Um governo para ganhar eleições

Francisco Sarsfield Cabral

O novo governo minoritário do PS é um prolongamento do anterior. Até grande parte do discurso de Sócrates na tomada de posse parecia feita há um ano: elogio das energias renováveis, justiça social, combate à crise económica com investimentos públicos… Nada de novo.

A novidade é Sócrates já não ter maioria absoluta no Parlamento, o que o leva a uma grande prudência nas afirmações. Já não está seguro, como estava no governo anterior, de fazer passar na Assembleia as medidas que entender.

O trunfo de Sócrates é que nenhum partido da oposição se arrisca a eleições antecipadas, pelo menos nos tempos mais próximos. Não só ficariam com o odioso de derrubarem um executivo em funções, como se arriscariam a que o PS obtivesse maioria absoluta. Por isso não é impossível que o governo dure quatro anos.

Não fazer ondas

Resta saber como governará durante esse tempo. Sócrates prometeu prosseguir as reformas – mas aparentemente sem grande convicção. Ora a grande tentação do novo executivo será governar com vista às próximas eleições. Que até podem ser mais cedo do que se espera, se algum partido da oposição cair na asneira em que caíram em 1987 o PRD e o PS, aprovando na Assembleia da República uma moção de censura ao governo minoritário de Cavaco Silva, que assim foi derrubado. Seguiram-se duas maiorias absolutas do PSD.

O actual governo tem o núcleo duro do anterior, um núcleo ministerial essencialmente político; e uma série de ministros desconhecidos da opinião pública e sem peso político (independentemente do seu eventual valor profissional e pessoal). Esta constituição governamental não indicia só que Sócrates vai concentrar em si, ainda mais do que antes, o poder político. Também sugere que nas várias pastas impropriamente classificadas de técnicas a ideia será fazer poucas ondas, pacificando o respectivo sector ainda que, porventura, à custa de antigos intuitos reformistas.

O eleitoralismo não é uma ameaça que venha apenas do lado do governo. As várias oposições vão reclamar medidas que as tornem simpáticas aos olhos do eleitorado, medidas que implicam aumento de gastos do Estado. E o PS algumas vezes lá terá que ceder, em troca do apoio de um ou vários desses partidos na aprovação parlamentar de propostas socialistas.

Viva o diálogo

Governo minoritário, o novo executivo terá de negociar à esquerda e à direita. Mas o PS não é equidistante desses dois pólos. Basta lembrar 1975 para concluir que dificilmente o governo poderá fazer acordos de substância sobre política económica com o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda. É que estas forças políticas são contra a economia de mercado, visando o fim do capitalismo. Aliás, se o PC ou o Bloco se aproximassem das políticas económicas de Sócrates logo perderiam o seu capital de queixa e protesto, que afinal os sustenta.

Assim, o diálogo do governo à sua esquerda será sobre as chamadas “questões fracturantes” (que fracturam sobretudo a sociedade portuguesa…). O “casamento” homossexual será entusiasticamente apoiado pelo Bloco, permitindo ao PS agitar a bandeira “de esquerda”. E certamente será recusado o pedido, vindo do interior do próprio PS, de um referendo sobre a matéria, que faria todo o sentido.

Se o anterior governo do PS, com maioria absoluta, fez poucas reformas, o presente governo minoritário ainda fará menos. O resultado será ficar mais uma vez adiado o combate à crise estrutural da economia portuguesa, de que aliás o PS quase não fala, pois parece só conhecer a crise internacional.

Francisco Sarsfield Cabral, Jornalista

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