HOMILIA NA SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS
DIA MUNDIAL DA PAZ
Sé de Aveiro, 1 de Janeiro de 2010
1. É Dia de Ano Novo. Uma década está passada sobre o início do milénio. É neste limiar de um tempo novo que somos chamados a viver com alegria e com entusiasmo o ano que hoje começa.
Celebramos o Ano Novo em ambiente de Natal. Deus veio ao nosso encontro. Habita no meio de nós. Somos testemunhas desta certeza e mensageiros deste anúncio.
Não nos faltam na Igreja de Aveiro sinais e gestos, palavras e acções em que o Natal se diz, se sente, se celebra e se testemunha. Neste Natal encontrei igualmente outras Igrejas com ar de festa e com tons de alegria. Vi comunidades vivas e saboreei o entusiasmo da fé, celebrada por gente de todas as idades e culturas. Senti o encanto da gratidão de comunidades por inteiro e de uma multidão de amigos reunidos à volta de sacerdotes que fazem da vida dom de Deus ao mundo por onde passam e às pessoas, famílias e instituições a quem servem. Há pastores e magos, vestidos de hoje e envolvidos pela cultura do nosso tempo nos vários continentes da terra, que estão atentos e gratos aos rostos de Deus presentes no seu meio.
Neste arco da vida que em cada ano começamos não vamos sós. Acompanha-nos, com a serenidade terna e com a presença discreta das Mães, Santa Maria, a Mãe de Deus, que hoje solenemente celebramos.
O princípio da vida e o início do tempo falam-nos sempre do berço, do dom da vida e do sentido de família. É assim que os cristãos vivem o Natal celebrado em família. Fazemo-lo nas comunidades cristãs desta querida diocese que é cada vez mais a nossa família. Para alguns, quase a única família! Os nossos gestos de caridade cristã, de solidariedade humana, de fraternidade universal, de abertura a todas as criaturas, de preocupação com os que sofrem e com os pobres que vivem sem pão, sem abrigo ou sem esperança, são sinais desta dimensão essencial da Igreja como família.
Celebramos o Novo Ano nesta Sé, Igreja Mãe da Diocese, dedicada a Nossa Senhora da Glória, pedindo a Maria, Senhora e Mãe da Igreja, que ajude a nossa Igreja Diocesana a ser educadora da fé e fundamento de esperança.
2. Há 43 anos, Paulo VI escolheu o primeiro dia do Ano como Dia Mundial da Paz. As mensagens que ano a ano se seguem, os temas que nelas se reflectem e tantas iniciativas que a propósito desta ideia original se concretizam dizem-nos da importância e da urgência da paz na vida das pessoas, das famílias e dos povos.
Muito caminho foi percorrido, muito esforço foi realizado e muitos objectivos estão conseguidos. Mas a paz desejada, a paz de que necessitamos e a paz sonhada, que é dom de Deus e presente de Natal, ainda está longe de ser direito e justiça, amor e fraternidade vividos por todos.
Na mensagem deste Ano, o Santo Padre Bento XVI diz-nos que se quisermos cultivar a paz temos de preservar a criação.
O respeito pela criação e o reconhecimento do seu valor no equilíbrio ecológico e no desenvolvimento humano conduzem-nos a Deus, fundamento e origem de todas as obras criadas.
Lembra-nos o Santo Padre que todos os excessos, exageros, abusos e desleixos em relação ao ambiente e à natureza são ofensa ao próprio homem e a Deus. A sobriedade e a solidariedade são valores que devemos viver não só em relação com as pessoas mas também no respeito pelas coisas que são dom de Deus.
Na natureza espelha-se a beleza de Deus e o seu amor por todas as criaturas. A preocupação que todos sentimos pela saúde ecológica da terra e a dificuldade experimentada ainda recentemente na Cimeira de Copenhaga em encontrar critérios comuns pela sua defesa e preservação, dizem-nos que passa por aqui também a renovação cultural que todos desejamos em ordem a construirmos um futuro melhor para a Humanidade.
Convida-nos Bento XVI a encontrar neste respeito pela natureza o seu “desígnio de amor e de verdade” e a descobrir o lugar do homem e da mulher no centro do cosmos como seres que são “imagem e semelhança de Deus”. Este convite exprime-se, também, num apelo à responsabilidade de “cultivar e guardar” a obra da criação de Deus e de viver a solidariedade entre gerações e entre povos, uma verdadeira solidariedade global, que nos ajude a pensar em todos e a olhar para lá do tempo presente.
“Faço votos, diz o Santo Padre, para que se adopte um modelo de desenvolvimento, fundado na centralidade do ser humano, na promoção e partilha do bem comum, na responsabilidade, na consciência da necessidade de mudar os estilos de vida e na prudência, virtude que indica as acções que se devem realizar hoje na previsão do que poderá suceder amanhã” ( Mens.n.º 9 ).
A família constitui elemento essencial e lugar insubstituível na educação dos valores da ecologia, no respeito sagrado e inviolável pela vida humana, pela dignidade da pessoa humana, pela natureza e pelo equilíbrio da criação. Não se constrói a paz nem se respeita a criação, destruindo a família humana ou alterando a sua essência antropológica e a sua natureza original.
Por seu lado a beleza, a harmonia e a complementaridade da natureza, quando respeitadas, devolvem ao homem serenidade e paz. Ao contemplarmos a natureza descobrimos, ao bom jeito de S. Francisco, que Deus cuida de nós e nos convida a ser construtores da paz e do bem. Só os pacíficos sabem ser construtores de paz e artífices de uma nova civilização!
3. São palavras de paz as que hoje dizemos uns aos outros, em belas saudações e oportunas mensagens. São palavras aprendidas desde sempre nesta herança de uma longa tradição religiosa, construída à volta do presépio e a partir do acontecimento do Natal de Jesus.
Palavras mais distantes ainda, aquelas que, segundo o Livro dos Números, Deus ensinou a Moisés e a seu irmão Aarão. Palavras renovadas na aliança de Deus com Israel. Palavras de bênção, ditas ao Povo a quem Deus oferece uma terra de paz e um tempo de esperança. A Palavra de Deus é, em Cristo, seu Filho, nascido de mulher e sujeito à lei, como nos diz S. Paulo, na segunda leitura, na Carta aos Gálatas, uma Palavra que nos faz filhos e nos torna herdeiros.
É a mesma Palavra de Deus que no Evangelho nos recorda o anúncio dos Anjos aos pastores, incumbidos de cuidar da terra e de guardar os rebanhos, e que foram os primeiros convidados a adorar o Filho de Deus e a ser mensageiros da paz aos homens de boa vontade.
É esta, também, a Palavra contemplada, guardada e meditada no coração de Maria.
4. Vivemos numa sociedade em mudança, numa cultura a exigir presença atenta de todos e empenhamento lúcido dos cristãos, num momento de dificuldades sociais e de privações graves no seio de muitas famílias, a impor respostas urgentes, solidárias e criativas. Somos Igreja em missão de educação da fé e estamos em Ano Sacerdotal, feito de gratidão pelos sacerdotes que somos e de esperança projectada nos nossos Seminários e na Pastoral Vocacional para que não faltem à sua Igreja trabalhadores necessários, generosos e disponíveis.
Demos visibilidade ao bem realizado nas nossas comunidades cristãs e movimentos apostólicos, intensifiquemos o nosso esforço de formação e de educação da fé, abramos caminhos à evangelização para lá das fronteiras do quotidiano, façamos pontes de diálogo com os que não crêem e saibamos ir em gestos e sinais, em caminhos novos não andados e veredas ainda desconhecidas, ao encontro dos que agora chegam às nossas terras ou daqueles que há muito já vieram e de quem ainda não nos apercebemos.
A beleza e a harmonia do trabalho a realizar só se conseguem se envolvermos todas as gerações: crianças, jovens, adultos e idosos. Os doentes e os que sofrem devem ter, ao longo do Ano que hoje começa, uma peculiar e insubstituível missão e um lugar de relevo, de atenção e de afecto ainda maiores.
A vinda do Santo Padre Bento XVI a Portugal vai trazer-nos certamente momentos de vivência maior da fé e oportunidades de iniciativas mobilizadoras que nos digam a alegria de sermos Igreja, educadora da fé e fundamento de esperança para o mundo. Preparemos desde já esta visita com alegria.
5. Na manhã de cada dia, é de louvor a nossa oração. Quero que assim seja também no início do Novo Ano.
É de louvor a minha oração,
Senhor da vida, do tempo e da eternidade;
Pai e Criador que nos destes a terra e o céu;
Deus, fonte de amor, de salvação e de paz.
É de louvor a minha oração,
Pela Humanidade e pela Criação;
Pela Igreja e seus servidores;
Pelo Mundo e seus dons.
É de louvor a minha oração,
Pela alegria, pela amizade e pela doação de tantos;
Pela atenção aos que sofrem e aos que choram;
Pela gratidão sentida e pelo bem partilhado.
É de louvor a minha oração,
Pela lembrança e pela saudade dos que ao longo do ano partiram;
Pela bênção dos que vão nascer;
Pelos corações disponíveis para amar e servir.
É de louvor a minha oração,
Pela Mãe que escolhestes para o vosso Filho;
Pela mesma Mãe que nos destes;
Pela Igreja que, a exemplo de Maria, diariamente se faz nossa Mãe.
Ámen.
D. António Francisco Santos
Bispo de Aveiro