Hoje cumpre-se a 43ª edição do Dia Mundial da Paz.
Na sua mensagem para este dia, o Santo Padre Bento XVI convida-nos a reflectir sobre o respeito que devemos a toda a criação para que a paz seja possível. E este convite chega a todos nós, quando estamos ainda sob os efeitos da desilusão provocada pela cimeira de Copenhaga, onde os senhores do mundo não foram capazes de se entender sobre opções básicas a fazer para garantir a sustentabilidade da natureza e consequentemente o futuro da Humanidade. Os interesses imediatos sobretudo dos países mais desenvolvidos sobrepuseram-se ao Bem Comum da Humanidade. É neste contexto que ganham novo vigor as recomendações e os apelos do Papa na sua mensagem para este dia.
De facto, ninguém pode ficar indiferente perante os dramas humanos derivados das alterações climáticas, da desertificação, com perda de vastas áreas agrícolas, assim como da poluição dos rios e de importantes lençóis de água.
Por sua vez, este e outros dramas afins colocam-nos a seguinte pergunta de fundo: Afinal o que é verdadeiramente desenvolvimento? Será desenvolvimento promover, a qualquer preço, o consumo desenfreado dos recursos naturais? Poder-se-á desligar o bem físico da pessoa do seu bem espiritual e de relação seja com as outras pessoas seja com a própria natureza? A Mensagem do Papa XVI apela a uma revisão profunda do modelo de desenvolvimento que nos está a ser proposto; apela à própria economia para que repense os seus objectivos e seja capaz de corrigir as disfunções e deturpações que, em muitos casos, tem levado à vida das pessoas; apela à consciência de pessoas e grupos para que levem a sério a crise cultural e moral do ser humano na actualidade, cujos sintomas há muito se manifestam por toda a parte.
De facto, e este parece ser o pano de fundo de toda a mensagem, não pode desligar-se a ecologia da natureza da ecologia humana. Por outras palavras, o respeito pela natureza depende, em larga escala, dos valores morais assumidos ou não pelos seres humanos; por sua vez, quando a natureza não é respeitada a consequência são os sinais da sua relativa vingança, que todos conhecemos, com repercussão negativa na vida dos seres humanos. Entre os valores morais que mais determinam a prática equilibrada da relação com a natureza e do legítimo aproveitamento dos seus recursos, o Papa sublinha sobretudo dois: a sobriedade e a solidariedade. Com a sobriedade quer-se dizer que temos de modificar os nossos hábitos de consumo, temos de aceitar que precisamos de consumir menos do que estamos a consumir para não esgotarmos os recursos da natureza. Com o valor da solidariedade, queremos levar a sério o princípio de que Deus criou os recursos naturais para todos os seres humanos, aqueles que hoje vivemos e também para as gerações futuras. Temos, assim, a obrigação moral de praticar a solidariedade com todos os homens e mulheres da geração actual, a começar pelos mais pobres, mas também com as gerações futuras.
E o Papa não foge às dificuldades inerentes à aplicação concreta dos dois princípios morais enunciados. Selecciona, por isso, duas áreas especialmente sensíveis para a programação do futuro das nossas sociedades. Uma delas são as energias renováveis e a gestão da água; a outra é a importância para o desenvolvimento sustentado e equilibrado que continua a ter a agricultura e o mundo rural. Sobre este último ponto faz as seguintes recomendações, que se aplicam, a título especial, aos nossos ambientes, de facto, em processo acelerado de relativa desertificação. Diz ele: “Devem procurar-se apropriadas estratégias de desenvolvimento rural centradas nos pequenos cultivadores e nas suas famílias, sendo necessário também elaborar políticas idóneas para a gestão das florestas… Para isso são necessárias políticas nacionais ambiciosas… que trarão importantes benefícios sobretudo a médio e a longo prazo”.
Quando entre nós se continua a verificar o processo de desactivação das grandes empresas que colocam no desemprego centenas e centenas de pessoas, temos legitimidade para exigir, neste momento, as tais políticas nacionais ambiciosas a que se refere o Papa. Elas passam principalmente pela criação de condições que possam mobilizar as pessoas para iniciativas capazes de aproveitar, de facto, os recursos que temos nos nossos ambientes.
Esperamos que o Ano Europeu de luta contra a pobreza e a exclusão social, que hoje mesmo se inicia, seja realmente vivido por todos nós na procura de soluções inovadoras capazes de entusiasmar também os que são pobres na luta contra a pobreza.
+Manuel Felício, Bispo da Guarda