Jornalista e cronista, «estruturalmente ateu», diz que os «Evangelhos não se aprisionam nas linhas do catecismo», que as parábolas de Jesus ecoam e interessam a muitas vidas e que na Missa, em que participa semanalmente em família, encontra «estética, uma palavra cuidada que interpela e é levada a sério»
Lisboa, 18 dez 2024 (Ecclesia) – João Miguel Tavares, jornalista e cronista, diz que a estética dos Evangelhos, “as histórias” que explicam “o reino de Deus”, a “abertura de sentido” que as parábolas provocam, “interessam a muitas pessoas que estão na fronteira do ateísmo”.
“A Igreja pode ter muitos problemas, e tem grandes problemas de relações públicas, e de coisas terríveis que nós ainda há pouco tempo atravessámos, com a questão da pedofilia, mas eu costumo dizer – Jesus Cristo tem ótimas relações públicas, porque Ele permanece quase sempre intocado no meio disto. Mesmo os ateus reconhecem: «mas aquilo que está escrito nos Evangelhos… ». E aquilo que está escrito nos Evangelhos é uma revolução, é absolutamente incomum e espantoso, deixa uma reverberação de verdade, há qualquer coisa que te atrai”, explica à Agência ECCLESIA.
O jornalista explica que “a fronteira do ateísmo” é um lugar imenso de trabalho a ser realizado.
“Os Evangelhos não se deixam aprisionar em linhas do catecismo, o mistério é vivo, e está sempre vivo, e quando nós tentamos prendê-lo, ele solta-se. As histórias estão sempre a revelar-te alguma coisa de muito profundo dentro da tua estrutura do ser, há sempre ali uma luz que te faz questionar”, indica.
João Miguel Tavares afirma ser possível “uma pessoa dizer que Deus não existe e acreditar em Deus”, porque acredita que para lá do Iluminismo que procura provar a existência de Deus, “há uma estrutura do ser”, na conceção do teólogo alemão Paul Tillich, que indica que “Deus é um chamamento” mas cada pessoa é que O traz à existência: “És tu que fazes Deus existir através do teu exemplo de vida”.
O jornalista diz ter encontrado em teólogos que foi conhecendo no seu percurso de buscador, as palavras que deram sentido ao que sempre procurou desde que contactou pela primeira vez com os Evangelhos e com o fascínio que estes lhe provocaram na adolescência.
“Richard Kearney, um teólogo irlandês, cunhou uma expressão «anataismo», que significa a procura de Deus depois da morte de Deus, ou seja, a imagem de um Deus todo-poderoso pode ser ultrapassada por aquilo que é um pensamento débil, uma teologia débil, ligada a um Deus que nasce frágil, e que morre na cruz. Eu acho que não há melhor para essa ideia de um Deus débil do que um Deus que morre na cruz. O cristianismo pode ser entendido também como uma religião nas fronteiras do ateísmo. Isso é uma coisa que pode interessar a muita gente. E por isso digo aos meus filhos, próximos da minha índole ateia, ‘não atires fora o bebé com a água do banho’ e por isso lhe digo ‘lá em casa os ateus também vão à missa’”, conta.
Batizado em pequeno, João Miguel Tavares celebrou a Eucaristia e o Crisma já adulto, depois de um período que afirma ter sido de “conversão” pelos encontros que teve na vida e fruto de amizades: um professor de Educação Moral e Religiosa Católica, Moisés Esteves, e também com o padre Armando Alves, que o levou para o movimento Convívios Fraternos, em Portalegre, cidade de onde é natural.
É nesta altura que o jornalista começa a ir a Taizé, comunidade ecuménica em França, dando início e inúmeras viagens que realizou ainda jovem e já depois casado com os seus quatros filhos.
“Em Taizé vive-se uma fé no osso. O cristianismo está na sua forma mais elementar. Não há grandes estruturas teológicas em relação às quais as pessoas tendem a discordar. Há mesmo uma espécie de simplicidade muito evangélica. E, portanto, o que ali está é o chão comum de protestantes, ortodoxos, católicos”, regista.
O jornalista dá conta de que ainda hoje se sente “estruturalmente ateu” – “Tenho problemas com o próprio credo” – mas explica nunca antes se ter sentido “tão confortável” como está, participando semanalmente na eucaristia em família numa comunidade onde explica que a “arte fala de Deus, a música e as palavras são levadas a sério, e onde a estética importa”.
A conversa com João Miguel Tavares pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA, emitido na Antena1, pouco depois da meia-noite, ficando disponível no podcast «Alarga a tua tenda».
LS