O regresso (sem fantasmas) de Darwin

200 anos depois do nascimento de Charles Darwin (12 de Fevereiro de 1809) e 150 anos após a sua mais famosa obra, a “Origem das espécies”, regressa ao Vaticano o debate sobre a relação entre evolução e criação, merecendo mesmo em Março a realização de um congresso sobre o tema “A evolução biológica: factos e teorias», organizado pela Universidade Gregoriana, com o patrocínio do Conselho Pontifício para a Cultura (ver Caixa). Este é um tema que apaixona cientistas, filósofos e teólogos. A opinião pública despertou para a reflexão que sobre ele se faz em Igreja quando, em Setembro de 2006, Bento XVI reuniu com os seus antigos alunos de doutoramento em Teologia, em Castel Gandolfo, para discutir questões relativas à evolução darwinista e à Criação, com a presença de personalidades como o presidente da Oester-reichichen Akademie der Wissenschaften, Herbert Mang, o jesuíta Paul Elbrichk, professor de filosofia em Munique, ou o filósofo Robert Spaemann. Uma das vozes mais activas no debate em curso é a do Cardeal Christoph Schoenborn, Arcebispo de Viena. Em entrevista à Rádio Vaticano, o Cardeal austríaco disse que “se tudo for fortuito, a vida não tem sentido”, precisando que “nem todas as explicações da evolução, do devir do mundo, da vida ou do homem são compatíveis com a fé”. A Teoria da Evolução foi evocada várias vezes pelo Papa, desde o início do seu Pontificado. Na própria Missa de início de Ministério, a 24 de Abril de 2005, Bento XVI afirmou na homilia que “nós não somos o produto casual e sem sentido da evolução”, explicando que cada um “é o fruto de um pensamento de Deus”. A 6 de Abril de 2006, num encontro com os jovens da Diocese de Roma, o Papa explicou que “a grande opção do Cristianismo é a opção pela racionalidade e pela prioridade da razão”, “que nos mostra como por trás de tudo haja uma grande Inteligência, na qual podemos confiar”. Nesse discurso rejeitou uma outra opção possível, pela qual “se defende a prioridade do irracional, segundo o qual tudo o que acontece na nossa terra e na nossa vida seria apenas ocasional, marginal, um produto irracional a razão seria um produto da irracionalidade”. Na Vigília Pascal, a 15 de Abril do mesmo ano, o Papa falou da ressurreição de Cristo utilizando “por uma vez a linguagem da teoria da evolução” como “a maior «mutação», em absoluto o salto mais decisivo para uma dimensão totalmente nova”. Em Novembro de 2008, Bento XVI voltou a abordar a relação entre criação e evolução, defendendo que o cosmos não é um sistema caótico, mas sim ordenado, sendo possível “ler” nas suas regras internas a presença de um criador. Num discurso dirigido aos participantes da assembleia plenária da Academia Pontifícia das Ciências, o Papa frisou que afirmar que a criação do cosmos e o seu desenvolvimento sejam fruto da “providencial sabedoria” de um criador não é o mesmo dizer que a criação remonta apenas ao início da história do mundo e da vida. O criador “dá origem” aos seus desenvolvimentos” e “ampara-os continuamente”. Ao contrário do que se chegou a avançar na imprensa, Bento XVI não veio a público “adoptar” a teoria do “desígnio inteligente”, muito popular em várias Igrejas Evangélicas e com uma importância crescente nos EUA. Mesmo não tendo passado de rumores, ouviram-se críticas a insinuar que esta teoria não é mais do que um disfarce para o Criacionismo e um substituto para a leitura literal do Génesis, segundo o qual Deus criou o mundo em 7 dias. A verdade é que a Igreja Católica, com o avanço da exegese bíblica, tem hoje uma leitura da Bíblia muito diferente da que oferecem algumas Igrejas Cristãs, não vendo nos dois relatos da Criação no Génesis (apenas um deles faz referência aos famosos 7 dias) uma explicação científica para a origem do universo. Segundo a fé cristã, a Criação é o acto pelo qual Deus, do nada, deu e mantém a existência de tudo quanto existe; esse início foi coincidente com o início do tempo. Quanto ao aparecimento sucessivo dos diversos seres vivos cada vez mais complexos, a Igreja está hoje aberta a uma explicação baseada numa evolução comandada por leis naturais estabe-lecidas pelo Criador desde o início. Fiorenzo Facchini escreveu no Jornal do Vaticano que a posição da Igreja Católica aponta que a emergência do ser humano supõe um acto de Deus e que a vertente espiritual do homem não pode ser vista como um mero produto do processo da evolução natural. “O projecto divino da criação pode ser levado a cabo através de causas secundárias no curso natural dos acontecimentos, sem que seja necessário pensar em intervenções miraculosas que apontem numa ou noutra direcção”, lia-se no artigo de L’Osservatore Romano. A revista jesuíta «Civiltà Cattolica», publicada na Itália, considerou ser “gravemente erróneo e sinal de um não conhecimento da natureza, religiosa e não científica, da Bíblia ver uma contradição ou uma oposição entre o que afirma a Bíblia sobre a origem do homem e o que diz a teoria da evolução”. Ao fazer o paralelo entre a narração bíblica e a teoria da evolução, conclui que se trata “de duas visões acerca da origem do homem que não só não se contradizem, mas se completam, com a condição de que o cientista não pretenda excluir cada intervenção de Deus da formação do homem, e o crente não pretenda procurar e encontrar na ciência a confirmação de quanto diz a Bíblia”.

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Agência ECCLESIA

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