Primeira carta pastoral de D. Rui Valério à diocese sublinha necessidade de acolher migrantes, rejeitar a violência e defender a vida em todas as suas fases
Lisboa, 02 dez 2024 (Ecclesia) – O patriarca de Lisboa dirigiu a sua primeira carta pastoral à diocese, por ocasião do próximo Ano Santo, convidando todos a redescobrir esperança numa sociedade marcada pela pobreza e a solidão.
“O drama da solidão e da exclusão, da pobreza e da fome, já não [está] apenas em lugares distantes, mas cada vez mais próximo da porta de casa de cada um de nós”, escreve D. Rui Valério, num documento intitulado ‘Dai razões da vossa esperança’, sobre a esperança cristã.
A Igreja Católica prepara-se para celebrar, em 2025, o 27.º jubileu ordinário da história, por iniciativa do Papa Francisco, que o dedicou ao tema da esperança.
O patriarca de Lisboa convida as comunidades católicas da diocese a ser “testemunhas, arautos e missionários da esperança trazida por Jesus Cristo”.
“O principal capital humanitário que hoje a Igreja pode oferecer é a esperança, pois, quando apresentamos razões de a viver, testemunhamos inevitavelmente a presença de Cristo, vencedor da morte”, sustenta.
Para D. Rui Valério, o Jubileu da Esperança deve ser “um convite a mudanças estruturais na sociedade, para que cada pessoa seja reconhecida na sua dignidade e cuidada por aquilo que é: uma pessoa querida e amada”.
O texto assume a importância de “anunciar a dignidade de toda a vida humana, desde a conceção até à morte natural, passando pelos variados estados entre uma e outra”, citando “a incerteza e a insegurança em relação ao futuro de tantos jovens e jovens adultos”, bem como a “precariedade e a falta de condições para uma vivência digna de tantos migrantes”.
O responsável católico evoca ainda as vítimas das “guerras na Ucrânia, na Terra Santa e Médio Oriente, na República Centro-Africana e tantas outras formas de conflito, de ódio e de violência por todo o mundo”.
A carta pastoral assinala que “muitas das relações interpessoais transformaram-se em negócios, em que já não se mede a intensidade e beleza da vivência, mas o lucro ou perda delas decorrente”.
O documento evoca o percurso realizado pelas comunidades do Patriarcado nos últimos anos: o Sínodo de Lisboa (2016), a receção deste (2017-2021), a caminhada sinodal convocada pelo Papa (2021-2024), o percurso de preparação da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 e a sua realização.
“O Jubileu 2025 será, certamente, oportunidade para crescermos na correspondência ao sonho de Deus para a nossa Diocese”, indica D. Rui Valério.
Importa que tenhamos consciência de que, se nos envergonhamos, se nos fechamos ou se desatendemos a proclamação da Palavra de Deus, estamos a faltar ao compromisso com Deus e com os homens e mulheres nossos irmãos e irmãs”.
A carta sublinha a importância de valorizar a família, numa sociedade em que “o anonimato e a subjugação aos grandes sistemas sociais, políticos e económicos tantas vezes imperam”. O patriarca de Lisboa fala também da iniciação cristã, destacando que “já não se pode dar por adquirida a transmissão da fé”. “É preciso colocar o anúncio do Evangelho em primeiro lugar, se não queremos que a Igreja se torne apenas numa instituição de competências sociais”, apela. A carta aponta a “beleza das mil e uma expressões do catolicismo” como “caminho para mostrar a beleza própria de Deus”, antes de recordar que, durante muito tempo a “porta de entrada na fé cristã era a conversão moral”. “Devemos aproveitar este tempo para nos encontrarmos com os não-crentes, que estão unidos a nós pelas mesmas inquietações, interrogações e esperanças. Todos precisamos de alguém que nos olhe e acolha com esperança”, realça. O texto assinala também a atração exercida pelas peregrinações a Fátima, a Santiago de Compostela e a outros santuários. “O sentido fundamental da peregrinação encontra-se na esperança”, pode ler-se. Rui Valério apresenta ainda como lugares de esperança a “própria vida quotidiana” e a “realidade pastoral das comunidades cristãs”, desejando que estas sejam “porto de abrigo, onde o encontro com Cristo cura, consola, renova e fortalece”. A carta deixa indicações para a valorização da celebração da Eucaristia, do sacramento da Reconciliação e das celebrações exequiais. |
A carta adverte que, na sociedade secularizada, a esperança cristã foi “substituída pelo otimismo”, que, muitas vezes, “bloqueia a capacidade de ver a realidade”.
“É preciso retomar a esperança como virtude teologal, isto é, virtude que só se entende e só se pode viver na relação íntima com Deus”, defende o patriarca de Lisboa.
D. Rui Valério aponta à renovação de estruturas e práticas eclesiais, convidando as comunidades católicas a “reativar lugares de esperança”.
“A esperança não é uma ideia abstrata, mas implica sempre a necessidade de encarnar, precisa de ocupar os lugares humanos, de abrir processos de evangelização, de alargar horizontes de santidade”, escreve.
A carta pastoral foi entregue este domingo, início do tempo litúrgico do Advento, a representantes de toda a diocese, na Catedral de Lisboa, no final da Missa com a ordenação de 14 diáconos.
OC
O Papa Bonifácio VIII instituiu, em 1300, o primeiro ano santo – com recorrência centenária, passando depois, segundo o modelo bíblico, cinquentenária e finalmente fixado de 25 em 25 anos.
Com a bula Spes non confundit’ (A esperança não desilude), o Papa Francisco proclamou solenemente o início e fim das celebrações do próximo Ano Santo, entre 28 de dezembro de 2024 e 6 de janeiro de 2026. Na mesma Bula, o Pap estabelece como igreja jubilar as Catedrais diocesanas e fixou o dia 29 de dezembro do ano em curso para abertura solene do Jubileu, nas mesmas. |