Paulo e os novos areópagos

É uma afirmação recorrente (um lamento, por vezes) e ganha particular força neste ano jubilar: “Se São Paulo estivesse aqui, faria desta maneira…” Sendo notável a atracção e o fascínio que a figura do Apóstolo nascido há dois mil anos consegue ainda exercer sobre os católicos dos nossos dias, não podemos, contudo, escamotear o facto de muitas vezes a evocação de Paulo se assemelhar mais a um encolher de ombros – do género: “Já não se fazem homens como ele” – do que propriamente à referência mobilizadora de um exemplo de vida e de fé que impulsiona cada um a ir ao encontro das pessoas nos novos areópagos do nosso tempo. São Paulo trouxe mais do que uma revolução na forma, foi verdadeiramente inovador e abriu novos mundos ao Cristianismo e à humanidade, que pôde encontrar nesta Boa Nova o estímulo para obras e gestos do mais nobre que o espírito humano foi capaz de produzir nos últimos dois milénios. O facto é que, ao evocar Paulo para falar da importância de estar no meio das praças modernas onde informação, convicções e relacionamentos se definem – com óbvio destaque para o impacto notável da Internet e da crescente globalização -, não podemos dar-nos ao luxo de o fazer num tom saudosista ou quase de súplica, como se só um Apóstolo das gentes fosse capaz de perceber o que fazer neste novo mundo. Ele fez algo de notável, no seu tempo, e desafia por isso os cristãos a serem capazes de seguir as suas pegadas, nos nossos dias. A humanidade mudou profundamente e neste ano jubilar, em que se celebram os 2000 anos do nascimento de São Paulo, é a mutação constante e a necessidade de encontrar novas linguagens, novos públicos e novos destinos para a viagem apostólica da Igreja no século XXI que se afiguram como os maiores desafios que a sua figura pode iluminar e ajudar a resolver. Antes de mais, como se disse, evitar mudanças meramente baseadas na forma, como se todos os novos instrumentos de comunicação ao nosso dispor servissem apenas como um novo embrulho. Paulo tinha plena consciência da necessidade de desenvolver todo um trabalho de adaptação e tradução para que cada povo, cada pessoa, pudesse entender o que estava verdadeiramente em causa com a mensagem cristã. Num tempo de redescoberta do espiritual e, paradoxalmente, de desvalorização crescente das religiões institucionais, é tarefa dos crentes adoptar um discurso adequado aos novos meios disponíveis, que não seja completamente alheio à linguagem e às sonoridades que as novas gerações se vão habituando a ouvir. Ficar de fora desta carruagem – por opção, ignorância ou negligência – é esquecer a coragem e o génio do Apóstolo, que esteve sempre na linha da frente para anunciar aquilo em que acreditava. Outro desafio é o de fazer valer a diferença de visões sobre o mundo e o ser humano no espaço público, sem sufocar, mas sem se deixar sufocar pela crescente secularização e pelo reinado do relativismo. São cada vez mais os protagonistas que, numa lógica de concorrência, procuram chamar a si a atenção de quem procura respostas, sentidos, caminhos: de Paulo é preciso lembrar a coragem, a persistência, o esforço que permite superar essas dificuldades naturais, quando se lida com o desconhecido. Quem acredita sabe que tem de falar em novos lugares, de novos modos e diante de novas realidades, sem que esse esforço seja sempre apreciado. Este é o “bom combate” a que cada um é chamado a travar, como dizia o Apóstolo, com todas as suas forças e com toda a criatividade, indispensável para trazer algo de radicalmente novo à vida das pessoas e das sociedades. Octávio Carmo, AE

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top