Homilia de D. Manuel Clemente na benção de finalistas

Na Avenida dos Aliados o Bispo do Porto indicou «Uma esplêndida bênção para o mundo!» Caríssimos finalistas, amados irmãos e irmãs, e muito especialmente todas as mães aqui presentes, neste dia que lhes é dedicado, bem como à oração pelas vocações: Celebramos um Domingo pascal, o que significa que estamos na presença de Cristo, ouvido na Palavra, celebrado na Eucaristia e pressentido no rosto de cada irmão e na grande comunidade que formamos agora nesta bela praça central da nossa cidade do Porto. Enunciei-a depressa, mas levaremos muito mais anos do que levou o vosso curso superior a saborear e a entender esta grande verdade da nossa vida, só por isso cristã. Cristo está vivo e é n’Ele que vivemos e convivemos também. É exactamente como disse e prometeu há dois milénios: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles”. Não levantemos os olhos a sondá-lo acima das nuvens. Nem sequer precisamos de fechá-los, para o imaginarmos porventura. Olhemo-nos uns aos outros e a todos como um só. Mais do que para receber a bênção das pastas, mais do que para festejarmos de modo solene e festivo a conclusão dos cursos, estamos aqui porque a promessa de Cristo foi cumprida, e Ele nos congrega pela atracção do seu Espírito, para louvar o seu e nosso Pai celestial. Reunimo-nos, pois, e escutámos a Palavra. Fixemo-nos brevemente nalguns trechos, entre muitos outros que podiam ser. Perguntemo-nos, por exemplo, donde vinha tanta certeza a Pedro, para dizer o que ouvimos na 1ª leitura: “Em nenhum outro [senão em Jesus] há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos”!? Dita assim, a afirmação pode espantar. – Como encarar tantos homens e mulheres, das mais diversas tradições e sabedorias, antigas e actuais, que não conheceram Jesus, nem o reconhecem ainda como Cristo e salvador? Mas a resposta a esta possível objecção sabemos bem qual seja, nós que encontramos n’Ele a correspondência universal às interrogações e expectativas que transportamos, por nós e pelos outros. Às interrogações e expectativas que, por não serem relativas e episódicas, mas essenciais e eternas, já estão na ordem da “salvação” propriamente dita. Nós, que mantemos com Jesus uma relação sempre surpreendente, tão ampla é a sua proposta, tão fecunda a substância. Sabemos que a questão da salvação não se resolve do nosso lado, como se a tivéssemos de forjar com máximo engenho e suma arte, mas do lado de Deus, que no-la oferece assim, na humanidade de Cristo onde a própria divindade se entrega. Só n’Ele encontramos a salvação, porque – mais além do que contra qualquer expressão elevada da sabedoria ou da indagação religiosa da humanidade – em Jesus nada fica de fora do amor de Deus, pois n’Ele está todo o céu como oferta e toda a terra como acolhimento e retorno. Quem ainda não O conheça só espera que lh’O comuniquemos, pois o que temos “em vez” dos outros é também o que temos para os outros. Isto pela vida em geral e pela aptidão particular de cada um. Também por isso o vosso curso é abençoado, pois nada fica fora do Cristo que vos totaliza, para o Pai e para os outros, no seu Espírito de amor, tão universal como concreto. E com isto, caríssimos finalistas, continuareis o vosso percurso, com a aptidão que adquiristes e agora agradeceis a Deus, aos professores e aos vossos familiares e amigos. Através da actividade que criardes ou conseguirdes, será a vossa própria realização que acontecerá. E, incluída essa realização na vossa relação com Cristo, tem o nome específico de “salvação”. Com Cristo, o sentido do trabalho, o esforço dispendido, a obra feita, tudo se torna “religião”, ou seja, relação com Deus e com os outros a partir de Deus. Isto significa que nada se perderá ao longo da vida, por maior ou menor que seja o êxito, por mais largo ou minguado que seja o reconhecimento dos outros, por mais generosa ou pequena que seja a retribuição material. Trabalho feito com Deus, para realização própria e alheia, é trabalho ganho de antemão. Como grandes arquitectos e humildes pedreiros levantaram catedrais, como grandes cientistas e ignotos pesquisadores alargaram o conhecimento, como grandes compositores e simples músicos sublimaram a sua arte, todos, absolutamente todos, se eternizaram com Cristo, o próprio Filho de Deus feito o mais humilde dos operários. Pouco a pouco e mais e mais, nos anos todos que somardes duma existência crente e aplicada, crescerá em vós a semelhança divina. Diz sabiamente o nosso povo: “Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”. Mais sabiamente nos disse São João na 2ª leitura o que seremos, permanecendo e crescendo com Cristo: “Caríssimos, agora somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Mas sabemos que na altura em que se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porque O veremos como Ele é”. Não é prometer muito da parte do Apóstolo, porque tudo nos foi dado em Cristo, da parte de Deus. Tendes aí o caminho aberto, em realização plena que é salvação também. Outros caminhos existiriam, como sabeis… Caminhos ou descaminhos, propondo duas coisas sumamente contrárias a uma realização verdadeiramente humana: que fosse imediata ou que fosse parcial. Uma satisfação imediata, geralmente egoísta e alienante, negaria a vossa vida como trabalho e continuidade, características indispensáveis do ser humano, que só no tempo se desdobra e consegue. Uma realização parcial valorizaria apenas a maior ou menor habilidade, o maior ou menor sucesso neste ou naquele aspecto da existência. Com Cristo e no Espírito de Cristo, tudo ganhará sentido como crescimento integral e pessoal: integral, porque abarcará todas as dimensões do vosso ser, das mais técnicas às especulativas, das mais laboriosas às afectivas; pessoal, porque em tudo, mesmo nos obstáculos e revezes, encontrareis oportunidades de crescimento como seres em relação, com Deus e com o próximo. “Sereis semelhantes a Deus”: acreditai que é isso mesmo que esta bênção vos promete. Tomai a vossa vida, profissional e geral como um caminho de semelhança divina, no Espírito de Cristo, para realização integral vossa e para felicidade de todos os que darão graças a Deus por vos terem conhecido. O Evangelho deste Domingo “do Bom Pastor”, traz-vos directamente a palavra de Cristo, que desse modo se apresenta. Creio até que, da vossa vida cristã até aqui, antes e durante os anos escolares que agradeceis, o que ficou de mais decisivo foi precisamente a experiência forte de que, venha o que vier, nunca estareis sós, antes acompanhados por Aquele que se aproximou para sempre da natureza e da aspiração de cada ser humano: Cristo, Deus Filho e homem verdadeiro, “Bom Pastor” da humanidade inteira. Que importante é reter na memória e saborear no coração as palavras ouvidas: “Eu sou o Bom Pastor: conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-Me”. E isto mesmo com toda a substância que o “conhecer” bíblico encerra. Cristo conhece-vos, caríssimos finalistas, conhece cada um de vós, fez de algum modo sua as vossas vidas, estará convosco em cada momento delas, com a voz serena e calorosa que deveis ouvir cada vez melhor, aprendendo-lhe a força ou o sussurro, mas ouvindo-O sempre. Meus amigos, que o barulho difuso e atordoador que tantas vezes nos envolve não supere nem apague a voz de Cristo Bom Pastor, que fala no íntimo dos vossos corações e no mais fundo das vossas consciências. É muito importante que encontreis da parte da sociedade a abertura devida à vossa vontade de a servir, em vidas profissionais consentâneas com a vossa preparação específica. Mas também é importante – e importantíssimo! – que nunca deixeis de ouvir a Cristo que, convosco e em vós, quer realizar o próprio mundo, como mesa copiosa e fraterna da partilha universal. Mais, muito mais importante do que saber como vai ser a vossa vida é saberdes com Quem vai ela ser, haja o que houver: – Será com Cristo, o Bom Pastor, que vos dá a sua vida, essa mesma em que se encerram o céu e a terra! Deixai-me finalmente particularizar as vossas mães e todas as mães aqui presentes, neste dia que também leva o seu nome. – Deus as recompense a cem por um por toda a generosidade com que criaram os seus filhos e filhas, por todo o carinho que lhes devotaram e sempre devotarão! Também Cristo teve uma Mãe neste mundo, que tanto O acompanhou com o amor que d’Ele mesmo recebera, pois n’Ele tudo foi criado. Pelas mães passam muito especialmente os sentimentos de Cristo Bom Pastor, que nos corações amigos encontra o melhor reflexo e mediação para chegar a todos nós! – Deus vos abençoe, caríssimos finalistas. E faça de cada um de vós uma esplêndida bênção para o mundo! Porto, Avenida dos Aliados, 3 de Maio de 2009 + Manuel Clemente, Bispo do Porto

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