Um Sínodo profético e realista

Durante o mês de Outubro, os bispos africanos foram uma presença bem visível nos meios, mais ou menos eclesiásticos, de Roma, desde os ambientes da Praça de São Pedro, onde se realizou o II Sínodo dos Bispos para a África, aos ambientes populares do bairro de Trastevere, onde tem sede a Comunidade de Santo Egídio. As intervenções na aula sinodal foram notícia diária nas agências de notícias, nos jornais e nos media ligados à Igreja. Os institutos missionários e os movimentos laicais interessados na situação do continente, a Conferência dos Institutos Missionários da Itália (CIMI) e outros fizeram de caixa de ressonância ao acontecimento, muito para além da aula sinodal.

A primeira observação a fazer, diz, por isso, respeito ao lugar onde se realizou o sínodo e que foi objecto de polémica entre os que defendem a sede vaticana como a mais apropriada para os sínodos e os que defendem que o sínodo se deveria realizar em África, para garantir o interesse das comunidades eclesiais. A realização do sínodo no Vaticano garantiu um interesse maior da igreja universal e da comunicação social. Mas não garantiu o envolvimento da igreja africana, das comunidades cristãs do continente, tanto na preparação como no seguimento. O primeiro sínodo africano não teve o impacto que se esperava e o segundo corre o risco de repetir-lhe os passos. Os defensores da África como lugar da realização do sínodo têm alguma razão: mesmo com outras limitações, a realização do sínodo em África teria certamente um impacto maior ao nível das bases eclesiais.

A segunda observação vai para o tema do sínodo: «A Igreja na África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz». O tema recolheu, desde o momento da sua escolha, um grande consenso entre todos os sectores eclesiais, dada a sua actualidade e pertinência. A África que foi objecto das mais variadas intervenções na aula sinodal, é um continente necessitado de reconciliação, que aparece endemicamente dividido por conflitos da mais variada ordem. Se ultimamente alguns conflitos armados, de longa data, conheceram uma solução como os que ensanguentaram Angola e Moçambique, Costa do Marfim… outros continuam a arrastar-se, com imenso sofrimento para as populações, e à espera de solução: Darfur, no Sudão, Nordeste da RD do Congo, a Somália, a Eritreia, o Zimbabué, as Guinés…

Algumas tensões religiosas e étnicas continuam igualmente a ser fonte de instabilidade no continente: a Nigéria, o Sul do Sudão, o Chade, a África do Sul são exemplos de situações onde factores étnicos e religiosos abrem brechas entre populações e semeiam instabilidade.

A terceira observação vai para o estilo com que os africanos falaram de si e dos seus problemas. Foram muito corajosos dando nomes aos problemas e dramas que afligem as gentes do continente ao nível político, social, económico. Os media falaram dos horrores de África» que estavam a ser discutidos no sínodo…Mas, falando dos seus males, não perderam o humor, conservaram a esperança, reafirmaram o amor à vida e sobretudo foram propositivos, fazendo tesouro de experiências de reconciliação vividas no continente, dos valores culturais que favorecem os processos de reconciliação, de justiça e de paz.

Quarta observação, fundamental: tratando de denunciar as situações de conflito, os membros do sínodo souberam também colocar a foco a contribuição específica do Cristianismo no contexto africano. Reafirmaram o «anúncio cristão» que proclama uma reconciliação para além das fronteiras de culturas e etnias, que evoca as exigências do amor e do perdão, sem esquecer requisitos da justiça e da verdade. Nas «proposições finais», o sínodo foi, por um lado, profético ao denunciar os dramas africanos e apelar ao ideal cristão; e foi igualmente realista ao reconhecer as peculiares exigências da reconciliação e as dificuldades dos caminhos da justiça e da paz em África.

Por último, a igreja africana reconheceu também que, para ser credível na sua proposta de regeneração e reconciliação social e política tem que ser autêntica e começar por promover a reconciliação ao seu interior, por arrumar a própria casa. A necessidade de reconciliação em África está bem viva na vida da própria Igreja, na qual conflitos entre clero e leigos, entre membros de diferentes etnias, entre clero local e missionários estão longe de serem vestígios do passado e continuam a minar a Igreja desde dentro, como recentemente se viu na República Centro-Africana, no Ruanda, no Burundi, no Malawi, por exemplo.

O desafio que o II sínodo para a África deixa à Igreja universal, para além das proposições, da mensagem e das recomendações finais é o de escutar a África e a Igreja africana. O papa Bento XVI deu sinais de desejar um escutar atento ao reconhecer, no seu discurso de abertura, que «a África é depositária de um tesouro inestimável para o mundo inteiro: o seu profundo sentido de Deus».

Com a sua presença assídua, sobretudo nos primeiros dias do sínodo em que passou manhãs e tardes na aula, Bento XVI mostrou que estava a falar a sério quando considerou o continente africano como «um imenso pulmão espiritual para a humanidade, em crise de fé e de esperança».

Pe Manuel Augusto Lopes Ferreira, Director da revista Além-Mar

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