O Vaticano reagiu com “surpresa e pesar” à decisão do Tribunal Europeu de Direitos do Homem, emitida esta Terça-feira, que define a presença do crucifixo nas escolas como uma violação da liberdade religiosa dos alunos e como contrária ao direito dos pais em educarem os filhos segundo as suas convicções.
O director da sala de imprensa da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi, lamentou a condenação ao sistema, actualmente em vigor na Itália, de exposição de crucifixos nas salas de aula.
“O crucifixo sempre foi um sinal de oferta de amor de Deus e de união e acolhimento para toda a humanidade”, considera o porta-voz do Vaticano.
“É uma pena que seja considerado como um sinal de divisão, de exclusão ou de limitação da liberdade. Não é isso e não o é para o sentimento comum da nossa gente”, acrescentou.
Em particular, o Pe. Lombardi considerou que “é grave marginalizar do mundo educativo um sinal fundamental da importância dos valores religiosos na história e na cultura italianas”.
Segundo este responsável, “a religião oferece um belíssimo contributo para a formação e crescimento moral das pessoas e é um componente essencial da nossa civilização”. Por este motivo, “é errado e míope querer excluí-la da realidade educativa”.
Para o responsável pela informação do Vaticano “surpreende, além disso, que um tribunal europeu intervenha com tanto peso numa matéria tão profundamente ligada à identidade histórica, cultural e espiritual do povo italiano”.
“Por este caminho, a pessoa não se sente atraída a amar e a partilhar profundamente esta ideia europeia que nós, como católicos italianos, apoiamos fortemente desde a sua origem”, lamentou.
Para o Pe. Lombardi, está em causa a capacidade de “reconhecer o papel do cristianismo na formação da identidade europeia, que foi e continua a ser essencial”.
O caso sobre o qual o Tribunal de Estrasburgo se pronunciou foi apresentado por uma cidadã italiana de origem finlandesa, Soile Lautsi, que em 2002 tinha pedido à escola estatal Vittorino da Feltre, de Albano Terme (Pádua), na qual estudavam os seus dois filhos, que retirasse os crucifixos das salas.
A Itália vai recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos contra a exposição de crucifixos em escolas, segundo informou o juiz Nicola Lettieri, que defende o país diante do órgão judicial em Estrasburgo. A decisão – primeira do género – determina que o Governo italiano pague uma indemnização de cinco mil euros por danos morais a Lautsi.
A ministra italiana da Educação, Mariastella Gelmini, disse que “a presença de crucifixos nas escolas não significa a adesão ao catolicismo, mas é um símbolo da nossa tradição”.
Para a Conferência Episcopal Italiana (CEI), a decisão do Tribunal de Estrasburgo suscita “amargura e não poucas perplexidades”
Segundo os Bispos católicos deste país, a sentença “impôs uma visão parcial e ideológica”.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, pode ler-se numa nota da CEI, “ignora ou descuida o múltiplo significado do crucifixo, que não é apenas um símbolo religioso, mas também um sinal cultural”.
A Conferência Episcopal defende que “na experiência italiana, a exposição do crucifixo nos lugares públicos está em harmonia com o reconhecimento dos princípios do catolicismo como parte do património histórico do povo italiano, confirmado pela Concordata de 1984”.
“Dessa forma, corre-se o risco de separar artificialmente a identidade nacional das suas origens espirituais e culturais”, indicam os Bispos.
Segundo o episcopado, esta decisão judicial “não é certamente uma expressão de laicidade, mas uma degeneração em laicismo, a hostilidade contra qualquer forma de relevância política e cultural da religião”.
O porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), padre Manuel Morujão, defendeu ontem ao DN que a presença de crucifixos nas escolas não é ofensiva para os não católicos, já que estes fazem parte da “cultura ocidental” em que crentes e não crentes foram criados.