O peixe amarelo – Pistas para um mundo melhor

Será possível que, apesar das invenções e progressos, apesar da cultura, da religião e do conhe­cimento do universo, se tenha ficado na superfície da vida?

Julgo que o interesse e a vontade de lutar por um mundo melhor dependem mais do curso da vida, dos seus «rios subterrâneos», do que de qualquer tomada de consciência, racional ou estatística, das desigualdades económicas e sociais. O compromisso pelo bem comum começa quando se é atravessado pela interpelação de Rilke: “Será possível que, apesar das invenções e progressos, apesar da cultura, da religião e do conhe­cimento do universo, se tenha ficado na superfície da vida?”

Depois de estudar gestão, e de um breve período no sector privado, tive a sorte de transitar para organizações de cariz social. Primeiro, para a associação Chapitô e, depois, com um grupo de amigos, para a TESE – Associação para o Desenvolvimento.

Sem este tipo de organizações, ditas da sociedade civil, a sustentabilidade social e ambiental, a coesão territorial, a boa governação, a pujança e resiliência das comunidades, e a diversidade cultural ficariam seriamente comprometidas. Sem elas, a confiança e o capital social seriam débeis e poucas seriam as propostas de modelos de desenvolvimento e de produção de riqueza alternativos. O combate à pobreza, à exclusão social e às alterações climáticas, bem como a promoção do bem-estar, da biodiversidade, da cultura, e da participação cívica e democrática das pessoas dependem de uma sociedade civil robusta, atenta e inovadora. Sem esse tipo de organização civil, a sociedade jamais será um organismo vivo, são, sensitivo e criativo.

À escala global, os contrastes são cada vez mais vincados: metade dos habitantes do planeta vive com menos de dois dólares por dia e não tem as devidas condições de acesso a água, educação, saúde, crédito ou habitação. Acresce que apenas 1/6 das pessoas consome 4/5 dos recursos disponíveis e que 50% da riqueza do planeta está nas mãos de apenas 2% dos seus habitantes. E, porém, é possível acabar com a pobreza no prazo de uma geração. Assim haja vontade.

A geração a que pertenço será menos dada a ideologias políticas mas mais disponível para causas globais. A internet e os meios de comunicação deram-lhe uma cidadania global. Trata-se de uma geração de «pragmatopians», que combina bem idealismo e pragmatismo, que mantém viva a ousadia da esperança e o atrevimento da utopia, assentes na racionalidade do possível. Esta é a geração que não se revê no colectivismo totalitarista nem no liberalismo atomista, que não sacraliza o poder nem o lucro, que há-de vencer o oportunismo, a apatia e o desencanto, que não é uma multidão sem desejo, e que não será, certamente, o fracasso da virtude, nas palavras de Manuel Antunes.

O título do livro – O Peixe Amarelo – fica a dever-se a um conto de Herberto Helder, que conta a história de um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Ora, o pintor encontrava-se a pintar o peixe, quando este começa a mudar de cor para negro. O pintor vê-se, então, obrigado a interromper a obra “onde estava a chegar ao vermelho do peixe”. O preto colocava-lhe um problema, “formava a insídia do real e abria um abismo”. É então que, “ao meditar, o pintor percebe que o peixe mostrava que existia apenas uma lei. Era a lei da metamorfose. E compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou um peixe amarelo”. O «peixe amarelo» é, por isso, uma excelente metáfora da atitude de que depende o futuro.

Num tempo de caos e complexidade, numa sociedade do risco e da mudança e num mundo globalizado, o conhecimento e a inovação são as alavancas do futuro. O medo não deve amarrar-nos a fidelidades serôdias, não pode impedir-nos de habitar nas margens, nas fronteiras do (im)possível. E que papel deverá ter o passado? O da base da alavanca que há-de erguer o futuro. Reconhecendo-lhe essa importância, talvez o lugar certo seja na «retaguarda da vanguarda», mas não menos.

Escritos entre 2006 e 2009, na sua maioria para o jornal Diário Económico, os textos que aqui se publicam têm em comum o facto de terem procurado pistas para o futuro e para um futuro melhor. António Câmara (YDreams), Carlos Zorrinho (Plano Tecnológico), Diogo Vasconcelos (Cisco), Geoff Mulgan (Young Foundation) e Rogério Roque Amaro (ISCTE) também aqui apresentam “pistas para um mundo melhor”.

O peixe amarelo – Pistas para um mundo melhor
João Wengorovius Meneses
Editora: Pedra Angular
Ano: 2009
Páginas: 256
Preço: € 14,40
Ref.ª ISBN: 978-989-961-45-3-6

Com Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura

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