Investigação em Filosofia, a partir da obra escrita e do pensamento de Wendell Barry, abriu a jovem de 26 anos a um caminho onde a ecologia, a espiritualidade e a sustentabilidade se encontram
Lisboa 27 nov 2024 (Ecclesia) – A jovem Maria Ressano Garcia disse que as mudanças sociais e eclesiais vão surgir a partir de “pequenas comunidades e pequenos gestos”, não a partir de alterações “repentinas, globais e poderosas” e propõe uma cultura a partir da agricultura.
“A mudança é feita de vidas e vidas de muitos lugares, de pequenas comunidades, de pequenos gestos, de pequenas atitudes que vão mudando e isto é mesmo bonito. Isto não significa que não há um papel para as políticas, para a cooperação global, para toda a organização que também é uma construção nossa, que é uma ferramenta que queremos usar, mas a verdade é que esta mudança é interior, é cultural, uma mudança de vivermos de forma mais ligada, responsável, frugal”, explica à Agência ECCLESIA.
Maria Ressano Garcia, 26 anos, fez a sua formação em Estudos Gerais e optou por fazer um mestrado em Filosofia, estudando a escrita de Wendell Barry, um escritor e poeta norte-americano que propõe, a partir de uma visão cristã, a redescoberta dos lugares, como herdeiros da memória, e com isso, uma agricultura sustentável, comunidades ruais saudáveis, o uso apropriado de tecnologias, a economia local, a frugalidade.
A jovem assinala o horizonte que foi ganhando com a leitura da encíclica do Papa Francisco, publicada em 2025, «Laudato Si», sobre o cuidado da Casa Comum, bem como experiências iniciais na Casa Velha – Associação Ecologia e Espiritualidade.
“Havia momentos na Casa Velha em que aprendia certas coisas que me alegravam imenso, e era sempre à volta disto da ecologia. E depois também vivia muita inquietação sobre qual o nosso papel. Um amigo falou-me de uma conferência intitulada ‘Filosofia, Teologia e Agricultura, o laço ausente’ onde ouvi pela primeira vez o nome do Wendell Barry”, recorda.
Na sua investigação, que resultou na tese «A Defesa da Vida Local em Wendell Berry?, Maria Ressano Garcia vai ao Kentucky, interior da América, conhecer o ‘Barry Center’ e encontra semelhantes inspirações com o que é vivido na Casa Velha, em Ourém.
O engraçado é que tanto a Casa Velha como o ‘Berry Center’ nascem porque há quem vivia uma vida rural que mudou profundamente, mas percebe que a vida rural se pode redescobrir, pode encontrar uma vocação diferente. Daí a proposta do Wendell Barry, ao lamentar uma cultura sem agricultura, porque a vida rural é necessária e enriquece-nos”.
A proposta de fomentar uma agricultura sustentável, privilegiando o local e evitando a industrialização, Maria reconhece ser desafiante tanto para a sustentabilidade da vida, para “o direito dos agricultores, da coesão territorial, de criação de parcerias”, mas também das relações.
“A agricultura significa o lugar da nossa própria fragilidade, da nossa dependência de uma terra que não dá frutos infinitos e de um ser humano que não pode arrancar à força mais do que aquilo que a terra pode dar. Esta proposta pede que nos resituemos, que resituemos o nosso desejo e que enfrentemos a nossa fragilidade”, reconhece.
“Quando penso na Casa Velha e nas parecenças com o ‘Berry Center’, que está do outro lado do mundo, acho que é precisamente um sinal de que quando procuramos aproximarmos, pôr os pés na terra, perceber os problemas, as feridas que as pessoas vivem localmente, percebendo que as coisas foram mudando, que coisas boas trouxe, que coisas más trouxe, procurando um olhar inteiro, vamos percebendo e sentindo a crise e que passinhos devemos dar”, acrescenta.
Maria Ressano Garcia reconhece que também o caminho na Igreja é semelhante.
“A esperança da transformação lenta é uma coisa mesmo importante, porque a transformação vai sempre ser lenta, e vai sempre vir pequenas sementes, e se não acreditarmos nisso, não as semeamos, nem tentamos. Acredito que Deus é mesmo o Deus da história, que está presente nestas pequenas coisas”, finaliza.
A conversa com Maria Ressano Garcia pode ser acompanhada no programa ECCLESIA na Antena 1, pouco depois da meia-noite, e disponibilizada posteriormente no podcast «Alarga a tua tenda».
LS