Há quanto tempo não se confessa?

É a segunda vez que me encontro com este monge beneditino de Munsterschwarzach, chamado Anselm Grun. A primeira foi num desconcertante livro sobre Deus e o sofrimento, com uma luta leal entre os dramas humanos e a sábia providência de Deus. Desta vez, na livraria, olhei primeiro o título, e quase no fim da introdução voltei à capa e reparei que o autor não me era estranho. Tem a ver com o sacramento da penitência e com todas as lutas que travamos connosco próprios para a nossa reconciliação interior, o diálogo sobre a nossa condição de pecadores, a Igreja como lugar de reflexo do nosso arrependimento e do reconfortante perdão de Deus. Sabendo nós que podemos voltar a pecar e que mesmo assim não estamos abandonados nem por um momento à nossa solidão ou desesperança. Faz-nos bem recordar que o sacramento do perdão nem sempre teve as mesmas formulações ao longo da história da Igreja. Mas sempre se revestiu duma desconcertante exposição da misericórdia de Deus. Intrometeram-se culpabilidades doentias e humilhantes quase deixando, ao contrário do que fez Jesus, o pecador amaldiçoado por si mesmo em angustiado desprezo e repugnância. O Sacramento da Penitência entendido e vivido na sua profundidade é um momento privilegiado de reconciliação libertadora dos próprios medos. Nesse sentido o diálogo sobre nós mesmos em plena celebração é simples, transparente e revitalizador. Divino e humano, esse abraço relança-nos num caminho pacificado que não apaga a nossa história de pecadores mas não se detém nela. É, pelo contrário, um contínuo relançamento do nosso futuro sob o olhar benigno e paternal de Deus. Bem diferente do pesadelo que o dizer-se pecador representou e ainda pode representar para alguns. Nem medo, nem angústia, nem complexo. Apenas como o filho pródigo que na estrada de regresso só imagina o abraço paterno que afinal aconteceu. Na verdade o pai nem o deixou acabar a confissão. E acontecerá muito mais vezes porque a nossa vida nunca é uma vez única de partir e regressar. É a viagem constante da nossa limitação e da experiência secreta do grande abraço que Deus nos dá a cada hora que regressamos. Custa até crer que este sacramento esteja, como se diz, em crise. É um bálsamo gratuito de Deus que nos liberta das nossas auto-flagelações. Complicado é cada um estar abandonado a si próprio, enrolado no seu eu, sem referência, nem partilha, nem comunidade. Esta Penitência de Anselm Grun é mais um opúsculo que um livro. Com a experiência do autor como penitente e confessor. Para mais, ilustra-se com levíssimos desenhos que parecem os nossos passos de crianças felizes no regresso a casa. Não é redundante a pergunta: há quanto tempo não se confessa? António Rego

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