Homilia de D. António Carrilho na Solenidade de Nossa Senhora do Monte

Homilia na Celebrar a Padroeira, comprometendo a Vida

Monte, 15 de Agosto de 2009 

“Exultemos de alegria no Senhor, ao celebrar este dia de festa em honra da Virgem Maria” – Assim canta hoje a Igreja, na multidão dos seus filhos, espalhados pelo mundo, na alegre solenidade litúrgica da Assunção de Nossa Senhora ao Céu; assim cantamos nós, em comunhão com a Igreja universal, ao celebrarmos, aqui, a Festa da Senhora do Monte, Padroeira da Cidade e da Diocese do Funchal.

É, pois, com muita alegria, respeito e religiosa veneração, que nos encontramos neste santuário, que há mais de 400 anos tem acolhido e abraçado gerações sucessivas de homens e mulheres crentes, peregrinos e devotos da Senhora do Monte.

Aqui acorre gente de todas as idades e tantas famílias, que vêm agradecer os dons recebidos, pedir o auxílio, o conforto e a esperança do Alto, sobretudo quando pesa a cruz, quando vem o sofrimento e a doença, quando falta a alegria e a força para caminhar.

Nesta solene concelebração eucarística, juntos louvamos e agradecemos ao Senhor toda a protecção e benefícios alcançados, através da especial solicitude materna da nossa Padroeira. E unidos por fortes laços de fraterna solidariedade, expressamos a nossa comunhão com todos os irmãos emigrantes, que em terras distantes vivem e testemunham a sua fé, de modo especial aqueles que nos acompanham através da rádio (PEF) e da televisão (RTP-Internacional). 

Mãe de Cristo e da Igreja
O livro do Apocalipse, em que se insere o texto da primeira leitura, está cheio de sinais e grandiosas visões simbólicas. Nele se apresenta uma figura de Mulher, Esposa e Mãe, de surpreendente Beleza, “vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça” (Ap 12,1): é a imagem de Maria, que pela fé e pelo amor, gerou e deu ao mundo Jesus Cristo, o Filho de Deus; ela é, também, figura da Igreja da qual virão a nascer, na sucessão dos tempos, todos aqueles que, em Cristo, são constituídos filhos e herdeiros de Deus (cf. Rom 8, 17). Por sua vez, o dragão, apostado em destruir o filho que estava para nascer (cf. Ap 12,4), representa todas as forças negativas e o poder do mal, que pretendem destruir o Menino, o Salvador da humanidade.

Maria, a Mulher santa, feliz na eternidade de Deus e revestida da Sua mesma Claridade, “entrou intimamente na história da salvação” (Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, 65) e acompanha os filhos da Igreja, com profundo amor maternal, no meio das tempestades, perseguições e sofrimentos da humanidade, no seu percurso histórico e existencial. É o sinal do triunfo do Amor sobre o ódio e a certeza de que Maria não se distanciou de nós, antes nos acompanha solícita, com ternura de Mãe, em todo o desenrolar da missão e do compromisso histórico da Igreja. Maria é, de facto, a Mãe de Cristo, Mãe da Igreja e nossa Mãe! 

Deus reflecte-Se em Maria, espelho puríssimo, isento de toda a maldade, e nela manifesta a Sua predilecção e complacência. A Igreja crê que não podia sofrer a corrupção da morte esta Mulher de excelsa beleza, preservada do pecado original, a Mãe do Filho de Deus, que viveu intimamente os mistérios de Jesus até à Cruz e Ressurreição. Deus eleva Maria ao Céu, em corpo e alma, para a tornar participante da glória de Seu Filho Ressuscitado. Nisto se exprime o mistério da gloriosa Assunção de Nossa Senhora.

A carta de S. Paulo aos Coríntios, proclamada na segunda leitura (1Cor 15, 20-27), põe em evidência uma reflexão teológica do Apóstolo sobre a Ressurreição de Cristo: por Ele “veio a ressurreição dos mortos”, n’Ele “serão todos restituídos à vida” (1Cor 15,22). Toda a Humanidade, solidária com Jesus, acompanha-O na Ressurreição: com a Sua glorificação, todos os males serão vencidos, definitivamente, “porque Deus é um Deus de vivos e não de mortos” (Mc 12,27). 

A Palavra de Deus transcende a história e ilumina a dignidade humana, em todos os tempos, lugares e situações. A sede de eternidade, gravada no coração de cada homem e cada mulher, confirma esta certeza da nossa fé, na comunhão de Vida com Deus, com a Virgem Maria e os irmãos, que já partiram deste mundo para o Pai. 

Servir com alegria e amor
Na sugestiva e belíssima página do Evangelho de S. Lucas (1,39-56), escutámos e acompanhámos a jovem Maria, que sobe apressadamente a montanha da Judeia para ajudar sua prima Isabel, que estava grávida. O “Sim” incondicional de Maria a Deus, face ao admirável mistério do Verbo Encarnado, abre-lhe um horizonte imprevisível de total doação e serviço aos outros. A sua fé profunda e viva é dinâmica: cheia de amor e de alegria corre a visitar e a ajudar Isabel, avançada em anos.

O encontro feliz entre as duas mães ficou célebre na História da Salvação. Maria e Isabel irrompem em cânticos de louvor. É a festa do Amor e da Alegria, porque Aquele que é a Vida e a Luz do mundo, está a chegar! Mistério admirável do Amor surpreendente de Deus, que as mães celebram, agradecidas!

Maria, a Mulher-Mãe, é a Arca da Nova Aliança, a portadora deste tesouro de graça e misericórdia, Jesus Cristo, o Filho de Deus. Assim se realizam as promessas feitas a Israel, que ela tão bem conhecia. Exulta, por isso, de alegria no Senhor, traduzindo os seus sentimentos no belo poema do Magnificat.

Com Maria aprendemos o louvor, o reconhecimento e a gratidão pelas maravilhas que Deus realiza em nós e por nosso intermédio; com Maria aprendemos a escutar assiduamente a Palavra, a pô-la em prática, a deixar que a mesma ilumine a nossa vida; com Maria aprendemos a “servir”, indo ao encontro dos outros, prestando atenção às suas necessidades e aspirações, agindo com fraternidade evangélica nas mais simples e variadas circunstâncias.

Diz o Papa Bento XVI: “A fé cristã é esperança. Abre o caminho para o futuro”. Aprendamos na escola de Maria a viver uma fé adulta, esclarecida e comprometida, na esperança e na alegria da oferta da vida e serviço alegre.

Ao serviço do Reino de Deus
Neste dia 15 de Agosto, são seis os Presbíteros da nossa Diocese que celebram aniversários jubilares das suas ordenações: cinco, as Bodas de Ouro, e um, as Bodas de Prata. É um dia de especial louvor e gratidão a Deus para os próprios sacerdotes, pela graça da vocação e missão recebidas, um dia de festa, em júbilo e acção de graças, como expressão de fé, amizade pessoal e comunhão eclesial, por parte das comunidades cristãs, que beneficiaram e beneficiam da sua acção pastoral. A todos expressamos a nossa união e solidariedade, no louvor e acção de graças deste grande dia!

Em comunhão com o Bispo Diocesano, os presbíteros são pastores do Povo de Deus, colocados ao serviço de todas as pessoas, no seguimento de Cristo e participando, pela ordenação, do Seu ministério de Bom Pastor, único e eterno Sacerdote.

A verdade do sacerdócio está neste serviço, em fidelidade a Cristo e à Igreja, que Ele constituíu depositária e distribuidora das Suas graças e dos Seus dons. Só à luz da fé se pode entender e aceitar o serviço, que é próprio da acção pastoral da Igreja. Ela não pode calar a Boa Nova, o Evangelho de Cristo, nas suas propostas e valores, nos seus constantes apelos à conversão, à transformação de cada homem e mulher no seu íntimo: coração, inteligência, vontade, consciência, comportamentos.

Como recorda o Evangelho, a árvore boa dá frutos bons! E S. Tiago acentua: “A fé sem obras é morta” (Tg 2, 17). Como também S. João: “Se alguém disser: “Amo a Deus”, mas não ama seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus a quem não vê. Temos de Deus este mandamento: quem ama a Deus, ame também a seu irmão” (1Jo. 4, 20).

É, sem dúvida, mais fácil apreciar e dar importância à acção social e caritativa da Igreja do que aos valores e caminhos da conversão, que ela proclama, como se fosse possível desligar estes dois pólos da acção evangelizadora: corações novos, mulheres e homens novos, para a construção de sociedades novas, de uma nova civilização, a “civilização do amor” (João Paulo II).

Com isto não se trata de fechar a acção da Igreja e dos cristãos, nos espaços e âmbitos internos ou privados, como muitos até pretenderiam. Pelo contrário, será criar maior consciência das responsabilidades sociais dos católicos e das instituições católicas. Não faltam documentos e interpelações do Magistério da Igreja, neste sentido e tocando, num desejo de cooperação com outras instituições de acção social, as mais diversas realidades e problemáticas da vida actual.

Está ainda muito vivo o alerta do Papa Bento XVI na sua recente Encíclica “Caritas in Veritate” (Caridade na Verdade), a favor da defesa e promoção da dignidade da pessoa humana e do bem comum, no seu conjunto, em campos tão exigentes como o progresso tecnológico, os meios de comunicação social, a bioética, o ambiente, a demografia e o modo de conceber, com ética, as empresas e a economia (“finanças éticas”). Assim escreve o Papa: “A maior força ao serviço do desenvolvimento é um humanismo cristão, que reavive a caridade e que se deixe guiar pela verdade” (nº 78).

Testemunho de um leigo
Apraz-me, a este propósito, expressar a minha alegria pela recente visita a esta igreja de Suas Majestades os Reis de Espanha, D. Juan Carlos I e D. Sofia. Foi grande o gosto que tiveram em conhecer um pouco da tradição e da história da nossa Padroeira, a Senhora do Monte, e em fazer memória, com natural emoção, do Imperador Carlos de Áustria, ainda ligado por relações familiares à Coroa de Espanha, perante o seu túmulo, que aqui se encontra.

Como tive oportunidade de lembrar, então, foi na Madeira, exilado da Áustria, que o Imperador passou os últimos quatro meses da sua vida, durante os quais nos deixou um belo e nobre exemplo de coragem e dignidade, amor à família, afabilidade e simplicidade, aceitação do sofrimento e paciência, sinais de um grande amor a Jesus Cristo. Faleceu aqui no Monte, a 1 de Abril de 1922, aos 34 anos de idade. Reconhecidas as suas extraordinárias virtudes, foi beatificado pelo Papa João Paulo II, a 3 de Outubro de 2004, fixando-se a sua festa litúrgica a 21 de Outubro, dia do aniversário do seu casamento. Espera-se que, em breve, possa avançar o processo de canonização deste homem católico, cujo testemunho de leigo comprometido na vida familiar, social e política, não poderá ser esquecido.

Visita da Virgem Peregrina
É grande a devoção e o carinho de toda a nossa Diocese pela Virgem Santa Maria, a jovem de Nazaré da Palestina, escolhida e preparada por Deus para ser a Mãe do Seu Filho Jesus e que por Ele, junto à cruz, nos foi dada como Mãe. É sempre a ela que nos dirigimos, seja qual for o título com que a invoquemos e celebremos as suas festas.

A partir do dia 12 do próximo mês de Outubro e até 13 de Maio de 2010, teremos connosco a Imagem da Virgem Peregrina de Fátima. Sabemos o gosto de tanta gente em acolhê-la! Não basta, no entanto, receber a imagem; mais importante é acolher a Mensagem, que ela nos traz da Cova da Iria, apontando caminhos de oração e penitência, conversão ao Evangelho, à Boa Nova dos ensinamentos de Jesus, segundo a recomendação de Maria-Mãe, nas Bodas de Caná: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2, 5).

Estou certo de que a passagem da Imagem Peregrina pelas paróquias da Diocese, sem retirar ou diminuir o sentido das devoções locais, constituirá para todas elas um tempo especial de graça: tempo de revisão de vida e conversão pessoal, tempo de oração e de renovação das famílias, dos grupos apostólicos, das comunidades cristãs no seu todo. Será, também, uma forma de motivar e mobilizar as comunidades, nesta caminhada preparatória da celebração dos 500 anos da Diocese do Funchal, que terá lugar em 12 de Junho de 2014 (cf. Anúncio da Visita, Santuário do Cabo Girão, 13 de Maio de 2009).

Súplica final
E, por fim, uma prece muito especial a Maria-Mãe, à nossa Padroeira:

Senhora do Monte, olhai para esta Diocese que é vossa; olhai para os emigrantes que aqui estiveram, nestes dias, e quantos nos acompanham pela rádio e televisão; abençoai e protegei todas as famílias, na sua união e fidelidade; abençoai e protegei as crianças e os jovens, os idosos, os doentes, os pobres, os desempregados, todos os que perderam a coragem de sonhar e de acreditar em Deus e nos homens. Que não nos falte a saúde, a paz e a concórdia, o trabalho e a prosperidade, o ânimo e a alegria da fé e da esperança para a vida de cada dia.

Senhora do Monte, nossa Padroeira, rogai por nós!

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