“ Os judeus pedem sinais e os gregos procuram sabedoria; nós pregamos um Messias crucificado” ( 1 Cor 1,22 9) 1. A vinda de Cristo ao mundo é o sinal vivo de que Deus cumpre as suas promessas, que desde sempre haviam sido feitas à Humanidade e que nos diz que um mundo novo é possível. A esse mundo novo, o Evangelho de S. Marcos chama Reino de Deus. Assaltam-nos constantemente perguntas várias e questões difíceis que não encontram respostas evidentes no coração humano: como se compreende o sofrimento e a morte no contexto do anúncio de um Reino novo? Todos nós dirigimos a Deus palavras tantas vezes inconsoladas em momentos de provações dolorosas com o coração magoado pela doença e pela dor. Quantas vezes como Job, Jeremias ou Jesus clamamos a Deus a nossa dor! À oração nesses momentos junta-se toda a densidade da nossa incompreensão diante do mistério da dor, do nosso desencanto face à incapacidade de ajudar quem sofre e minimizar o seu sofrimento, das nossas lágrimas tão humanas e tão frágeis perante quem chora e quem sofre. 2. Ajudam-nos nestas horas como ajudaram Jesus no Calvário e no caminho que ali O conduziu a consolação recebida dos mais atentos, a presença solidária dos mais generosos e a ajuda corajosa de todos os cirineus. Esta imprescindível ajuda, à mistura com a força inquestionada da fé, conduz-nos à consolação da confiança que, sempre e também nestas horas, descobrimos e encontramos em Deus. Somos chamados a educar os nossos sentimentos para a compaixão. Façamos tudo para que ninguém se sinta abandonado nas horas mais difíceis da vida e para que a solidão nascida da indiferença seja para sempre abolida entre nós, os cristãos. Somos igualmente convidados a fazer nossa oração o clamor de quem sofre. Apresentamos a Deus o sofrimento sentido e encontrado nos nossos irmãos, que desta forma fazemos também nosso sofrimento, tornando-nos cirineus da sua cruz e presenças no seu calvário. A proximidade do sofrimento, a oração aí nascida, a presença testemunhada, as palavras ditas ou caladas dessas horas transformam-nos por dentro. A solidariedade e a caridade encontradas manifestam-nos o amor de Deus. Este amor divino e o amor humano de que formos capazes junto de quem sofre modelam o nosso coração. 3. Nesta Sexta-Feira Santa olhamos para a Cruz de Cristo e no Justo ali suspenso descobrimos o sinal redentor da humanidade e reencontramo-nos com a dor de todos os nossos irmãos que sofrem. Habituei-me desde sempre a ver no sofrimento um caminho de santidade e deu-me o meu ministério a ocasião e a bênção de encontrar verdadeiros santos em marés vivas de profundo sofrimento. A serenidade, a fé e a coragem são sinais do mistério redentor daqueles que completam em si o que falta à paixão do Senhor, como afirma S. Paulo. Neles se inscreve a concretização das bem-aventuranças. “Bem-aventurados os que choram porque serão consolados. É deles o Reino dos Céus.” 4.Cumpre-nos neste momento da celebração da Paixão do Senhor afirmar a importância e defender o lugar insubstituível de quantos na vida dedicada de todos os dias no silêncio abençoado das famílias, na disponibilidade generosa dos visitadores dos doentes nas comunidades cristãs, nas capelanias hospitalares ou prisionais, no voluntariado cristão em tantas frentes de serviço aos que sofrem, são verdadeiros cirineus nos caminhos dolorosos do nosso tempo. Esquecer, desvalorizar ou restringir este serviço pastoral constituirá uma ofensa irreparável àqueles a quem mais devemos. A Igreja quer, nesta palavra de homenagem e gratidão a quantos trabalham nestes diferentes serviços pastorais, dizer que está com os que sofrem e não abdica desta presença solidária e cristã junto deles. 5. Diante de Jesus na cruz, vítima inocente do pecado da humanidade e do mal do mundo, estava Sua Mãe como estão sempre as mães diante da cruz dos filhos e como devem estar sempre os filhos nos momentos de sofrimento das suas mães. Diante de Jesus na cruz olhamos com redobrado afecto e acrescida preocupação para todos os crucificados da vida, para as vítimas inocentes de catástrofes da natureza, como são as vítimas do sismo em Itália, e para as vítimas da violência e da injustiça humanas. Sabemos todos como o mal também hoje atinge pessoas, famílias, grupos humanos ou mesmo povos inteiros. É a hora de cruz e de dor, de violência e de guerra a hora que se vive em muitos lugares do mundo, causando dramas humanos e vítimas inocentes cujas lágrimas e dores são as lágrimas e dores de todos nós. É tempo de nos fazermos mensageiros corajosos da redenção que da cruz nos vem para que a Páscoa da alegria, da esperança, da liberdade, da justiça, da paz e do bem esteja ao alcance de todos. Sé de Aveiro, 10 de Abril de 2009 + António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro