Resgatar o Natal

Padre Hugo Gonçalves, Diocese de Beja

O Natal aproxima-se e, com ele, a azáfama própria desta quadra: as luzes acesas nas ruas, as mesas que se planeiam com cuidado, os presentes que se escolhem, e o reencontro com a família que tantos aguardam. Tudo isto é belo e bom, mas facilmente se torna num ruído que abafa o essencial. O maior risco de cada Natal é repetir o primeiro: Jesus ficar de fora. Não por falta de vontade d’Ele, mas porque, distraídos, não lhe abrimos espaço. Maria e José encontraram portas fechadas naquela noite em Belém; hoje, o perigo é sermos nós os donos das casas que se fecham, inadvertidamente, ao próprio Senhor que chega.

Vale a pena perguntar-nos com sinceridade onde está Jesus no nosso Natal. Está apenas como tema de um cântico, como imagem num cartão ou como recordação longínqua de uma catequese antiga? Ou está verdadeiramente no centro, como Aquele que vem para habitar connosco? Se não tivermos cuidado, o Natal torna-se apenas um intervalo festivo marcado pela troca de presentes, pelas iguarias tradicionais e pela convivência familiar. Tudo isto ganha o seu sentido quando nasce da luz que brota do presépio; sem essa luz, até o mais bonito acaba por perder profundidade.

Precisamos de recuperar tradições que não são simples folclore, mas pedagogias de fé. Uma delas é recordar às crianças – e aos adultos – que é o Menino Jesus quem dá as prendas. Esta prática, tão enraizada noutros tempos, colocava o coração da festa no lugar certo: não somos nós os protagonistas, é Ele. Quando se diz a uma criança que o presente vem do Menino Jesus, ensina-se que todo o bem tem origem em Deus e que cada dádiva é expressão do Seu amor. É uma forma simples e bela de educar para a gratidão, para o reconhecimento e para a fé viva.

Outro ponto essencial é recuperar o sentido cristão da noite de Natal e do próprio dia 25. A Missa do Galo, a Missa da Aurora e a Missa do Dia são muito mais do que ritos: são encontros. Neles celebramos o Deus que entra na história, que assume a nossa fragilidade e que se faz próximo. Participar na Eucaristia não é um extra opcional; é o coração da festa, o momento em que acolhemos a luz que transforma tudo o resto. Há um Natal antes da Missa e um Natal depois da Missa – e é impossível confundir um com o outro.

Também nas nossas casas, há símbolos que educam e que mantêm viva a memória do primeiro Natal. Nos últimos anos, a árvore de Natal tem ocupado quase todo o espaço, tornando-se a peça central da decoração. Não há mal nisso, mas não pode substituir o presépio. O presépio é a catequese mais simples e profunda que existe: ali vemos Deus entre nós, pobre entre os pobres, acolhido por uns e ignorado por outros. Ao montarmos o presépio, lembramos que a fé se concretiza, que Deus entra na vida real – com palha, poeira, simplicidade e silêncio. Talvez por isso ele esteja a ser esquecido: o presépio não é espetáculo, é revelação.

Este ano, cada família é convidada a abrir portas ao verdadeiro Natal. Não se trata de rejeitar os presentes, os encontros ou as tradições festivas, mas de lhes devolver a sua raiz. Celebrar o Natal cristão é deixar que Jesus não seja apenas um adereço, mas o centro; não um convidado, mas o anfitrião; não um tema, mas o motivo. Se Ele nascer realmente no nosso coração e na nossa casa, então tudo o resto encontrará o seu lugar.

Que este Natal não repita o primeiro no que teve de mais triste – a exclusão –, mas no que teve de mais belo: Deus a nascer e a transformar o mundo a partir da simplicidade de um coração que O acolhe.

Pe. Hugo Gonçalves, Diocese de Beja

(Os artigos de opinião publicados na secção ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ do portal da Agência Ecclesia são da responsabilidade de quem os assina e vinculam apenas os seus autores.)

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