Consagrado e missionário hoje

O título é pertinente, hoje mais do que nunca. Desafia-me a entrar no fundamental e existencial da vocação consagrada e missionária. Só há um caminho de abordagem: o existencial. Na impossibilidade de tocar todos os aspectos, vou cingir-me a 4, mais visíveis a todos, seja religiosos como cristãos que convivem de algum modo com consagrados missionários. Identidade e comunhão S. Marcos diz-nos que Jesus subiu ao monte e chamou os 12 para estarem com ele e para os enviar a pregar (Mc 3,13-14). A primeira parte do apelo é para “estarem com Ele”. Esta expressão, ou atitude manifesta a intimidade que Jesus de Nazaré quer criar com cada pessoa: conhecer, ver, escutar, entrar na intimidade, percorrer os mesmos caminhos, tomar consciência das opções de Jesus, da sua meta, o sentido da sua vida, o relacionamento com o Pai e com os outros. Aprender vivendo, fazer caminho, tomar opções de vida. É entrar na intimidade daquele que chama, Jesus de Nazaré. Nesta intimidade a pessoa consagrada liga-se com laços de fraternidade a todos os homens e mulheres a quem o Senhor ama como filhos e redime com a sua morte e ressurreição. Só identificando-me com Jesus de Nazaré posso entrar em comunhão perfeita com os outros meus irmãos. Em situações de fronteira, os missionários percebem como são débeis. Aí se sente, de maneira especial, que é Deus que tem que nos guiar e proteger. Aí sabemos dar espaço ao espírito que nos indique o caminho a seguir. A nós resta confiar e avançar. A comunidade é vital. É aí que se projectam as actividades, se amparam os confrades, se vive, se reza, se choram as tristezas e se faz a festa. Anúncio e profecia S. Paulo escrevia aos cristãos de Corinto: “Ai de mim se não evangelizar” (1Cor 9,16). João Paulo II afirmou em 1991 na Redemptoris Missio (nº 1) que “a missão está ainda bem longe do seu pleno cumprimento”. Jesus chamou os 12 também para os enviar a pregar (Mc 3,14). Este anúncio directo ganha credibilidade no viver com as pessoas, no partilhar a sua sorte, na luta conjunta por melhores condições de vida e maior dignidade humana. O diálogo cultural e religioso é, sem dúvida hoje, uma forma privilegiada de anúncio do evangelho. O consagrado missionário é chamado a dar “razão da sua esperança a quem lha pedir” (1Pd 3,15), a partilhar com a vida o que, ou quem, a leva a estar ali. Ao longo da história da igreja os institutos de vida consagrada em geral e os missionários em particular, foram surgindo como vozes proféticas. Ser profeta é ser a voz de Deus na história. A Igreja é o grande sinal que Deus escolheu para profeta e sentinela permanente do seu Reino. A vida consagrada aparece como vocação especial para incarnar este testemunho, iluminando certos aspectos da missão da Igreja. Os consagrados despertam a Igreja para a sua própria vocação: são, como diz Michael Amalados, o pólo profético no interior da Igreja. Como ser hoje sinais das bem aventuranças do reino, na nova cultura emergente, em ruptura com o evangelho, que perdeu quase todas as mediações culturais por onde passava a nossa imagem: família, escola, a cultura, o meio…? Para sermos profetas temos que assentar bem os pés no século XXI, evoluir, mudar, transformar-se. Isso pode ser tremendamente difícil e doloroso na vida consagrada e missionária. Justiça e Paz e Direitos humanos A sociedade mundial está mais sensível aos problemas humanos, sociais e económicos. Os missionários são confrontados quotidianamente com situações gritantes de injustiça, guerra, violência, descriminação, fome, doenças… Uma grande parte do seu tempo, está ocupado com estas realidades, que se traduz no concreto em acções de promoção humana, desenvolvimento, educação cívica… Cada dia que passa aumenta o número daqueles para quem a felicidade e um mínimo de condições de vida são palavras ocas de sentido. Aí, sobretudo em “países de missão”, os missionários são “velas acesas” para irradiar a luz de Cristo a todos os povos e lugares. Comunhão com a Igreja local É dos desafios maiores. Ao longo da história, os missionários foram chegando, fundaram comunidades, presidiam a essas comunidades… porque não havia alternativas. Hoje os tempos mudaram. As Igrejas locais estão organizadas, têm clero, religiosos e religiosas locais; formam agentes pastorais leigos… O trabalho do missionário hoje já não é tanto fundar e dirigir, mas estar ao serviço, ajudar a crescer esta Igreja, a formar agentes pastorais e pastores, a integrar-se nos projectos pastorais das igrejas locais. Hoje têm mais sentido as palavras de João Baptista: “é necessário que ele cresça e eu diminua”. Como propor a vocação consagrada? Aqui está o grande desafio do século XXI á vida consagrada missionária. Eu que trabalho na pastoral vocacional juvenil sinto isto como uma espada que me atravessa o coração. A vida consagrada missionária é uma “desafio de alto risco”. No mundo em que vivemos cada um por si, onde cada um tem tudo, onde a fraternidade tende a desaparecer, onde não preciso de sair de casa para ter tudo; como propor a um jovem uma vida de partilha, de fraternidade, de vida comunitária, de serviço, de dom total da sua vida em situações de guerra de violência de aniquilamento dos direitos humanos fundamentais? Quem quer correr este risco? E para quê se não há recompensa, se a culpa destas situações é daqueles que supostamente iríamos ajudar (pensamos muitos de nós!)? Que temos nós com isso? E a liberdade religiosa? Para quê anunciar Jesus Cristo se “eles” têm a sua religião e se salvam na mesma? Só um testemunho honesto e verdadeiro, de vida com Cristo e com os outros, pode ultrapassar todas estas barreiras e cativar alguns jovens. Só a apresentação de um Cristo ressuscitado em ambientes de morte, pode levar ao jovens a responder afirmativamente ao convite que Jesus de Nazaré continua a fazer: “vinde comigo e farei de vós pescadores de homens” (Mc 1,17). Pe. Leonel Claro, mccj

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