O pensamento ecológico de Bento XVI

A Conferência de Copenhaga em 2009 marca o início de um novo desafio para a humanidade onde ciência, política, economia e sociologia irão servir de base na busca de soluções globais para a crise ecológica que enfrentamos e suas consequências. Será que o amor e a caridade têm lugar nesta cimeira, ou são mesmo essenciais para o argumento? É possível encontrar essa resposta no pensamento de Bento XVI, em particular, na sua Carta Encíclica “Caridade na Verdade” (CV).

Alguns poderiam pensar que a caridade exclui o saber, o conhecimento ou a razão, mas, pelo contrário, a caridade reclama-os, promove-os e anima-os a partir de dentro (CV 30). O que significa esse “a partir de dentro”? Significa que um saber «…”temperado” com o “sal” da caridade» torna-se sabedoria. E qualquer um de nós tem acesso à sabedoria. Não é assim tão importante ser-se inteligente porque «o saber nunca é obra apenas da inteligência», importante sim é ter presente que «a acção é cega sem o saber, e este é estéril sem o amor» (CV 30), logo é amando que se desenvolve o verdadeiro saber, pois, «não aparece a inteligência e depois o amor: há o amor rico de inteligência e a inteligência cheia de amor».

Esta visão do saber como sabedoria (inteligência-amor) é muito importante no que diz respeito aos desenvolvimentos referentes ao ambiente, onde os deveres nascem do «relacionamento do ser humano com o ambiente natural» (CV 48). Importa salientar que Bento XVI não centra o argumento do ambiente no ser humano, ou no ambiente, mas no seu relacionamento. Nesse sentido torna-se objectivo «reforçar aquela aliança, entre ser humano e ambiente, que deve ser espelho do amor criador de Deus, de Quem provimos e para Quem estamos a caminho» (CV 50). Dito por outras palavras, o relacionamento do homem com o ambiente deveria ser o reflexo do amor criador de um Deus que é Amor (1 Jo 4, 8). Posteriormente, é sobre esse relacionamento que assenta a responsabilidade que temos perante os pobres, as gerações futuras e a Humanidade inteira, bem como o reconhecimento que o crente faz da maravilhosa Criação de Deus. Assim, que visão cristã de natureza surge desse relacionamento? Diz Bento XVI: «a natureza é expressão de um desígnio de amor e de verdade».

[[v,d,723,Ecologia de comunhão – o conceito de Bento XVI e a análise de Miguel Oliveira Panão.]]Aliás, «é contrário ao verdadeiro desenvolvimento considerar a natureza mais importante do que a própria pessoa humana». Por outro lado, «o ambiente natural não é apenas matéria de que podemos dispor a nosso bel-prazer, mas obra admirável do Criador, contendo nela uma “gramática” que indica finalidade e critérios para uma utilização sapiente, não instrumental nem arbitrária. [Ainda, a natureza,] (…) constituída não só de matéria mas também de espírito e, como tal, rica de significados e de fins transcendentes a alcançar, tem um carácter normativo também para a cultura. O ser humano interpreta e modela o ambiente natural através da cultura». Este aspecto é importante pois salienta que a ligação entre o ambiente e a cultura está no ser humano. Em última análise, «o modo como o ser humano trata o ambiente influi sobre o modo como se trata a si mesmo, e vice-versa» (CV 51). Daí que a forma como entendemos quem é o ser humano, possui também repercussões no relacionamento que este tem para com o ambiente natural. Como é visto, então, o ser humano em “Caridade na Verdade”?

Antes de dar uma noção de ser humano, Bento XVI recorda que «as pobrezas, (…) nasceram da recusa do amor de Deus, de uma originária e trágica reclusão do ser humano em si próprio, que pensa que se basta a si mesmo [individualismo] ou, então, que é só um facto insignificante e passageiro [relativismo], um “estrangeiro” num universo formado por acaso» (CV 53). Ora, o ser humano não está no cosmos, ele é cosmos. Por outro lado, «a Humanidade aparece, hoje, muito mais interactiva do que no passado» e, por isso, qual a resposta que se deve dar ao individualismo e relativismo? Observando a proximidade que sentimos entre seres humanos nesta era da comunicação e globalização, tal proximidade – diz Bento XVI – «deve transformar-se em verdadeira comunhão».

Comunhão: palavra que exprime o facto de sermos uma família, a família humana à imagem de Deus, cuja interacção entre povos obriga a repensar o ser humano sobre a categoria da relação. Diz-nos o Papa que «de natureza espiritual, a criatura humana realiza-se nas relações interpessoais», por isso, «a unidade da família humana não anula em si as pessoas, os povos e as culturas, mas torna-os mais transparentes reciprocamente, mais unidos nas suas legítimas diversidades». Reparemos, «a Trindade é absoluta unidade, enquanto as três Pessoas divinas são pura relação (…) [e] Deus quer-nos associar também a esta realidade de comunhão: “para que sejam um como Nós somos Um” (Jo 17, 22)» (CV 54). Logo, em resposta à pergunta inicial sobre que visão do ser humano, Bento XVI constata que «a revelação cristã sobre a unidade do género humano pressupõe uma interpretação metafísica do humanum na qual a relação seja elemento essencial» (CnV 55). Nesta perspectiva, somos mais do que seres racionais, somos seres relacionais «ao reconhecer na reciprocidade a constituição íntima do ser humano» (CnV 57).

Para finalizar, poder-se-ia dizer que a síntese entre as ecologias humana, ambiental e espiritual (ver Homilia da Vigília de Pentecostes de 2009) na visão de Bento XVI é uma Ecologia de Comunhão.

Miguel Oliveira Panão, Investigador Universitário

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