CNJP sugere aumento do salário mínimo para 450 Euros

A propósito da fixação do salário mínimo para 2009 Reflexões da Comissão Nacional Justiça e Paz A fixação de um salário mínimo envolve, certamente, a consideração de aspectos técnicos, nomeadamente aqueles que se prendem com a respectiva incidência no emprego/desemprego ou na competitividade externa, mas é, sobretudo, uma questão ética e política. É uma questão ética, porque da sua determinação decorre, directa ou indirectamente, o nível de rendimento de uma parte dos trabalhadores por conta de outrem, precisamente aquela que se encontra em situação de maior vulnerabilidade à pobreza. E, porque a remuneração do trabalho é, nestes casos, a fonte única de rendimento no presente e a base das futuras reformas, o salário mínimo, em caso algum, deve ser inferior ao limiar de pobreza, mas antes ser tal que permita ao trabalhador e à trabalhadora usufruírem, com a sua família, dos recursos suficientes para satisfazerem as suas necessidades humanas, segundo o padrão de vida corrente na sociedade. Exige-o o próprio conceito de trabalho digno, tal como é entendido pela OIT. É uma questão política ou seja o que está subjacente é uma opção relativamente ao modelo de desenvolvimento sócio-económico que se deseja e à concepção de democracia e cidadania que se defende para uma dada sociedade. O debate reflectirá, por outro lado, a correlação de forças sociais em presença e evidenciará a base em que se apoia o poder político. O confronto que se instalou, nos últimos dias, e os argumentos invocados para que o salário mínimo seja fixado em valor inferior ao proposto pelo Governo e aceite no âmbito de compromissos anteriormente assumidos no âmbito da concertação social (450 euros em 2009 e 500 euros em 2011) mereceu a reflexão da Comissão Nacional Justiça e Paz, na sua reunião de 29 Outubro. Os que pretendem a fixação de um salário mínimo mais baixo invocam o argumento da baixa produtividade da economia portuguesa e o risco de perda de competitividade no contexto de uma crise económica que se avizinha. Esquecem, porém, que a melhoria de nível de produtividade se alcança, sobretudo, através de adequada especialização produtiva, selecção das tecnologias adequadas e melhor modelo organizativo, funções estas cuja responsabilidade cabe, fundamentalmente, aos gestores e aos quadros técnicos das empresas. Inclusive, a melhoria da qualificação profissional dos trabalhadores e a sua motivação para o trabalho, que são, também, factores de melhor produtividade, são atribuições intrínsecas de uma boa gestão. Estar a imputar aos trabalhadores e ao custo do trabalho assalariado o ónus da baixa produtividade é um grosseiro erro de perspectiva empresarial. Recorde-se que no livro verde sobre as relações laborais se escreve: “Em comparação com os outros estados membros para os quais existem indicadores disponíveis, os salários praticados em Portugal são baixos e estão associados a elevados níveis de pobreza e de desigualdades na repartição do rendimento.” A ameaça da crise tão pouco pode ser aceite como critério para negar em 2009 um aumento de apenas 24 euros no salário mínimo actual. Tal aumento pouco empolará os custos totais do trabalho e, certamente, pode ser compensado com alguma contenção no aumento das remunerações das categorias profissionais mais elevadas que, como é sabido, em muitas situações, se situam bem acima das que lhes correspondem em outros países da U.E. O argumento do espectro da crise económica também não vale para travar um mais do que justo aumento no salário mínimo nacional, já que, por um lado, não está provado que este pequeno aumento de vinte e poucos euros implique perda de competitividade e, por outro lado, pode mesmo ter efeito positivo sobre a economia por contribuir para uma menor retracção da procura interna. O facto de, nestes dias, ter sido posto em causa o aumento do salário mínimo de 426 euros para 450 euros abre as portas a um debate de maior fôlego que deve ser feito na sociedade portuguesa em torno do modelo de sociedade em que desejamos viver. É este debate que desejamos lançar. Que valor conferimos ao trabalho humano? Que valor atribuímos à equidade na repartição do rendimento gerado na empresa? Que parte deve ser atribuída aos detentores do capital (stockholders) e qual a parte dos demais parceiros (stackeholders)? Que importância damos à solidariedade social e às políticas sociais como instrumentos de redistribuição de rendimentos e de garantia de oportunidades para todos? Que posição tomamos face ao escândalo da actual desigualdade da repartição do rendimento que coloca o nosso País no topo dos casos de maior desigualdade entre os países da U.E.? Adquirida a democracia política, continuamos, mais de três décadas depois, em défice relativamente à democracia económica e à coesão social a ela inerente. Com este objectivo, é de primordial importância promover uma ampla cultura de maior aversão à desigualdade – tarefa urgente da sociedade civil e das Igrejas – e encontrar os mecanismos adequados para a corrigir – tarefa do estado e responsabilidade dos políticos. 30 de Outubro de 2008 Manuela Silva Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz

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