Em entrevista à Agência ECCLESIA, o patriarca de Lisboa afirma que é necessário uma estratégia europeia para as migrações, alertou para a possibilidade do direito à greve «atropelar direitos de terceiros» e referiu-se aos tumultos na região de Lisboa com «surpresa»
Lisboa, 22 dez 2024 (Ecclesia) – O patriarca de Lisboa afirmou em entrevista à Agência ECCLESIA que é necessário uma solução de âmbito europeu para as migrações, disse que as guerras “cilindraram completamente” valores tidos como “indestrutíveis” e referiu-se aos migrantes como “um trunfo”.
“Creio que é um grande desafio para nós, como sociedade portuguesa: que saibamos fazer dos migrantes – e agora vou ser ponderado na palavra que uso – que saibamos fazer de homens e mulheres que são migrantes não um problema, não uma ameaça, mas um trunfo, uma oportunidade”, afirmou D. Rui Valério.
Em entrevista à Agência ECCLESIA, emitida este domingo no programa 70×7, na RTP2, às 17h30, o patriarca de Lisboa disse que é preciso ir “com calma” quando se trata a questão dos migrantes “recorrendo a números” e não como “expressão de uma necessidade”
Também para esta questão da migração vamos encontrar, estou certo disso, uma solução em que ao mesmo tempo se afirmem estes dois valores: por um lado, promover a dignidade de quem chega, não estamos a pôr em causa a sua condição de ser humano, e, por outro lado, fazer com que, para o país, este migrante seja realmente um contributo, seja um fator positivo, seja um fator de progresso”, afirmou.
Sem se referir a casos concretos, D. Rui Valério considera que “o problema da migração, como outras questões que estão aí na ordem do dia, na análise social, alcançam uma certa dimensão que já não são solucionáveis apenas com medidas locais ou nacionais”, mas “só com medidas da União Europeia”.
O patriarca de Lisboa referiu-se também ao aumento de pessoas em situação de sem abrigo, alertando para a necessidade de “ter uma estratégia que não chega a ser local, não chega a ser nacional, tem de ser europeia”
Da parte da Igreja, a mensagem que nós temos para oferecer não se esgota aí, mas se calhar começa por aí, de saberem que nós estamos empenhados em, pelo menos, garantir o indispensável para a vida, para a sobrevivência”, afirmou.
D. Rui Valério disse que acompanhou “com alguma surpresa” os tumultos na região de Lisboa, em outubro último, referindo que são sinal “de um certo mal-estar que existe no interior das pessoas”, por não se sentirem “devidamente escutadas”, assim como as suas “justas reivindicações e exigências”.
“Estou muito esperançoso relativamente a isso. Porque quando nós visitamos os nossos bairros, quando nós vamos ao encontro das pessoas, nós verificamos que são pessoas que têm ali uma bondade genuína dentro delas”, indicou.
O patriarca de Lisboa comentou também situações de greves de serviços essenciais, sublinhando que são uma “conquista civilizacional de sociedades solidamente estruturadas” e alertando para a necessidade de haver um “elo de salvaguarda” de quem tem direito a um determinado serviço.
“É necessário fazer uma reflexão para nos questionarmos como, em última análise, a afirmação legítima de uma pretensão no respeito de um direito não esteja a atropelar direitos de terceiros”, advertiu.
A respeito das guerras em curso, nomeadamente na Ucrânia e na Terra Santa, o patriarca de Lisboa afirma que são guerras “contra natura”, porque “cilindraram completamente” os valores tidos como “indestrutíveis”.
“A partir da luz que irradia do Presépio de Belém, sejamos capazes de dizer não há guerra”, afirmou.
D. Rui Valério, que foi bispo da Diocese das Forças Armadas e das Forças de Segurança e atualmente é administrador apostólico, disse que a pastoral castrense
“é uma pastoral aberta” e de “fronteira”.
É um trabalho que é caracterizado por uma diversidade tal que acaba por ser uma fonte de fascínio para todos nós”, sublinhou.
O patriarca de Lisboa valorizou a “equipa episcopal” jovem, formada por D. Nuno Isidro, D. Alexandre Palma e brevemente também por D. Rui Gouveia, numa diocese com uma “realidade muito pluriforme, em que tem muito acentuadamente tanto a dimensão urbana, citadina, como a dimensão rural”, as academias, indústrias e tecnologias e os vários órgãos de soberania.
“Tudo isto faz com que haja uma dimensão pluriforme daquilo que é a realidade da diocese, à qual é necessário responder, à qual é necessário estar presente”, apontou.
Sobre a esperança cristã No dia 1 de dezembro de 2024, o patriarca de Lisboa publicou a primeira carta pastoral, sobre a esperança cristã, tendo no horizonte o Jubileu 2025, apresentando-a como “uma perspetiva de atuação”. D. Rui Valério afirma que a esperança “não é um piedoso desejo”, mas obriga à “mobilização de atuar”. “A esperança é, antes de mais, uma perspetiva de vida. A esperança é olhar para uma mesa que está carente, uma mesa que está pobremente caracterizada, e descobrir nessa pobreza rasgos de uma nova vida, de novos horizontes, de um novo futuro, de um novo tempo, de uma nova história”, apontou. Na entrevista à Agência ECCLESIA, D. Rui Valério afirma que “da esperança surge uma atitude de envolvimento, uma atitude de partilha, uma atitude de empenho na história, uma atitude de justiça”. “O ser humano será capaz de contornar e contrariar os ventos da história, se for um homem, se for uma mulher de esperança. Se não, é cilindrado pura e simplesmente pela força da angústia e pela força do desespero”, afirmou |
A entrevista do patriarca de Lisboa é emitida este domingo, no programa 70×7, na RTP2, pelas 17h30.
PR