Arquitetura/Igreja: «A construção de Jesus não é das pedras bem torneadas, mas das pedras vivas, onde não pode faltar nenhuma» – Bernardo Pizarro Miranda

Cristão e arquiteto «transgressor e rebelde», aprendeu que «nem todos os sinais vermelhos são para parar», afirma-se «grato à Igreja», pede que cristãos «entrem em campo» e que se redescubra a «condição primeira na vida – a beleza»

Lisboa, 13 nov 2024 (Ecclesia) – O arquiteto Bernardo Pizarro Miranda disse que a “forma da igreja não é importante”, que as “pedras vivas” são essenciais à comunidade, e que a Igreja ‘hospital de campanha’ deve ser incómoda e celebrar nomes, rostos e pertenças.

“A construção de Jesus não é das pedras bem torneadas, com mais peso ou menos peso. A construção de Jesus são as pedras vivas, onde todos têm um lugar, onde não pode faltar nenhum. A ideia da construção da Igreja é uma coisa pós-Jesus. Nós não sabemos se Jesus sonhou nesta construção abstrata, artificial, humana, estrutural – que tem, de facto, imensas coisas ótimas, mas não sabemos até que ponto é que ele sonhou desta maneira”, afirma à Agência ECCLESIA.

Desafiado a olhar para os materiais de construção de uma Igreja ‘hospital de campanha’, o arquiteto elege elementos que desafiem a instalação – “tem de ser incómodo”, saber o que representa – “não há sagrado e profano”, e convidar a uma celebração litúrgica com nomes, rostos e pertenças.

A forma da igreja, indica o arquiteto, “não é assim tão importante”: “A igreja tem de ser casa, é o espaço onde nós transformamos a nossa casa na casa de todos; tem de ultrapassar a ideia de que Deus está nos espaços – Ele não habita nos espaços. Ele aparece sim, mas não nos espaços sagrados. Ele está em todo lado, acho eu. Não existe esta ideia do sagrado”.

Bernardo Pizarro Miranda desenvolveu uma tese de doutoramento com o tema «Liturgia e Arquitetura. Pensar um lugar para a liturgia: o ‘aggiornamento’ como programa?»

O arquiteto lembra a influência que o jesuíta António Lopes, amigo da família e presença assídua em casa, teve na sua vida e as celebrações eucarísticas que na sala aconteciam e onde as crianças podiam participar e falar.

“Aquela sala era o espaço onde partilhávamos a sessão da tarde de cinema, ao fim-de-semana, era a sala que tinha uma enorme estante cheia de livros – que para nós era algo opressor, era o local onde o meu pai, aos sábados de manhã, detrás do seu jornal «Expresso», desviava a cabeça para me perguntar ‘então qual é o seu plano para o fim de semana’, algo que me decompunha como pessoa, não é? Portanto, no meio deste universo, ali era o espaço onde se celebrava a eucaristia, onde o padre António usava apenas a estola e nos deixava participar”, recorda.

A liturgia da palavra era “sempre muito bem trabalhada”, recorda, e as crianças “tinham direito a participar”.

O rito era-nos explicado e traduzido, que é uma coisa sempre super importante, mas mais do que isso, éramos ouvidos, e eu via os olhos do padre Lopes abrirem-se e o coração dele abrir-se quando um de nós queria intervir na homilia, por exemplo, e fazer um comentário. Era a confirmação de uma coisa em que ele acreditava plenamente – a participação ativa”, explica.

Bernardo Pizarro Miranda assume-se como “um bocadinho rebelde, muito crítico dentro da Igreja”, algo transgressor, mas indica que também Jesus pede que “se veja acima da lei”: “Aprendi que nem todos os sinais vermelhos são para parar”, reconhece.

Hoje o arquiteto reconhece ter uma “fé inabalável” e uma “paixão imensa por Jesus”, afirma-se muito grato à Igreja por tudo o que viveu, também pelas dificuldades do caminho que teve de enfrentar.

Bernardo Pizarro Miranda recorda “interferências negativas” no seu percurso que o levaram a colocar a sua vocação em causa, tendo este tempo sido de grande sofrimento: “Há um falso Jesus e um falso Deus, que nós temos que ir pondo para fora. São coisas nossas, são projeções que nós fazemos, são chamar sistematicamente laranja à maçã e às vezes os outros não têm culpa disso. Demorei muito tempo a perceber, por exemplo, que a minha vocação não era de todo ser padre, nem pensar, teria sido um desastre”.

“Ouvi há dias o padre jesuíta João Sarmento dizer que o belo é a primeira condição, é a estética, é o belo. Eu achei tão arrepiante ouvir aquilo dizer: mais do que a razão, mais do que as estruturas, as estruturas racionais que nós construímos para nos defendermos, para nos organizarmos, é o belo. É o belo que nos conduz aos compromissos, aos grandes compromissos, à coragem que precisamos e por isso, dizia ele, temos que aprender a voltar a esse belo, a esse belo que nos guiou nos momentos das grandes decisões”, sublinha.

O arquiteto afirma a certeza de Deus ser “pequenino” e depender “profundamente” das pessoas – “não das pedras”.

“Não significa que não temos que fazer arquitetura o melhor que podemos. Mas o mundo precisa desesperadamente do compromisso, que os cristãos entrem no jogo. Os cristãos, muitos deles, estão à volta do campo e não entram no jogo”, lamenta.

A conversa com Bernardo Pizarro Miranda pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA, emitido na Antena 1, pouco depois da meia-noite, e disponibilizado no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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Agência ECCLESIA

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