Hospitaleiras abrem portas a voluntários durante 50 dias e 50 noites

Experiência de serviço às doentes mentais quer ajudar a considerá-las como pessoas que sabem amar e que precisam de ser amadas

A Casa de Saúde Rainha de Santa Isabel, em Condeixa-a-Nova, iniciou a 1 de Agosto um período de 50 dias e 50 noites aberto ao voluntariado, proporcionando uma experiência de serviço às pessoas em sofrimento psíquico. A interacção com as doentes oferecerá igualmente a oportunidade para um encontro com Deus, consigo e com os outros.

A iniciativa «HospitaliDar sem parar! 50 dias e 50 noites» integra-se nas celebrações dos 50 anos da instituição, que acolhe 355 utentes do sexo feminino.

Durante a sua permanência – entre três dias e três semanas – os voluntários integrar-se-ão progressivamente nas rotinas do estabelecimento hospitalar, composto por cerca de 255 colaboradores: auxiliares de serviços gerais e de enfermaria, médicos de clínica geral, psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, professores de educação física e de natação, entre outros.

A comunidade religiosa da Casa de Saúde tem actualmente 40 pessoas, divididas em dois grupos. O maior, hospedado numa casa à parte, é formado pelas irmãs mais idosas ou que têm algum tipo de patologia que carece de assistência; o trabalho directo com as utentes da instituição é assegurado por 16 consagradas.

Um dia na vida de um voluntário

O programa proposto aos voluntários, com idade mínima de 13 anos, depende da sua faixa etária e da experiência adquirida ao serviço de uma instituição hospitaleira.

Em entrevista à Agência ECCLESIA, a Irmã Noémia explicou que, independentemente do percurso dos participantes, pretende-se que a sua actividade cumpra quatro critérios: contacto e serviço ao doente; formação no âmbito da saúde mental ou do aprofundamento da fé; convívio e interacção com os outros voluntários; crescimento da relação com Deus.

No que diz respeito à dimensão espiritual, cada dia é marcado por dois momentos de oração, que ocorrem geralmente ao princípio da manhã e à noite. Diariamente é proposto um trecho da Bíblia, relacionado com uma das dimensões da identidade hospitaleira – por exemplo, acolhimento ou serviço. Os voluntários são convidados a meditar nesse tema durante as actividades em que se envolvem. À noite, os participantes reflectem sobre a relação com os doentes, destacam as suas aprendizagens mais significativas e referem os momentos mais relevantes do seu trabalho.

Interacção progressiva

Para os voluntários que participam pela primeira vez neste género de experiência, a estadia começa por uma visita guiada às instalações da casa de saúde.

O segundo passo consiste no contacto progressivo com as utentes. Tudo começa com uma conversa. Depois vêm os passeios no jardim ou no exterior e a ajuda ao vestir e na alimentação.

Os voluntários participam igualmente em jogos tradicionais, através da integração em equipas constituídas pelas doentes e pelos jovens, bem como em actividades conjuntas realizadas na piscina.

A evolução do contacto com as pacientes depende igualmente do grau da sua patologia. Há um conjunto de doentes que se inscrevem na área da deficiência mental, podendo ser afectadas por um elevado défice cognitivo, o que exige maior esforço na comunicação. Uma parte significativa destes casos manifesta-se desde a nascença. Situação menos crítica é a das utentes que têm dificuldades ao nível da área psíquica, e com as quais é possível estabelecer uma interacção normal.

Da estranheza à familiaridade

Depois do primeiro contacto com a realidade da casa de saúde, são raros os casos em que os voluntários ficam logo à vontade, refere a responsável pela Pastoral Juvenil Vocacional das Hospitaleiras.

“Uma coisa é encontrarem um colega de escola ou um vizinho que tem algum problema na área da saúde mental; outra, é chegarem aqui e entrarem numa sala onde estão vinte ou trinta pessoas nessa situação. O choque de ver o número de doentes tem algum impacto para os jovens.”

O retraimento que por vezes se observa na aproximação às doentes, classificado como “normal” pela Irmã Noémia, é habitualmente desfeito pelas utentes, que são “as grandes especialistas na área das relações humanas”: “São elas que começam a quebrar as barreiras – agarram a mão, perguntam o nome, olham para os voluntários…”.

Se é verdade que alguns jovens ficam bastante inibidos na primeira visita, outros consideram que o serviço é mais fácil do que as suas expectativas. Ajudar uma doente a comer, por exemplo, pode ser um “bicho-de-sete-cabeças” para alguém que nunca esteve nessa situação. “Agora não vou ser capaz”, pensam alguns; mas quando regressam do serviço, concluem que o embaraço inicial é ultrapassado sem problemas de maior.

Por isso, afirma a Irmã Noémia, as maiores dificuldades esbatem-se normalmente no final do segundo dia.

Uma lição para a vida

O primeiro resultado da interacção com os pacientes é a eliminação dos preconceitos: “Os voluntários esbatem o estigma em relação à pessoa com a doença mental. Os jovens saem daqui com uma visão completamente diferente. Passam a olhar quem tem uma doença mental como uma pessoa, e não como alguém estranho e de quem se tem medo”. Por isso, acrescenta a Irmã Noémia, “vão passar a acolher e a respeitar o doente que tem uma doença mental como uma pessoa que sabe amar e que precisa de ser amada”.

Esta percepção é integrada na vida do voluntário, sendo geralmente transmitida aos seus familiares e amigos, que desta forma também adquirem uma nova compreensão dos indivíduos afectados por este género de patologias.

Em alguns casos, a aprendizagem do dom da hospitalidade conduz a mudanças na área de estudos, visando a integração numa actividade profissional que, até então, não estava nos planos dos jovens.

A disponibilidade para partir durante um ano, às vezes mais, em direcção a países onde os Hospitaleiros têm comunidades – por exemplo, Moçambique e Timor-Leste – é outro dos frutos do voluntariado.

A experiência do serviço às doentes tem igualmente suscitado, em alguns jovens, o desejo de conhecer mais profundamente a vida dos Irmãos de S. João de Deus e das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus – ramos masculino e feminino dos Hospitaleiros – com vista a uma eventual entrada nessas – ou noutras – congregações religiosas.

Custo não é impedimento

A inscrição na iniciativa «HospitaliDar sem parar» é gratuita, embora os participantes sejam convidados a contribuir financeiramente durante a estadia, de acordo com as suas possibilidades. Mas, ressalva a Irmã Noémia, pretende-se que o custo não seja um impedimento para a participação.

A Casa de Saúde Rainha Santa Isabel é um dos 12 Centros do Instituto das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus. A instituição tem por finalidade essencial o tratamento, a recuperação e a reabilitação de doentes em saúde mental e psiquiatria.

Fotos: Casa de Saúde Rainha Santa Isabel, Condeixa-a-Nova

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