Cinema: Raro, belo e quase impenetrável

Em 2006, Albert Serra inicia a sua carreira de realizador de longas metragens com um filme difícil, fora do comum, que muito se aproxima dos velhos caminhos da “arte e ensaio”. Aproveitando as paisagens que servem de fundo à longa peregrinação de D. Quixote e Sancho Pança, “Honra e Cavalaria” pintava a personalidade destes da melhor maneira, em longos planos e sem qualquer preocupação em se afastar de um estilo certamente difícil para a generalidade dos espectadores. Dois anos depois deste seu filme, que arrecadou o prémio FIPRESCI* (Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica) para Melhor Filme em Veneza, Albert Serra regressa ao panorama cinematográfico internacional com “O Canto dos Pássaros”. Mantendo o princípio da beleza quase austera, destituída de qualquer sorte de artifício, “O Canto dos Pássaros”, é sobretudo um exercício onírico de extraordinária sensibilidade estética, colocando-nos de novo em peregrinação, mas desta feita com os Reis Magos. Todo filmado a preto e branco e com luz inteiramente natural, três reis caminham, na sabedoria, no despojamento (até mesmo dos seus camelos, aqui ausentes) em busca de Jesus, a Boa Nova. Paralelamente à peregrinação dos Reis Magos, a vida de Maria, José e Jesus chega-nos num retrato despojado de décors, de palavras, mas esteticamente belo nos enquadramentos, na sua postura contem-plativa, no recolhimento, no parco diálogo, até mesmo no contexto agreste em que vive. Filme difícil mas valioso que não nos traz propriamente uma história, “O Canto dos Pássaros” exige do espectador uma capacidade gratuita de entrega, outra de simples contemplação, prometendo conduzir-nos por caminhos de pura arte e beleza fílmicas, dignas de Beckett ou Buñuel, oferecendo aos olhos e ao nosso espírito uns momentos verdadeiramente inspiradores e outros de uma beleza quase impenetrável. Margarida Ataíde

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