, conta o sacerdote. Depois de o terem convencido a tratar-se num hospital, providenciaram a sua entrada num lar. “‘Ó senhor padre, agora tratam-me como um príncipe’, disse-me quando uma vez o visitei”. O homem faleceu pouco tempo depois devido ao estado de saúde muito debilitado, mas antes de morrer soube o que era ser tratado com a dignidade que todos os seres humanos merecem ter.
“São estas pequeninas transformações que nos vão dando ânimo para continuarmos a lutar”, assinala o Pe. Paulo Araújo.