Documento Final da Segunda Sessão da XVI Assembleia Geral ordinária do Sínodo dos Bispos

(2 a 27 de outubro de 2024)
“Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão”

Siglas

AA     Concílio Vaticano II, Decreto Apostolicam actuositatem (18 de novembro de 1965)

AG     Concílio Vaticano II, Decreto Ad gentes (7 de dezembro de 1965)

CCEO Codex canonum Ecclesiarum Orientalium (18 de outubro de 1990)

CD     Concílio Vaticano II, Decreto Christus Dominus (28 de outubro de 1965)

CIC    Codex iuris canonici (25 de janeiro de 1983)

CTI    Comissão Teológica Internacional, A sinodalidade na vida e na missão da Igreja (2 de março de 2018)

CV     Bento XVI, Carta Encíclica Caritas in veritate (29 de junho de 2009)

DD     Francisco, Carta Apostólica Desiderio desideravi (29 de junho de 2022)

DN    Francisco, Carta Encíclica Dilexit nos (24 de outubro de 2024)

DTC   XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, Documento de Trabalho para a Etapa Continental (27 de outubro de 2022)

DV     Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum (18 de novembro de 1965)

EG     Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013)

FT      Francisco, Carta Encíclica Fratelli tutti (3 de outubro de 2020)

GS     Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965)

LG     Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Dogm. Lumen gentium (21 de novembro de 1964)

LS      Francisco, Carta Encíclica Laudato si’ (24 de maio de 2015)

MC    São Paulo VI, Exortação Apostólica Marialis cultus (2 de fevereiro de 1974)

NMI São João Paulo II, Carta Apostólica Novo millennio ineunte (6 de janeiro de 2001)

PE     Francisco, Constituição Apostólica Praedicate Evangelium (19 de março de 2022)

SC      Concílio Vaticano II, Constituição Sacrosanctum Concilium (4 de dezembro de 1963)

SRS    São João Paulo II, Carta Encíclica Sollicitudo rei socialis (30 de dezembro de 1987)

UR     Concílio Vaticano II, Decreto Unitatis redintegratio (21 de novembro de 1964)

UUS   São João Paulo II, Carta Encíclica Ut unum sint (25 de maio de 1995)

 

Introdução

Veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: “A paz esteja convosco”. Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor (Jo 20,19-20).

1. Cada novo passo na vida da Igreja é um regresso à fonte, uma experiência renovada do encontro com o Ressuscitado que os discípulos experimentaram no Cenáculo na noite de Páscoa. Como eles, também nós, participando nesta Assembleia Sinodal, nos sentimos envolvidos pela sua misericórdia e tocados pela sua beleza. Vivendo a conversação no Espírito, escutando-nos uns aos outros, apercebemo-nos da sua presença no meio de nós: a presença d’Aquele que, ao conceder o Espírito Santo, continua a suscitar no seu Povo uma unidade que é harmonia das diferenças.

2. Contemplando o Ressuscitado, recordamos que “fomos baptizados na sua morte” (Rm 6,3). Vimos os sinais das suas feridas, transfiguradas por uma nova vida, mas gravadas para sempre na sua humanidade. Estas feridas continuam a sangrar no corpo de tantos irmãos e irmãs, também por causa das nossas culpas. O nosso olhar para o Senhor não afasta dos dramas da história, mas abre os olhos para reconhecer o sofrimento que nos rodeia e nos penetra: os rostos das crianças aterrorizadas pela guerra, o choro das mães, os sonhos desfeitos de tantos jovens, os refugiados que enfrentam viagens terríveis, as vítimas das alterações climáticas e das injustiças sociais. O seu sofrimento ressoou no meio de nós não só através dos meios de comunicação social, mas também nas vozes de muitos, pessoalmente envolvidos com as suas famílias e povos nestes trágicos acontecimentos. Nos dias em que estivemos reunidos nesta Assembleia, muitas, demasiadas guerras continuaram a causar morte e destruição, desejo de vingança e perda das consciências. Unimo-nos aos repetidos apelos do Papa Francisco pela paz, condenando a lógica da violência, do ódio e da vingança, e comprometendo-nos a promover a lógica do diálogo, da fraternidade e da reconciliação. Uma paz autêntica e duradoura é possível e juntos podemos construí-la. “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os aflitos” (GS 1) são mais uma vez as alegrias e as tristezas de todos nós, discípulos de Cristo.

3. Desde que o Santo Padre iniciou este Sínodo em 2021, empreendemos um percurso cuja riqueza e fecundidade estamos a descobrir cada vez mais. Pusemo-nos à escuta, atentos para colher em tantas vozes aquilo que “o Espírito diz às Igrejas” (Ap 2, 7). O caminho começou com a ampla consulta ao Povo de Deus nas nossas Dioceses e Eparquias. Prosseguiu com as etapas nacionais e continentais, na circularidade de um diálogo constantemente relançado pela Secretaria Geral do Sínodo através de documentos de síntese e de trabalho. A celebração da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos nas suas duas Sessões permite-nos agora entregar ao Santo Padre e a todas as Igrejas o testemunho daquilo que vivemos e o fruto do nosso discernimento, para um renovado impulso missionário. O caminho foi marcado em cada etapa pela sabedoria do “sentido da fé” do Povo de Deus. Passo a passo, compreendemos que, no coração do Sínodo 2021-2024. Para uma Igreja Sinodal. Comunhão, participação, missão, há um apelo à alegria e à renovação da Igreja no seguimento do Senhor, no empenho ao serviço da sua missão, na procura dos modos para lhe ser fiéis.

4. Este apelo baseia-se na identidade batismal comum, enraíza-se na diversidade dos contextos em que a Igreja está presente e encontra a sua unidade no único Pai, no único Senhor e no único Espírito. Interpela todos os baptizados, sem exceção: “Todo o Povo de Deus é o sujeito do anúncio do Evangelho. Nele, cada batizado é convocado para ser protagonista da missão, porque todos somos discípulos missionários” (CTI, n. 53). O caminho sinodal orienta-nos assim para uma unidade plena e visível dos cristãos, como testemunharam, com a sua presença, os delegados das outras tradições cristãs. A unidade fermenta silenciosamente no seio da Santa Igreja de Deus: é profecia de unidade para todo o mundo.

5. Todo o caminho sinodal, enraizado na Tradição da Igreja, realizou-se à luz do magistério conciliar. O Concílio Vaticano II foi, de facto, como uma semente lançada no campo do mundo e da Igreja. A vida quotidiana dos crentes, a experiência das Igrejas em cada povo e cultura, os numerosos testemunhos de santidade e a reflexão dos teólogos foram o terreno onde germinou e cresceu. O Sínodo 2021-2024 continua a aproveitar a energia dessa semente e a desenvolver as suas potencialidades. De facto, o caminho sinodal está a pôr em prática aquilo que o Concílio ensinou sobre a Igreja como Mistério e Povo de Deus, chamamento à santidade através de uma conversão contínua que vem da escuta do Evangelho. Neste sentido, constitui um verdadeiro ato de ulterior receção do Concílio, prolongando a sua inspiração e relançando a sua força profética para o mundo de hoje.

6. Não escondemos que experimentámos em nós o cansaço, a resistência à mudança, a tentação de fazer prevalecer as nossas ideias sobre a escuta da Palavra de Deus e a prática do discernimento. No entanto, a misericórdia de Deus, o Pai terníssimo, permite-nos sempre purificar o nosso coração e continuar o nosso caminho. Reconhecemo-lo quando iniciámos a Segunda Sessão com uma Vigília Penitencial, na qual pedimos perdão pelos nossos pecados, sentimos vergonha e elevámos a nossa intercessão pelas vítimas dos males do mundo. Chamámos os nossos pecados pelo nome: contra a paz, contra a criação, os povos indígenas, os migrantes, as crianças, as mulheres, os pobres, a escuta, a comunhão. Isto fez-nos compreender que a sinodalidade exige arrependimento e conversão. Na celebração do sacramento da misericórdia de Deus, fazemos a experiência de sermos amados incondicionalmente: a dureza dos corações é superada e abrimo-nos à comunhão. É por isso que queremos ser uma Igreja misericordiosa, capaz de partilhar com todos o perdão e a reconciliação que vêm de Deus: pura graça da qual não somos donos, mas apenas testemunhas.

7. Do caminho sinodal iniciado em 2021, já vimos os primeiros frutos. Os mais simples, mas preciosos, estão a fermentar na vida das famílias, das paróquias, das Associações e Movimentos, das pequenas comunidades cristãs, das escolas e das comunidades religiosas, onde cresce a prática da conversação no Espírito, do discernimento comunitário, da partilha dos dons vocacionais e da corresponsabilidade na missão. O encontro dos párocos para o Sínodo (Sacrofano [Roma], 28 de abril – 2 de maio de 2024) permitiu apreciar estas ricas experiências e relançar o seu caminho. Estamos gratos e felizes pela voz de tantas comunidades e Fiéis que vivem a Igreja como lugar de acolhimento, de esperança e de alegria.

8. A primeira sessão da Assembleia deu outros frutos. O Relatório de Síntese chamou a atenção para um certo número de temas de grande relevância para a vida da Igreja, que o Santo Padre, no final de uma consulta internacional, confiou a Grupos de Estudo constituídos por pastores e peritos de todos os continentes, chamados a trabalhar com método sinodal. Os sectores da vida e da missão da Igreja que já começaram a aprofundar são os seguintes:

  1. Alguns aspetos das relações entre as Igrejas Católicas Orientais e a Igreja Latina.
  2. A escuta do grito dos pobres.
  3. A missão no ambiente digital.
  4. A revisão da Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalisnuma perspetiva sinodal missionária.
  5. Algumas questões teológicas e canónicas à volta de formas ministeriais específicas.
  6. A revisão, em perspetiva sinodal e missionária, dos documentos que regulam as relações entre Bispos, Religiosos, Agregações eclesiais.
  7. Alguns aspetos da figura e do ministério do Bispo (em particular: critérios de seleção dos candidatos ao episcopado, função judicial do Bispo, natureza e o desenrolar das visitas ad limina Apostolorum) numa perspetiva sinodal missionária.
  8. O papel dos Representantes Pontifícios numa perspetiva sinodal missionária.
  9. Critérios teológicos e metodologias sinodais para um discernimento partilhado de questões doutrinais, pastorais e éticas controversas.
  10. A receção dos frutos do caminho ecuménico no Povo de Deus.

A estes Grupos juntam-se a Comissão de Direito Canónico, ativada de acordo com o Dicastério para os Textos Legislativos, ao serviço das necessárias inovações na legislação eclesiástica, e o discernimento confiado ao Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madagáscar sobre o acompanhamento pastoral de pessoas em matrimónio poligâmico. Os trabalhos destes Grupos e Comissões iniciaram a fase de implementação, enriqueceram os trabalhos da Segunda Sessão e ajudarão o Santo Padre nas suas opções pastorais e de governo.

9. O processo sinodal não termina com o fim da atual Assembleia do Sínodo dos Bispos, mas inclui a fase de implementação. Como membros da Assembleia, sentimos que é nossa tarefa empenharmo-nos na sua animação como missionários da sinodalidade nas comunidades de onde provimos. Pedimos a todas as Igrejas locais que continuem o seu caminho quotidiano com uma metodologia sinodal de consulta e discernimento, identificando caminhos concretos e percursos formativos para realizar uma conversão sinodal palpável nas várias realidades eclesiais (Paróquias, Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, Agregações de Fiéis, Dioceses, Conferências Episcopais, agrupamentos de Igrejas, etc.). Deverá também ser prevista uma avaliação dos progressos realizados em termos de sinodalidade e de participação de todos os batizados na vida da Igreja. Sugerimos que as Conferências Episcopais e os Sínodos das Igrejas sui iurisdediquem pessoas e recursos para acompanhar o caminho de crescimento como Igreja sinodal em missão e para manter o contacto com a Secretaria Geral do Sínodo (cf. EC 19 §§ 1 e 2). Pedimos-lhe que continue a velar pela qualidade sinodal do método de trabalho dos Grupos de Estudo.

10. Oferecido ao Santo Padre e às Igrejas como fruto da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, este Documento Finalfaz o balanço de todos os passos dados até agora. Recolhe algumas convergências importantes que surgiram na Primeira Sessão, as contribuições vindas das Igrejas nos meses entre a Primeira e a Segunda Sessões, e o que amadureceu, especialmente através da conversação no Espírito, durante a Segunda Sessão.

11. O Documento Finalexprime a consciência de que o chamamento à missão é, ao mesmo tempo, chamamento à conversão de cada Igreja particular e de toda a Igreja, na perspetiva indicada na Exortação Apostólica Evangelii gaudium(cf. n.º 30). O texto é composto por cinco partes. A primeira, intitulada O coração da sinodalidade, delineia os fundamentos teológicos e espirituais que iluminam e alimentam o que se segue. Reafirma a compreensão partilhada da sinodalidade que emergiu na Primeira Sessão e desenvolve as suas perspetivas espirituais e proféticas. A conversão dos sentimentos, imagens e pensamentos que habitam os nossos corações prossegue juntamente com a conversão da ação pastoral e missionária. A segunda parte, intitulada Juntos, na barca, é dedicada à conversão das relações que constroem a comunidade cristã e configuram a missão no entrelaçamento de vocações, carismas e ministérios. A terceira, “Lançai a rede”, identifica três práticas que estão intimamente ligadas: discernimento eclesial, processos de decisão e cultura da transparência, da responsabilidade e da avaliação. Também em relação a estas, somos convidados a iniciar caminhos de “transformação missionária”, para os quais é urgente uma renovação dos organismos de participação. A quarta parte, sob o título Uma pesca abundante, descreve como é possível cultivar em novas formas a permuta de dons e o entrelaçamento dos laços que nos unem na Igreja, numa altura em que a experiência de estar enraizado num lugar está a mudar profundamente. Segue-se uma quinta parte, “Também eu vos envio”, que nos permite olhar para o primeiro passo a dar: cuidar da formação de todos no Povo de Deus em sinodalidade missionária.

12. A elaboração do Documento Finalé guiada pelos relatos evangélicos da Ressurreição. A corrida ao túmulo na madrugada de Páscoa, a aparição do Ressuscitado no Cenáculo e na margem do lago inspiraram o nosso discernimento e alimentaram o nosso diálogo. Invocámos o dom pascal do Espírito Santo, pedindo-lhe que nos ensinasse o que devemos fazer e nos mostrasse o caminho a seguir todos juntos. Com este documento, a Assembleia reconhece e testemunha que a sinodalidade, uma dimensão constitutiva da Igreja, já faz parte da experiência de muitas das nossas comunidades. Ao mesmo tempo, sugere caminhos a seguir, práticas a implementar, horizontes a explorar. O Santo Padre, que convocou a Igreja em Sínodo, dirá às Igrejas, confiadas ao cuidado pastoral dos Bispos, como prosseguir o nosso caminho apoiado na esperança que “não engana” (Rm 5,5).

 

Parte I – O coração da sinodalidade
Chamados pelo Espírito Santo à conversão

 No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro e viu a pedra retirada do sepulcro. Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo predileto de Jesus (Jo 20,1-2).

13. Na manhã de Pentecostes, encontramos três discípulos: Maria de Magdala, Simão Pedro, o discípulo que Jesus amava. Cada um deles procura o Senhor à sua maneira, cada um tem o seu papel na aurora da esperança. Maria Madalena é movida por um amor que a leva primeiro ao túmulo. Avisados por ela, Pedro e o Discípulo Amado dirigem-se para o túmulo; o Discípulo Amado corre com a força da juventude, procura com o olhar de quem sente primeiro, mas sabe dar lugar ao mais velho a quem foi confiada a tarefa de guia; Pedro, oprimido por ter negado o Senhor, aguarda o encontro com a misericórdia da qual será ministro na Igreja. Maria permanece no jardim, ouve chamar pelo nome, reconhece o Senhor que a envia para anunciar a sua ressurreição à comunidade dos discípulos. É por isso que a Igreja a reconhece como Apóstola dos Apóstolos. A sua dependência recíproca encarna o coração da sinodalidade.

14. A Igreja existe para testemunhar ao mundo o acontecimento decisivo da história: a ressurreição de Jesus. O Ressuscitado traz a paz ao mundo e dá-nos o dom do seu Espírito. Cristo vivo é a fonte da verdadeira liberdade, o fundamento da esperança que não engana, a revelação do verdadeiro rosto de Deus e o destino último do homem. Os Evangelhos dizem-nos que, para entrar na fé pascal e tornar-se testemunhas dela, é necessário reconhecer o próprio vazio interior, as trevas do medo, da dúvida e do pecado. Mas aqueles que na escuridão têm a coragem de sair e pôr-se à procura descobrem na realidade que são procurados, chamados pelo nome, perdoados e enviados juntos aosirmãos e irmãs.

 

A Igreja Povo de Deus, sacramento de unidade

15. Do Batismo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo brota a identidade do Povo de Deus. Ele realiza-se como chamamento à santidade e envio em missão para convidar todos os povos a acolher o dom da salvação (cf. Mt 28, 18-19). É, portanto, do Batismo, no qual Cristo nos reveste de Si mesmo (cf. Gal 3, 27) e nos faz renascer pelo Espírito (cf. Jo 3, 5-6) como filhos de Deus, que nasce a Igreja sinodal missionária. Toda a vida cristã tem a sua fonte e o seu horizonte no mistério da Trindade, que suscita em nós o dinamismo da fé, da esperança e da caridade.

16. “Aprouve a Deus santificar e salvar os homens, não individualmente, excluindo a relação de uns com os outros, mas antes constituindo-os em povo que o conhecesse na verdade e o servisse na santidade” (LG 9). O Povo de Deus a caminho do Reino é continuamente alimentado pela Eucaristia, fonte de comunhão e de unidade: “Visto que há um só pão, nós, embora sejamos muitos, formamos um só corpo, porque participamos do único pão” (1 Cor 10,17). A Igreja, alimentada pelo sacramento do Corpo do Senhor, é constituída como seu Corpo (cf. LG 7): “Vós sois corpo de Cristo e seus membros, cada um por sua parte” (1Cor 12,27). Vivificado pela graça, é Templo do Espírito Santo (cf. LG 4): é Ele, de facto, que a anima e edifica, fazendo de todos nós as pedras vivas de um edifício espiritual (cf. 1Pd 2,5; LG 6).

17. O processo sinodal fez-nos experimentar o “prazer espiritual” (EG 268) de ser Povo de Deus, reunido de todas as tribos, línguas, povos e nações, vivendo em contextos e culturas diversas. Nunca é a simples soma dos batizados, mas o sujeito comunitário e histórico da sinodalidade e da missão, ainda peregrino no tempo e já em comunhão com a Igreja do céu. Nos diversos contextos em que se enraízam as Igrejas particulares, o Povo de Deus anuncia e testemunha a Boa Nova da salvação; vivendo no mundo e para o mundo, caminha juntamente com todos os povos da terra, dialoga com as suas religiões e as suas culturas, reconhecendo nelas as sementes do Verbo e avançando para o Reino. Incorporados neste Povo pela fé e o Batismo, somos apoiados e acompanhados pela Virgem Maria, “sinal de esperança segura e de consolação” (LG 68), pelos Apóstolos, por aqueles que testemunharam a sua fé até dar a vida, pelos santos de todos os tempos e lugares.

18. No Povo santo de Deus, que é a Igreja, a comunhão dos fiéis (communio Fidelium) é ao mesmo tempo a comunhão das Igrejas (communio Ecclesiarum), que se manifesta na comunhão dos Bispos (communio Episcoporum)em virtude do antiquíssimo princípio de que “a Igreja está no Bispo e o Bispo está na Igreja” (São Cipriano, Epístola 66, 8). Ao serviço desta comunhão multiforme, o Senhor colocou o apóstolo Pedro (cf. Mt 16, 18) e os seus sucessores. Em virtude do ministério petrino, o Bispo de Roma é “o princípio e fundamento perpétuo e visível” (LG 23) da unidade da Igreja.

19. “No coração de Deus há um lugar preferencial para os pobres” (EG 197), os marginalizados e excluídos, e por isso também no coração da Igreja. Neles, a comunidade cristã encontra o rosto e a carne de Cristo, que, de rico que era, se fez pobre por nós, para que nos tornássemos ricos por meio da sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9). A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica. Os pobres têm um conhecimento direto de Cristo sofredor (cf. EG 198) que os torna anunciadores de uma salvação recebida como dom e testemunhas da alegria do Evangelho. A Igreja é chamada a ser pobre com os pobres, que muitas vezes são a maioria dos fiéis, e a escutá-los, aprendendo juntos a reconhecer os carismas que eles recebem do Espírito e a considerá-los sujeitos da evangelização.

20. “A luz dos povos é Cristo” (LG 1) e esta luz resplandece no rosto da Igreja, embora marcada pela fragilidade da condição humana e pela opacidade do pecado. Ela recebe de Cristo o dom e a responsabilidade de ser o fermento eficaz dos laços, das relações e da fraternidade da família humana (cf. AG 2-4), testemunhando no mundo o sentido e a meta do seu caminho (cf. GS 3 e 42). Assume hoje esta responsabilidade num tempo dominado pela crise da participação – isto é, de se sentir parte e atores de um destino comum – e por uma conceção individualista da felicidade e da salvação. A sua vocação e o seu serviço profético (cf. LG 12) consistem em testemunhar o projeto de Deus de unir a si toda a humanidade na liberdade e na comunhão. A Igreja, que é “o Reino de Cristo já presente em mistério” (LG 3) e “constitui ela própria na terra o germe e o início deste Reino” (LG 5), caminha, portanto, junto com toda a humanidade, empenhando-se com todas as suas forças pela dignidade humana, o bem comum, a justiça e a paz, e “aspira ao Reino perfeito” (LG 5), quando Deus será “tudo em todos” (1Cor 15,28).

 

As raízes sacramentais do Povo de Deus

21. O caminho sinodal da Igreja levou-nos a redescobrir que a variedade das vocações, dos carismas e dos ministérios tem uma raiz: “todos nós fomos batizados num só Espírito para constituirmos um só Corpo” (1 Cor 12,13). O Batismo é o fundamento da vida cristã, porque introduz todos no maior dom: ser filhos de Deus, isto é, participantes da relação de Jesus com o Pai no Espírito. Não há nada mais elevado do que esta dignidade, igualmente dada a cada pessoa, que nos faz revestir de Cristo e ser enxertados nele como ramos na videira. No nome “cristão” que temos a honra de ostentar está contida a graça que está na base da nossa vida e nos faz caminhar juntos como irmãos e irmãs.

22. Em virtude do Batismo, “o povo santo de Deus participa também na missão profética de Cristo, dá testemunho vivo d’Ele, especialmente pela vida de fé e de caridade” (LG 12). Graças à unção do Espírito Santo recebida no Batismo (cf. 1Jo 2,20.27), todos os crentes possuem um instinto para a verdade do Evangelho, chamado sensus fidei. Este consiste numa certa conaturalidade com as realidades divinas, baseada no facto de que, no Espírito Santo, os batizados “tornam-se participantes da natureza divina” (DV 2). Desta participação deriva a aptidão para captar intuitivamente o que é conforme à verdade da Revelação na comunhão da Igreja. Por isso, a Igreja tem a certeza de que o santo Povo de Deus não pode errar na fé, quando a totalidade dos batizados exprime o seu acordo universal em matéria de fé e de moral (cf. LG 12). O exercício do sensus fideinão se confunde com a opinião pública. Está sempre unido ao discernimento dos Pastores nos diversos níveis da vida eclesial, como mostra a articulação das etapas do processo sinodal. Tem como objetivo alcançar aquele consenso dos fiéis (consensus fidelium) que constitui “um critério seguro para determinar se uma determinada doutrina ou prática pertence à fé apostólica” (Comissão Teológica Internacional, O sensus fidei na vida da Igreja, 2014, n. 3).

23. Pelo Batismo, todos os cristãos participam no sensus fidei. Por isso, não é apenas o princípio da sinodalidade, mas também o fundamento do ecumenismo. “O caminho da sinodalidade, que a Igreja Católica está a percorrer, é e deve ser ecuménico, assim como o caminho ecuménico é sinodal” (Papa Francisco, Discurso a Sua Santidade Mar Awa III, 19 de novembro de 2022). O ecumenismo é, antes de mais, uma questão de renovação espiritual. Exige processos de arrependimento e de cura da memória das feridas passadas, até à coragem da correção fraterna em espírito de caridade evangélica. Na Assembleia ressoaram testemunhos iluminadores de cristãos de diferentes tradições eclesiais que partilham a amizade, a oração, a partilha de vida e o empenho no serviço aos pobres e no cuidado da casa comum. Em não poucas regiões do mundo, existe sobretudo o ecumenismo do sangue: cristãos de diferentes filiações que, juntos, dão a vida pela fé em Jesus Cristo. O testemunho do seu martírio é mais eloquente do que quaisquer palavras: a unidade vem da Cruz do Senhor.

24. Não é possível compreender plenamente o Batismo senão no âmbito da Iniciação Cristã, isto é, do itinerário através do qual o Senhor, mediante o ministério da Igreja e o dom do Espírito, nos introduz na fé pascal e nos insere na comunhão trinitária e eclesial. Este itinerário conhece uma significativa variedade de formas, consoante a idade em que é empreendido, as diferentes acentuações próprias das tradições orientais e ocidentais, e as especificidades de cada Igreja local. A iniciação põe-nos em contacto com uma grande variedade de vocações e de ministérios eclesiais. Neles se exprime o rosto misericordioso de uma Igreja que ensina os seus filhos a caminhar, caminhando com eles. Escuta-os e, ao mesmo tempo que responde às suas dúvidas e às suas interrogações, enriquece-se com a novidade que cada um traz com a sua história e a sua cultura. Na prática desta ação pastoral, a comunidade cristã experimenta, muitas vezes sem ter consciência disso, a primeira forma de sinodalidade.

25. Dentro do itinerário da Iniciação Cristã, o sacramento da Confirmação enriquece a vida dos crentes com uma particular efusão do Espírito em vista do testemunho. O Espírito de que Jesus ficou cheio (cf. Lc 4,1), que O ungiu e O enviou a proclamar o Evangelho (cf. Lc 4,18) é o mesmo Espírito que é derramado sobre os crentes como selo da pertença a Deus e como unção que santifica. Por isso, a Confirmação, que torna presente a graça do Pentecostes na vida do batizado e da comunidade, é um dom de grande valor para renovar o prodígio de uma Igreja movida pelo fogo da missão, que tem a coragem de sair pelos caminhos do mundo e a capacidade de se fazer compreender por todos os povos e todas as culturas. Todos os crentes são chamados a contribuir para este impulso, acolhendo os carismas que o Espírito distribui com abundância a cada um e comprometendo-se a pô-los ao serviço do Reino com humildade e iniciativa criativa.

26. A celebração da Eucaristia, especialmente ao domingo, é a primeira e fundamental forma com a qual o Povo Santo de Deus se reúne e se encontra. Na celebração eucarística, “a unidade da Igreja não apenas se significa, mas também se realiza” (UR 2). Na “participação plena, consciente e ativa” (SC 14) de todos os fiéis, na presença dos diversos ministérios e na presidência do Bispo ou do Presbítero, torna-se visível a comunidade cristã, na qual se realiza uma corresponsabilidade diferenciada de todos pela missão. Por isso a Igreja, Corpo de Cristo, aprende da Eucaristia a articular unidade e pluralidade: unidade da Igreja e multiplicidade das assembleias eucarísticas; unidade do mistério sacramental e variedade das tradições litúrgicas; unidade da celebração e diversidade das vocações, dos carismas e dos ministérios. Nada mais do que a Eucaristia mostra que a harmonia criada pelo Espírito não é uniformidade e que cada dom eclesial é destinado à edificação comum. Cada celebração da Eucaristia é também expressão do desejo e apelo à unidade de todos os batizados, que não é ainda plena e visível. Onde não é possível a celebração dominical da Eucaristia, a comunidade, embora desejando-a, reúne-se à volta da celebração da Palavra, onde Cristo está também presente.

27. Existe uma estreita ligação entre synaxissynodos, entre a assembleia eucarística e a assembleia sinodal. Embora sob formas diferentes, em ambas se realiza a promessa de Jesus de estar presente onde dois ou três estiverem reunidos em seu nome (cf. Mt 18,20). As assembleias sinodais são acontecimentos que celebram a união de Cristo com a sua Igreja através da ação do Espírito. É Ele que assegura a unidade do Corpo eclesial de Cristo, tanto na assembleia eucarística como na assembleia sinodal. A liturgia é uma escuta da Palavra de Deus e uma resposta à sua iniciativa de aliança. Também a assembleia sinodal é uma escuta da mesma Palavra, que ressoa tanto nos sinais dos tempos como no coração dos fiéis, e uma resposta da assembleia que discerne a vontade de Deus para a pôr em prática. O aprofundamento da ligação entre liturgia e sinodalidade ajudará todas as comunidades cristãs, na pluriformidade das suas culturas e tradições, a adotar estilos celebrativos que manifestem o rosto de uma Igreja sinodal. Para isso, solicitamos a constituição de um Grupo de Estudo específico, aquém confiar também a reflexão sobre o modo de tornar as celebrações litúrgicas mais expressivas da sinodalidade; poderia ocupar-se também da pregação dentro das celebrações litúrgicas e do desenvolvimento de uma catequese sobre a sinodalidade em chave mistagógica.

 

Significado e dimensões da sinodalidade

28. Os termos “sinodalidade” e “sinodal” derivam da antiga e constante prática eclesial de reunir-se em sínodo. Nas tradições das Igrejas do Oriente e do Ocidente, a palavra “sínodo” refere-se a instituições e eventos que, ao longo do tempo, assumiram formas diversas, envolvendo uma pluralidade de sujeitos. Na sua variedade, todas estas formas estão unidas pelo facto de se reunirem para dialogar, discernir e decidir. Graças à experiência dos últimos anos, o significado destes termos foi mais bem compreendido e mais vivido. Foram cada vez mais associados ao desejo de uma Igreja mais próxima das pessoas e mais relacional, que seja casa e família de Deus. No decurso do processo sinodal, amadureceu uma convergência sobre o significado de sinodalidade que está na base deste Documento: a sinodalidade é o caminhar juntos dos cristãos com Cristo e para o Reino de Deus, em união com toda a humanidade; orientada para a missão, implica o encontro em assembleia nos diversos níveis da vida eclesial, a escuta recíproca, o diálogo, o discernimento comunitário, a formação de consensos como expressão da presença de Cristo no Espírito e a tomada de uma decisão em corresponsabilidade diferenciada. Nesta linha, compreendemos melhor o que significa que a sinodalidade é dimensão constitutiva da Igreja (cf. CTI, n.º 1). Em termos simples e sintéticos, pode-se dizer que a sinodalidade é um caminho de renovação espiritual e de reforma estrutural para tornar a Igreja mais participativa e missionária, isto é, para a tornar mais capaz de caminhar com cada homem e mulher irradiando a luz de Cristo.

29. Na Virgem Maria, Mãe de Cristo, da Igreja e da humanidade, vemos resplandecer os traços de uma Igreja sinodal, missionária e misericordiosa. Ela é, de facto, a figura da Igreja que escuta, reza, medita, dialoga, acompanha, discerne, decide e age. Dela aprendemos a arte da escuta, a atenção à vontade de Deus, a obediência à sua Palavra, a capacidade de colher as necessidades dos pobres, a coragem de pôr-se a caminho, o amor que ajuda, o canto de louvor e a exultação no Espírito. Por isso, como afirmava São Paulo VI, “a ação da Igreja no mundo é como que um prolongamento da solicitude de Maria” (MC 28).

30. De modo mais detalhado, a sinodalidade designa três aspetos distintos da vida da Igreja:

a) Em primeiro lugar, refere-se ao “estilo peculiar que qualifica a vida e a missão da Igreja, exprimindo a sua natureza como o caminhar juntos e o reunir-se em assembleia do Povo de Deus convocada pelo Senhor Jesus na força do Espírito Santo para anunciar o Evangelho. Deve exprimir-se no modo ordinário de viver e agir da Igreja. Este modus vivendi et operandi realiza-se através da escuta comunitária da Palavra e da celebração da Eucaristia, da fraternidade da comunhão e da corresponsabilidade e participação de todo o Povo de Deus, nos seus vários níveis e nas distinções dos diversos ministérios e funções, na sua vida e missão” (CTI, n. 70a);

b) Em segundo lugar, “a sinodalidade designa, pois, num sentido mais específico e determinado do ponto de vista teológico e canónico, as estruturas e os processos eclesiais nos quais se exprime a natureza sinodal da Igreja a nível institucional, de modo análogo, nos vários níveis da sua realização: local, regional, universal. Tais estruturas e processos estão ao serviço do discernimento autorizado da Igreja, que é chamada a identificar a direção a seguir na escuta do Espírito Santo” (CTI, n. 70b);

c) Em terceiro lugar, a sinodalidade designa “o acontecer pontual daqueles eventos sinodaisem que a Igreja é convocada pela autoridade competente e segundo procedimentos específicos determinados pela disciplina eclesiástica, envolvendo de diversas maneiras, a nível local, regional e universal, todo o Povo de Deus sob a presidência dos Bispos em comunhão colegial e hierárquica com o Bispo de Roma, para o discernimento do seu caminho e de questões particulares, e para a tomada de decisões e orientações em ordem ao cumprimento da sua missão evangelizadora” (CTI, n. 70c).

31. No contexto da eclesiologia conciliar do Povo de Deus, o conceito de comunhão exprime a substância profunda do mistério e da missão da Igreja, que tem na celebração da Eucaristia a sua fonte e o seu ponto culminante, ou seja, a união com Deus Trindade e a unidade entre as pessoas humanas que se realiza em Cristo através do Espírito Santo. Neste contexto, a sinodalidade “indica o modo específico de viver e agir da Igreja, Povo de Deus, que manifesta e realiza concretamente o seu ser comunhão no ‘caminhar juntos’, na reunião em assembleia e na participação ativa de todos os seus membros na sua missão evangelizadora” (CTI, n. 6).

32. A sinodalidade não é um fim em si mesma, mas visa a missão que Cristo confiou à Igreja no Espírito. Evangelizar é “a missão essencial da Igreja […] é a graça e a vocação própria da Igreja, a sua identidade profunda” (EN 14). Estando próxima de todos, sem diferença de pessoas, pregando e ensinando, batizando, celebrando a Eucaristia e o Sacramento da Reconciliação, todas as Igrejas locais e a Igreja inteira respondem concretamente ao mandato do Senhor de anunciar o Evangelho a todas as nações (cf. Mt 28, 19-20; Mc 16, 15-16). Valorizando todos os carismas e ministérios, a sinodalidade permite ao Povo de Deus anunciar e testemunhar o Evangelho aos homens e mulheres de todos os tempos e lugares, tornando-se “sacramento visível” (LG 9) da fraternidade e da unidade em Cristo querida por Deus. Sinodalidade e missão estão intimamente ligadas: a missão ilumina a sinodalidade e a sinodalidade impele à missão.

33. A autoridade dos pastores “é um dom específico do Espírito de Cristo Cabeça para a edificação de todo o Corpo” (CTI, n. 67). Tal dom está ligado ao sacramento da Ordem, que configura aqueles que o recebem a Cristo Cabeça, Pastor e Servo, e os coloca ao serviço do Povo Santo de Deus para salvaguardar a apostolicidade do anúncio e promover a comunhão eclesial a todos os níveis. A sinodalidade oferece “o quadro interpretativo mais adequado para compreender o próprio ministério hierárquico” (Francisco, Discurso por ocasião da comemoração do 50.º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos, 17 de outubro de 2015) e coloca na perspetiva correta o mandato que Cristo confia, no Espírito Santo, aos Pastores. Portanto, a sinodalidade convida toda a Igreja, incluindo quantos exercem uma autoridade, à conversão e à reforma.

 

A unidade como harmonia

34. “A criatura humana, sendo de natureza espiritual, realiza-se nas relações interpessoais. Quanto mais as vive de modo autêntico, tanto mais amadurece a sua identidade pessoal. Não é isolando-se que o homem se valoriza, mas pondo-se em relação com os outros e com Deus. A importância de tais relações torna-se, portanto, fundamental” (CV 53). Uma Igreja sinodal caracteriza-se como espaço onde as relações podem florescer, graças ao amor recíproco que constitui o mandamento novo deixado por Jesus aos seus discípulos (cf. Jo 13, 34-35). No seio de culturas e sociedade cada vez mais individualistas, a Igreja, “povo reunido na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (LG 4), pode dar testemunho da força das relações fundadas na Trindade. As diferenças de vocação, idade, sexo, profissão, condição e pertença social, presentes em cada comunidade cristã, oferecem a cada um o encontro com a alteridade indispensável para o amadurecimento pessoal.

35. É antes de mais no seio da família, que com o Concílio se poderia chamar “Igreja doméstica” (LG 11), que se vive a riqueza das relações entre pessoas unidas na sua diversidade de carácter, idade e função. Por isso as famílias são um lugar privilegiado para aprender e experimentar as práticas essenciais de uma Igreja sinodal. Apesar das fraturas e dos sofrimentos que as famílias experimentam, continuam a ser lugares onde se aprende a trocar o dom do amor, da confiança, do perdão, da reconciliação e da compreensão. É na família que aprendemos que temos a mesma dignidade, que somos criados para a reciprocidade, que temos necessidade de ser ouvidos e que somos capazes de escutar, de discernir e decidir juntos, de aceitar e exercitar uma autoridade animada pela caridade, de ser corresponsáveis e de prestar contas dos nossos atos. A família humaniza as pessoas através da relação do ‘nós’ e, ao mesmo tempo, promove as legítimas diferenças de cada um” (Francisco, Discurso aos participantes na Plenária da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, 29 de abril de 2022).

36. O processo sinodal mostrou que o Espírito Santo suscita constantemente no Povo de Deus uma grande variedade de carismas e ministérios. “Também na edificação do Corpo de Cristo há diversidade de membros e de funções. Único é o Espírito que, para bem da Igreja (cf. 1 Cor 12, 1-11), distribui os seus vários dons, conforme a sua riqueza e a necessidade de cada ministério” (LG 7). De igual modo, surgiu a aspiração de alargar as possibilidades de participação e de exercício da corresponsabilidade diferenciada de todos os batizados, homens e mulheres. A este propósito, porém, foi manifestada a tristeza pela falta de participação de tantos membros do Povo de Deus neste caminho de renovação eclesial e o cansaço generalizado em viver plenamente uma sã relacionalidade entre homens e mulheres, entre gerações e entre pessoas e grupos de diferentes identidades culturais e condições sociais, especialmente os pobres e os excluídos.

37. Além disso, o processo sinodal pôs em evidência o património espiritual das Igrejas locais, nas quais e a partir das quais existe a Igreja Católica, e a necessidade de articular as suas experiências. Em virtude da catolicidade, “cada parte contribui com os seus dons peculiares em favor dos outros e de toda a Igreja, de modo que o todo e cada parte crescem, por comunicação mútua e pelo esforço comum, em ordem a alcançar a plenitude na unidade” (LG 13). O ministério do Sucessor de Pedro “protege as diferenças legítimas e vela para que as particularidades, longe de serem nocivas, contribuam antes para a unidade” (ibid.; cf. AG 22).

38. Toda a Igreja foi sempre uma pluralidade de povos e línguas, de Igrejas com os seus ritos, disciplinas e heranças teológicas e espirituais particulares, de vocações, carismas e ministérios ao serviço da unidade comum. A unidade desta variedade é realizada por Cristo, pedra angular, e pelo Espírito, mestre de harmonia. Esta unidade na diversidade é designada precisamente pela catolicidade da Igreja. Sinal disso é a pluralidade das Igrejas sui iuris, cuja riqueza o processo sinodal pôs em evidência. A Assembleia pede que se prossiga no caminho do encontro, da compreensão recíproca e da permuta de dons que alimentam a comunhão de uma Igreja de Igrejas.

39. A renovação sinodal favorece a valorização dos contextos como lugar onde se torna presente e se realiza o chamamento universal de Deus a fazer parte do seu Povo, daquele Reino de Deus que é “justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Rm 14,17). Deste modo, as diferentes culturas podem compreender a unidade que está na base da sua pluralidade e abrir-se à perspetiva da permuta de dons. “A unidade da Igreja não é a uniformidade, mas a integração orgânica das legítimas diversidades” (NMI 46). A variedade das expressões da mensagem salvífica evita reduzi-la a uma única compreensão da vida da Igreja e das formas teológicas, litúrgicas, pastorais e disciplinares em que se exprime.

40. A valorização dos contextos, das culturas e das diversidades, e das relações entre si, é uma chave para crescer como Igreja sinodal missionária e caminhar, sob o impulso do Espírito Santo, para a unidade visível dos cristãos. Reafirmamos o empenho da Igreja Católica em prosseguir e intensificar o caminho ecuménico com outros cristãos, em virtude do Batismo comum e em resposta ao apelo a viver juntos a comunhão e a unidade entre os discípulos, pelas quais Cristo rezou na Última Ceia (cf. Jo 17, 20-26). A Assembleia saúda com alegria e gratidão os progressos nas relações ecuménicas ao longo dos últimos sessenta anos, os documentos de diálogo e as declarações que exprimem a fé comum. A participação dos Delegados Fraternos enriqueceu o desenrolar da Assembleia, e aguardamos com esperança os próximos passos do caminho para a plena comunhão, graças à receção dos frutos do caminho ecuménico nas práticas eclesiais.

41. Em toda a parte do mundo, os cristãos vivem lado a lado com pessoas que não são batizadas e que servem a Deus praticando uma religião diferente. Por eles rezamos de modo solene na liturgia de Sexta-feira Santa, com eles colaboramos e lutamos por construir um mundo melhor, e juntamente com eles imploramos ao Deus único para libertar o mundo dos males que o afligem. O diálogo, o encontro e a permuta de dons típicos de uma Igreja sinodal são chamados a abrir-se às relações com outras tradições religiosas, com o objetivo de “estabelecer amizade, paz, harmonia e partilhar valores e experiências morais e espirituais num espírito de verdade e amor” (Conferência Episcopal da Índia, Response of the Church in India to the present day challenges, 9 de março de 2016, citado em FT 271). Nalgumas regiões, os cristãos que se empenham na construção de relações fraternas com pessoas de outras religiões sofrem perseguições. A Assembleia encoraja-os a perseverar no seu empenho com esperança.

42. A pluralidade das religiões e das culturas, a multiformidade das tradições espirituais e teológicas, a variedade dos dons do Espírito e das tarefas na comunidade, bem como a diversidade de idade, sexo e pertenças sociais no seio da Igreja são um convite a cada para reconhecer e assumir a sua própria parcialidade, renunciando à pretensão de se colocar no centro e abrindo-se ao acolhimento de outras perspetivas. Cada um é portador de uma contribuição peculiar e indispensável para completar a obra comum. A Igreja sinodal pode ser descrita recorrendo à imagem da orquestra: a variedade dos instrumentos é necessária para dar vida à beleza e à harmonia da música, no seio da qual a voz de cada um mantém os seus traços distintivos ao serviço da missão comum. Manifesta-se assim a harmonia que o Espírito opera na Igreja, Ele que é a harmonia em pessoa (cf. São Basílio, Sobre o Salmo 29, 1; Sobre o Espírito SantoXVI, 38).

 

A espiritualidade sinodal

43. A sinodalidade é, antes de mais, uma disposição espiritual que permeia a vida quotidiana dos batizados e todos os aspetos da missão da Igreja. Uma espiritualidade sinodal nasce da ação do Espírito Santo e requer a escuta da Palavra de Deus, a contemplação, o silêncio e a conversão do coração. Como afirmou o Papa Francisco no discurso de abertura desta segunda sessão, “o Espírito Santo é guia seguro, e a nossa primeira tarefa é aprender a distinguir a sua voz, porque Ele fala em todos e em todas as coisas”. Uma espiritualidade sinodal exige também ascese, humildade, paciência e disponibilidade para perdoar e ser perdoado. Acolhe com gratidão e humildade a variedade de dons e tarefas distribuídos pelo Espírito Santo para o serviço do único Senhor (cf. 1 Cor 12, 4-5). Fá-lo sem ambição ou inveja, nem desejo de domínio ou de controlo, cultivando os mesmos sentimentos de Cristo Jesus, que “aniquilou-se a si próprio, assumindo a condição de servo” (Fil 2,7). Reconhecemos o fruto quando a vida quotidiana da Igreja é marcada pela unidade e pela harmonia na pluriformidade. Ninguém pode percorrer sozinho um caminho de espiritualidade autêntica. Precisamos de acompanhamento e apoio, incluindo a formação e a direção espiritual, como indivíduos e como comunidade.

44. A renovação da comunidade cristã só é possível reconhecendo o primado da graça. Se falta a profundidade espiritual pessoal e comunitária, a sinodalidade reduz-se a um expediente organizativo. Somos chamados não apenas a traduzir os frutos de uma experiência espiritual pessoal em processos comunitários, mas, mais profundamente, a experimentar como praticar o mandamento novo do amor recíproco é um lugar e uma forma de encontro com Deus. Neste sentido, a perspetiva sinodal, enquanto se apoia no rico património espiritual da Tradição, contribui para renovar as suas formas: uma oração aberta à participação, um discernimento vivido juntos, uma energia missionária que nasce da partilha e se irradia como serviço.

45. A conversação no Espírito é um instrumento que, mesmo com os seus limites, é fecundo para permitir a escuta e o discernimento “do que o Espírito diz às igrejas” (Ap 2,7). A sua prática suscitou alegria, espanto e gratidão e foi vivida como um caminho de renovação que transforma as pessoas, os grupos e a Igreja. A palavra “conversação” exprime algo mais do que um simples diálogo: ela entrelaça harmoniosamente pensamento e sentimento e gera um mundo vital partilhado. Por isso se pode dizer que na conversação está em jogo a conversão. Trata-se de um dado antropológico que se encontra em diferentes povos e culturas, unidos pela prática de se reunirem solidariamente para tratar e decidir as questões vitais para a comunidade. A graça leva ao cumprimento desta experiência humana: conversar “no Espírito” significa viver a experiência da partilha à luz da fé e da procura do querer de Deus, numa atmosfera evangélica em que o Espírito Santo pode fazer ouvir a sua voz inconfundível.

46. Em todas as etapas do processo sinodal ressoou a necessidade de cura, reconciliação e reconstrução da confiança no seio da Igreja, em particular na sequência de demasiados escândalos ligados a diversos tipos de abusos, e no seio da sociedade. A Igreja é chamada a pôr no centro da sua vida e da sua ação o facto de que em Cristo, através do Batismo, somos confiados uns aos outros. O reconhecimento desta realidade profunda transforma-se num dever sagrado que nos torna capazes de reconhecer os erros e reconstruir a confiança. Percorrer este caminho é um ato de justiça e um compromisso missionário do Povo de Deus no nosso mundo e um dom que devemos invocar do alto. O desejo de continuar a percorrer este caminho é fruto da renovação sinodal.

 

A sinodalidade como profecia social

47. Praticado com humildade, o estilo sinodal pode fazer da Igreja uma voz profética no mundo de hoje. “A Igreja sinodal é como um estandarte erguido entre as nações (cf. Is 11,12)” (Francisco, Discurso por ocasião da comemoração do 50.º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos, 17 de outubro de 2015). Vivemos numa época marcada pelo aumento das desigualdades, pela crescente desilusão com os modelos tradicionais de governação, pelo desencanto com o funcionamento da democracia, pelo aumento das tendências autocráticas e ditatoriais, pelo predomínio do modelo de mercado sem ter em conta a vulnerabilidade das pessoas e da criação, e pela tentação de resolver os conflitos através da força e não do diálogo. Práticas autênticas de sinodalidade permitem aos cristãos desenvolver uma cultura capaz de profecia crítica face ao pensamento dominante e, assim, oferecer um contributo peculiar na procura de respostas a muitos dos desafios que as sociedades contemporâneas devem enfrentar e na construção do bem comum.

48. O modo sinodal de viver as relações é um testemunho social que responde à necessidade humana de ser acolhido e de se sentir reconhecido numa comunidade concreta. É um desafio ao crescente isolamento das pessoas e ao individualismo cultural, que também a Igreja muitas vezes absorveu, e apela-nos ao cuidado mútuo, à interdependência e à corresponsabilidade pelo bem comum. Ao mesmo tempo, desafia um comunitarismo social exagerado que sufoca as pessoas e não lhes permite serem sujeitos do seu próprio desenvolvimento. A disponibilidade para a escuta de todos, especialmente os pobres, contrasta fortemente com um mundo em que a concentração do poder exclui os pobres, os marginalizados, as minorias e a terra, nossa casa comum. Sinodalidade e ecologia integral assumem ambas a perspetiva das relações e insistem na necessidade do cuidado das ligações: por isso correspondem-se e complementam-se no modo de viver a missão da Igreja no mundo contemporâneo.

 

Parte II – No barco, juntos
A conversão das relações

Estavam juntos Simão Pedro, Tomé, chamado Dídimo, e Natanael, que era de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeu e mais dois discípulos de Jesus. Disse-lhes Simão Pedro: “Vou pescar”. Eles responderam-lhe: “Nós vamos contigo” (Jo 21,2-3).

49. O lago de Tiberíades é o lugar onde tudo começou. Pedro, André, Tiago e João tinham deixado o barco e as redes para irem atrás de Jesus. Depois da Páscoa, voltam a partir desse lago. Durante a noite, um diálogo ressoa na margem: “Vou pescar”. “Nós vamos contigo”. O caminho sinodal também começou assim: ouvimos o convite do Sucessor de Pedro e acolhemo-lo; partimos com ele e atrás dele. Juntos rezámos, refletimos, lutámos e dialogámos. Mas sobretudo experimentámos que são as relações que sustentam a vitalidade da Igreja, animando as suas estruturas. Uma Igreja sinodal missionária precisa de renovar ambos.

 

Novas relações

50. Ao longo de todo o caminho do Sínodo e em todas as latitudes, emergiu o apelo a uma Igreja mais capaz de alimentar as relações: com o Senhor, entre homens e mulheres, nas famílias, nas comunidades, entre todos os cristãos, entre grupos sociais, entre as religiões, com a criação. Muitos manifestaram a surpresa por terem sido interpelados e a alegria por poderem fazer ouvir a sua voz na comunidade; não faltaram também aqueles que partilharam o sofrimento de se sentirem excluídos ou julgados também por causa da sua situação conjugal, identidade e sexualidade. O desejo de relações mais autênticas e significativas não exprime apenas a aspiração de pertencer a um grupo coeso, mas corresponde a uma profunda consciência de fé: a qualidade evangélica das relações comunitárias é decisiva para o testemunho que o Povo de Deus é chamado a dar na história. “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35). As relações renovadas pela graça e a hospitalidade oferecida aos últimos segundo o ensinamento de Jesus são o sinal mais eloquente da ação do Espírito Santo na comunidade dos discípulos. Para ser uma Igreja sinodal é necessária, portanto, uma verdadeira conversão relacional. Temos de reaprender do Evangelho que o cuidado das relações não é uma estratégia ou o instrumento para uma maior eficácia organizacional, mas é o modo como Deus Pai se revelou em Jesus e no Espírito. Quando as nossas relações, mesmo na sua fragilidade, deixam transparecer a graça de Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito, confessamos com a vida a fé em Deus Trindade.

51. É para os Evangelhos que devemos olhar para traçar a conversão que nos é pedida, aprendendo a fazer nossas as atitudes de Jesus. Os Evangelhos “apresentam-no constantemente à escuta das pessoas que se aproximam dele pelos caminhos da Terra Santa” (DTC 11). Quer sejam homens ou mulheres, judeus ou pagãos, doutores da lei ou publicanos, justos ou pecadores, mendigos, cegos, leprosos ou doentes, Jesus não manda ninguém embora sem parar para escutar e sem entrar em diálogo. Revelou o rosto do Pai vindo ao encontro de cada pessoa onde se encontra a sua história e a sua liberdade. Da escuta das necessidades e da fé das pessoas que encontrava, brotavam palavras e gestos que renovavam as suas vidas, abrindo caminho a relações restauradas. Jesus é o Messias que “faz ouvir os surdos e falar os mudos” (Mc 7,37). Pede-nos a nós, seus discípulos, que nos comportemos do mesmo modo e dá-nos, com a graça do Espírito Santo, a capacidade de o fazer, modelando o nosso coração no seu: só “o coração torna possível qualquer ligação autêntica, porque uma relação que não é construída com o coração é incapaz de superar a fragmentação do individualismo” (DN 17). Quando nos pomos à escuta dos nossos irmãos e irmãs, participamos na atitude com que Deus em Jesus Cristo vem ao encontro de cada um.

52. A necessidade de conversão nas relações diz respeito, inequivocamente, às relações entre homens e mulheres. O dinamismo relacional está inscrito na nossa condição de criaturas. A diferença sexual constitui a base da relacionalidade humana. “Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher” (Gn 1,27). No projeto de Deus, esta diferença original não implica desigualdade entre homem e mulher. Na nova criação, ela é reinterpretada à luz da dignidade do Batismo: “todos vós que recebestes o batismo de Cristo fostes revestidos de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,27-28). Como cristãos, somos chamados a acolher e a respeitar, nos diferentes modos e nos diversos contextos em que se exprime, esta diferença que é dom de Deus e fonte de vida. Damos testemunho do Evangelho quando procuramos viver relações que respeitam a igual dignidade e a reciprocidade entre homens e mulheres. As expressões recorrentes de dor e sofrimento por parte de mulheres de todas as regiões e continentes, tanto leigas como consagradas, durante o processo sinodal, revelam como muitas vezes não conseguimos fazê-lo.

 

Numa pluralidade de contextos

53. O apelo à renovação das relações no Senhor Jesus ressoa na pluralidade dos contextos em que os seus discípulos vivem e realizam a missão da Igreja. Cada um destes contextos tem riquezas peculiares que é indispensável ter em conta, ligadas ao pluralismo das culturas. No entanto, todos eles, ainda que de formas diferentes, apresentam os sinais de lógicas relacionais distorcidas e por vezes opostas às do Evangelho. Ao longo da história, os fechamentos relacionais solidificaram-se em verdadeiras estruturas de pecado (cf. SRS 36), que influenciam o modo de pensar e de atuar das pessoas. Em particular, geram bloqueios e medos, que é preciso enfrentar e atravessar para que possamos seguir no caminho da conversão relacional.

54. É nesta dinâmica que se enraízam os males que afligem o nosso mundo, a começar pelas guerras e conflitos armados, e a ilusão de que uma paz justa pode ser alcançada pela força das armas. Igualmente letal é a convicção de que toda a criação, mesmo as pessoas, pode ser explorada à vontade para fins lucrativos. Esta é a consequência de muitas e diversas barreiras que dividem as pessoas, mesmo nas comunidades cristãs, e limitam as possibilidades de alguns em relação às de outros: as desigualdades entre homens e mulheres, o racismo, a divisão em castas, a discriminação das pessoas com deficiência, a violação dos direitos das minorias de todos os géneros, a falta de disponibilidade para acolher os migrantes. Também a relação com a terra, nossa irmã e mãe (cf. LS 1), apresenta sinais de uma fratura que põe em perigo a vida de inúmeras comunidades, sobretudo nas regiões mais pobres, se não mesmo de povos inteiros e talvez de toda a humanidade. O fechamento mais radical e dramático é o da própria vida humana, que leva a ao descarte das crianças, desde o ventre materno, e dos idosos.

55. Muitos males que afligem o nosso mundo manifestam-se também na Igreja. A crise dos abusos, nas suas diversas e trágicas manifestações, trouxe sofrimentos indescritíveis e muitas vezes duradouros às vítimas e aos sobreviventes, bem como às suas comunidades. A Igreja deve escutar com particular atenção e sensibilidade as vozes das vítimas e dos sobreviventes de abusos sexuais, espirituais, económicos, institucionais, de poder e de consciência por parte de membros do clero ou de pessoas com cargos eclesiais. A escuta é um elemento fundamental do caminho para a cura, o arrependimento, a justiça e a reconciliação. Numa época que vive uma crise global de confiança e encoraja as pessoas a viver na desconfiança e na suspeição, a Igreja deve reconhecer as próprias falhas, pedir humildemente perdão, cuidar das vítimas, dotar-se de instrumentos de prevenção e esforçar-se por reconstruir a confiança recíproca no Senhor.

56. A escuta de quem sofre a exclusão e a marginalização reforça a consciência da Igreja de que faz parte da sua missão assumir o peso destas relações feridas para que o Senhor, o Vivente, as possa curar. Só assim ela pode ser “como que o sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano” (LG 1). Ao mesmo tempo, a abertura ao mundo permite-nos descobrir que em cada canto do planeta, em cada cultura e em cada grupo humano, o Espírito lançou as sementes do Evangelho. Estas dão fruto na capacidade de viver relações sadias, de cultivar a confiança mútua e o perdão, de vencer o medo da diversidade e dar vida a comunidades acolhedoras, de promover uma economia atenta às pessoas e ao planeta, de reconciliar-se depois de um conflito. A história deixa-nos um legado de conflitos motivados também por causa da pertença religiosa, minando a credibilidade das próprias religiões. Fonte de sofrimento é o escândalo da divisão entre comunhões cristãs, a inimizade entre irmãos e irmãs que receberam o mesmo Batismo. A experiência renovada do impulso ecuménico que acompanha o caminho sinodal, um dos sinais da conversão relacional, abre à esperança.

 

Carismas, vocações e ministérios para a missão

57. Os cristãos, pessoalmente ou em forma associada, são chamados a fazer frutificar os dons que o Espírito concede em vista do testemunho e do anúncio do Evangelho. “Há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mes­mo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum” (1 Cor 12,4-7). Na comunidade cristã, todos os batizados são enriquecidos com dons para partilhar, cada um segundo a sua vocação e a sua condição de vida. As diversas vocações eclesiais são, de facto, expressões múltiplas e articuladas do único chamamento batismal à santidade e à missão. A variedade dos carismas, que tem a sua origem na liberdade do Espírito Santo, tem como objetivo a unidade do Corpo eclesial de Cristo (cf. LG 32) e a missão nos diversos lugares e culturas (cf. LG 12). Estes dons não são propriedade exclusiva de quem os recebe e exerce, nem podem ser motivo de reivindicação para si ou para um grupo. Eles são chamados a contribuir tanto para a vida da comunidade cristã, também através de uma adequada pastoral vocacional, como para o desenvolvimento da sociedade nas suas múltiplas dimensões.

58. Cada batizado responde às exigências da missão nos contextos em que vive e trabalha com base nas suas próprias inclinações e capacidades, manifestando assim a liberdade do Espírito ao conceder os seus dons. É graças a este dinamismo do Espírito que o Povo de Deus, pondo-se à escuta da realidade em que vive, pode descobrir novos âmbitos de empenhamento e novas formas para cumprir a sua missão. Os cristãos que, a diferentes títulos – na família e noutros estados de vida, no trabalho e nas profissões, no empenho cívico ou político, social ou ecológico, na elaboração de uma cultura inspirada no Evangelho como na evangelização da cultura em ambiente digital – percorrem os caminhos do mundo e nos seus ambientes de vida anunciam o Evangelho, são sustentados pelos dons do Espírito.

59. Pedem à Igreja que não os deixe sozinhos, mas que se sintam enviados e apoiados. Pedem para serem alimentados pelo pão da Palavra e da Eucaristia, bem como pelos laços fraternos da comunidade. Pedem que o seu compromisso seja reconhecido pelo que é: ação da Igreja com base no Evangelho e não uma opção privada. Por fim, pedem que a comunidade acompanhe aqueles que, pelo seu testemunho, foram atraídos pelo Evangelho. Numa Igreja sinodal missionária, guiadas pelos seus Pastores, as comunidades serão capazes de enviar e apoiar os seus enviados. Por isso, conceber-se-ão como estando principalmente ao serviço da missão que os fiéis realizam na sociedade, na vida familiar e profissional, sem se concentrarem exclusivamente nas atividades que se desenvolvem no seu interior e nas suas necessidades organizativas.

60. Em virtude do Batismo, homens e mulheres gozam de igual dignidade no Povo de Deus. No entanto, as mulheres continuam a encontrar obstáculos para obter um reconhecimento mais pleno dos seus carismas, da sua vocação e do seu lugar nos vários sectores da vida da Igreja, em detrimento do serviço à missão comum. As Escrituras atestam o papel de primeiro plano de muitas mulheres na história da salvação. A uma mulher, Maria de Magdala, foi confiado o primeiro anúncio da Ressurreição; no dia de Pentecostes, Maria, a Mãe de Deus, estava presente no Cenáculo, juntamente com muitas outras mulheres que tinham seguido o Senhor. É importante que as passagens relevantes da Escritura encontrem lugar apropriado nos lecionários litúrgicos. Alguns momentos cruciais da história da Igreja confirmam o contributo essencial das mulheres movidas pelo Espírito. As mulheres constituem a maioria daqueles que frequentam as igrejas e são frequentemente as primeiras testemunhas da fé nas famílias. São ativas na vida das pequenas comunidades cristãs e nas paróquias; dirigem escolas, hospitais e centros de acolhimento; lideram iniciativas de reconciliação e de promoção da dignidade humana e da justiça social. As mulheres contribuem para a investigação teológica e estão presentes em posições de responsabilidade nas instituições ligadas à Igreja, na Cúria diocesana e na Cúria Romana. Há mulheres que exercem cargos de autoridade ou são responsáveis pela comunidade. Esta Assembleia convida a dar plena implementação de todas as oportunidades já previstas no direito vigente relativamente ao papel das mulheres, particularmente nos lugares onde estes continuam por cumprir. Não há razões que impeçam as mulheres de assumir funções de liderança na Igreja: não se pode impedir o que vem do Espírito Santo. A questão do acesso das mulheres ao ministério diaconal também permanece em aberto. É necessário prosseguir o discernimento a este respeito. A Assembleia convida também a prestar maior atenção à linguagem e às imagens utilizadas na pregação, no ensino, na catequese e na redação dos documentos oficiais da Igreja, dando mais espaço ao contributo de mulheres santas, teólogas e místicas.

61. No seio da comunidade cristã, deve ser dada uma atenção especial às crianças: não só precisam de ser acompanhadas na aventura do crescimento, mas têm muito para dar à comunidade dos crentes. Quando os apóstolos discutem entre si quem é o maior, Jesus coloca uma criança no centro, apresentando-a como critério para entrar no Reino (cf. Mc 9,33-37). A Igreja não pode ser sinodal sem o contributo das crianças, portadoras de um potencial missionário a valorizar. A sua voz é necessária para a comunidade: devemos escutá-la e empenharmo-nos para que todos na sociedade a escutem, especialmente aqueles que têm responsabilidades políticas e educativas. Uma sociedade que não sabe acolher e cuidar das crianças é uma sociedade doente; o sofrimento por que passam muitas delas por causa da guerra, da pobreza e abandono, dos abusos e do tráfico é um escândalo que requer a coragem da denúncia e o empenho da solidariedade.

62. Os jovens têm também um contributo a dar para a renovação sinodal da Igreja. São particularmente sensíveis aos valores da fraternidade e da partilha, recusando atitudes paternalistas ou autoritárias. Por vezes, a sua atitude em relação à Igreja aparece como uma crítica, mas muitas vezes assume a forma positiva de um compromisso pessoal por uma comunidade acolhedora e empenhada a lutar contra a injustiça social e pelo cuidado da casa comum. O pedido de “caminhar juntos na vida quotidiana”, proposto pelos jovens no Sínodo que lhes foi dedicado em 2018, corresponde exatamente ao horizonte de uma Igreja sinodal. Por isso, é fundamental assegurar-lhes um acompanhamento atento e paciente; em particular, merece ser retomada a proposta, surgida graças à sua contribuição, de “uma experiência de acompanhamento em vista do discernimento”, que preveja a vida fraterna partilhada com os educadores adultos, um compromisso apostólico a ser vivido em conjunto ao serviço dos mais necessitados, uma oferta de espiritualidade enraizada na oração e na vida sacramental (cf. Documento final da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, 161).

63. Na promoção da corresponsabilidade pela missão de todos os batizados, reconhecemos as capacidades apostólicas das pessoas com deficiência que se sentem chamadas e enviadas como sujeitos ativos de evangelização. Queremos valorizar a contribuição que provém da imensa riqueza de humanidade que trazem consigo. Reconhecemos as suas experiências de sofrimento, de marginalização, de discriminação, por vezes sofridas mesmo no seio da própria comunidade cristã, devido a atitudes paternalistas de comiseração. Para favorecer a sua participação na vida e na missão da Igreja, propõe-se a criação de um Observatório eclesial da deficiência.

64. Entre as vocações com que a Igreja se enriquece, destaca-se a dos esposos. O Concílio Vaticano II ensinou que eles “têm para isso, no seu estado de vida e missão, um dom especial dentro do Povo de Deus” (LG 11). O sacramento do matrimónio atribui uma missão peculiar que diz respeito, ao mesmo tempo, à vida da família, à edificação da Igreja e ao empenho na sociedade. Em particular, nos últimos anos cresceu a consciência de que as famílias são sujeitos e não apenas destinatários da pastoral familiar. Por isso, têm necessidade de se encontrar e de estar em rede, também graças às instituições eclesiais dedicadas à educação das crianças e dos jovens. Mais uma vez, a Assembleia exprime a sua proximidade e apoio àqueles que vivem uma condição de solidão como opção de fidelidade à Tradição e ao magistério sobre o matrimónio e a ética sexual, nos quais reconhecem uma fonte de vida.

65. Ao longo dos séculos, os dons espirituais deram origem também a várias expressões de vida consagrada. Desde os primeiros tempos, a Igreja reconheceu a ação do Espírito na vida daqueles homens e mulheres que escolheram seguir Cristo no caminho dos conselhos evangélicos, consagrando-se ao serviço de Deus, tanto na contemplação como nas múltiplas formas de serviço. A vida consagrada é chamada a interpelar a Igreja e a sociedade com a sua voz profética. Na sua experiência secular, as famílias religiosas amadureceram práticas experimentadas de vida sinodal e de discernimento comunitário, aprendendo a harmonizar os dons individuais e a missão comum. Ordens e Congregações, Sociedades de Vida Apostólica, Institutos Seculares, bem como Associações, Movimentos e Novas Comunidades têm um contributo especial a dar para o crescimento da sinodalidade na Igreja. Hoje, muitas comunidades de vida consagrada são um laboratório de interculturalidade que constitui uma profecia para a Igreja e para o mundo. Ao mesmo tempo, a sinodalidade convida – e por vezes desafia – os Pastores das Igrejas locais, bem como os responsáveis da vida consagrada e das Agregações eclesiais, a reforçar as relações para dar vida a uma permuta de dons ao serviço da missão comum.

66. A missão envolve todos os batizados. A primeira tarefa dos Leigos e Leigas é permear e transformar as realidades temporais com o espírito do Evangelho (cf. LG 31.33; AA 5-7). O processo sinodal, apoiado por um estímulo do Papa Francisco (cf. Carta Apostólica sob a forma de Motu proprio Spiritus Domini, 10 de janeiro de 2021), exortou as Igrejas locais a responderem com criatividade e coragem às necessidades da missão, discernindo entre os carismas alguns em que é oportuno que tomem uma forma ministerial, dotando-se de critérios, instrumentos e procedimentos adequados. Nem todos os carismas devem ser configurados como ministérios, nem todos os batizados devem ser ministros, nem todos os ministérios devem ser instituídos. Para que um carisma seja configurado como ministério, é necessário que a comunidade identifique uma verdadeira necessidade pastoral, acompanhada de um discernimento feito pelo Pastor, juntamente com a comunidade, sobre a oportunidade de criar um novo ministério. Como fruto de tal processo, a autoridade competente assume a decisão. Numa Igreja sinodal missionária, é necessária a promoção de formas mais numerosas de ministérios laicais, isto é, que não requerem o sacramento da Ordem, não só no âmbito litúrgico. Podem ser instituídos ou não instituídos. É preciso também uma reflexão sobre o modo de confiar os ministérios laicais numa época em que as pessoas se deslocam cada vez mais facilmente de um lugar para outro, especificando tempos e âmbitos para o seu exercício.

67. Entre os numerosos serviços eclesiais, a Assembleia reconheceu o contributo para a compreensão da fé e o discernimento oferecido pela teologia na variedade das suas expressões. Os teólogos e teólogas ajudam o Povo de Deus a desenvolver uma compreensão da realidade iluminada pela Revelação e a elaborar respostas idóneas e linguagens apropriadas para a missão. Na Igreja sinodal e missionária “o carisma da teologia é chamado a prestar um serviço específico […]. Juntamente com a experiência de fé e a contemplação da verdade do povo fiel e com a pregação dos Pastores, contribui para a penetração cada vez mais profunda do Evangelho. Além disso, ‘como qualquer outra vocação cristã, o ministério do teólogo, além de pessoal, é também comunitário e colegial’” (CTI, n. 75), sobretudo quando se realiza sob a forma de ensino confiado com uma missão canónica nas instituições académicas eclesiásticas. “A sinodalidade eclesial compromete, portanto, os teólogos a fazer teologia de forma sinodal, promovendo entre si a capacidade de escutar, dialogar, discernir e integrar a multiplicidade e variedade das instâncias e das contribuições” (ibid.). Nesta linha, é urgente favorecer, através de formas institucionais oportunas, o diálogo entre os Pastores e aqueles que estão empenhados na investigação teológica. A Assembleia convida as instituições teológicas a prosseguir a investigação com o objetivo de clarificar e aprofundar o significado da sinodalidade e acompanhar a formação nas Igrejas locais.

 

O ministério ordenado ao serviço da harmonia

68. Como todos os ministérios da Igreja, o episcopado, o presbiterado e o diaconado estão ao serviço do anúncio do Evangelho e da edificação da comunidade eclesial. O Concílio Vaticano II recordou que o ministério ordenado de instituição divina “exerce-se em ordens diversas por aqueles que desde a antiguidade são chamados bispos, presbíteros e diáconos” (LG 28). Neste contexto, o Concílio Vaticano II afirmou a sacramentalidade do episcopado (cf. LG 21), recuperou a realidade comunional do presbiterado (cf. LG 28) e abriu o caminho para a restauração do exercício permanente do diaconado na Igreja latina (cf. LG 29).

 

O ministério do bispo: compor os dons do Espírito na unidade

69. A função do bispo é presidir a uma Igreja local, como princípio visível de unidade no seu interior e vínculo de comunhão com todas as Igrejas. A afirmação conciliar de que “pela consagração episcopal, é conferida a plenitude do sacramento da Ordem” (LG 21) permite-nos compreender a identidade do bispo na trama das relações sacramentais com Cristo e com a “porção do povo de Deus” (CD 11) que lhe foi confiada e que ele é chamado a servir em nome de Cristo Bom Pastor. Quem é ordenado bispo não recebe prerrogativas e tarefas que deve desempenhar sozinho. Pelo contrário, recebe a graça e a tarefa de reconhecer, discernir e compor em unidade os dons que o Espírito derrama sobre as pessoas e sobre as comunidades, trabalhando dentro do vínculo sacramental com os presbíteros e os diáconos, que com ele são corresponsáveis pelo serviço ministerial na Igreja local. Ao fazer isto, realiza aquilo que é mais próprio e específico da sua missão no contexto da solicitude pela comunhão das Igrejas.

70. O ministério do Bispo é um serviço na, com e para a comunidade (cf. LG 20), realizado através do anúncio da Palavra e da presidência da celebração da Eucaristia e dos outros sacramentos. Por isso, a Assembleia sinodal deseja que o Povo de Deus tenha mais voz na escolha dos Bispos. Recomenda também que a Ordenação do Bispo tenha lugar na Diocese para a qual é destinado como Pastor e não na Diocese de origem, como muitas vezes acontece, e que os principais ordenantes sejam escolhidos entre os Bispos da Província eclesiástica, incluindo, na medida do possível, o Metropolita. Deste modo, fará mais sentido que aquele que se torna Bispo contraia um vínculo com a Igreja a que é destinado, assumindo publicamente perante ela os compromissos do seu ministério. É igualmente importante que, sobretudo durante as visitas pastorais, possa passar tempo com os fiéis, para os escutar em vista do seu discernimento. Isto ajudá-los-á a viver a Igreja como família de Deus. A relação constitutiva do Bispo com a Igreja local não aparece hoje com suficiente clareza no caso dos Bispos titulares, como por exemplo os Representantes Pontifícios e aqueles que prestam serviço na Cúria Romana. Será oportuno continuar a refletir sobre este tema.

71. Os Bispos também precisam de ser acompanhados e apoiados no seu ministério. O Metropolita pode desempenhar um papel na promoção da fraternidade entre Bispos de Dioceses vizinhas. Ao longo do caminho sinodal surgiu a necessidade de oferecer aos Bispos percursos de formação permanente também nos contextos locais. Foi recordada a necessidade de clarificar o papel dos Bispos auxiliares e de alargar as tarefas que o Bispo pode delegar. A experiência dos Bispos eméritos na sua nova forma de estar ao serviço do Povo de Deus deve também ser valorizada. É importante ajudar os fiéis a não cultivar expectativas excessivas e irrealistas em relação ao Bispo, recordando que também ele é um irmão frágil, exposto à tentação, necessitado de ajuda como todos os outros. Uma visão idealizada do Bispo não facilita o seu delicado ministério, que, pelo contrário, é sustentado pela participação de todo o Povo de Deus na missão, numa Igreja verdadeiramente sinodal.

 

Com o Bispo: Presbíteros e Diáconos

72. Numa Igreja sinodal, os presbíteros são chamados a viver o seu serviço numa atitude de proximidade com as pessoas, de acolhimento e de escuta de todos, abrindo-se a um estilo sinodal. Os presbíteros “constituem com o Bispo um único presbitério” (LG 28) e colaboram com ele no discernimento dos carismas e no acompanhamento e orientação da Igreja local, com uma atenção particular ao serviço da unidade. São chamados a viver a fraternidade presbiteral e a caminhar juntos no serviço pastoral. Os presbíteros membros dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica também fazem parte do presbitério e enriquecem-no com a particularidade do seu carisma. Eles, assim como os presbíteros provenientes das Igrejas orientais sui iuris, celibatários ou casados, os presbíteros fidei donume aqueles que provêm de outras nações ajudam o clero local a abrir-se aos horizontes de toda a Igreja, enquanto os presbíteros diocesanos ajudam os seus irmãos a inserir-se na história de uma diocese concreta, com as suas tradições e riquezas espirituais. Deste modo, também no presbitério se realiza uma verdadeira permuta de dons em vista da missão. Os presbíteros também precisam de ser acompanhados e apoiados, sobretudo nas primeiras etapas do seu ministério e nos momentos de fraqueza e fragilidade.

73. Servos dos mistérios de Deus e da Igreja (cf. LG 41), os diáconos são ordenados “não para o sacerdócio, mas para o ministério” (LG 29). Exercem-no no serviço da caridade, no anúncio e na liturgia, mostrando em cada contexto social e eclesial em que estão presentes a relação entre Evangelho anunciado e vida vivida no amor, e promovendo em toda a Igreja uma consciência e um estilo de serviço a todos, especialmente os mais pobres. As funções dos diáconos são múltiplas, como o demonstram a Tradição, a oração litúrgica e a prática pastoral. Elas devem ser especificadas em resposta às necessidades de cada Igreja local, sobretudo para despertar e sustentar a atenção de todos para com os mais pobres, no quadro de uma Igreja sinodal missionária e misericordiosa. O ministério diaconal permanece ainda desconhecido para muitos cristãos, também porque, embora tenha sido restaurado pelo Vaticano II na Igreja latina como grau próprio e permanente (cf. LG 29), não foi ainda aceite em todas as áreas geográficas. O ensinamento do Concílio deverá ser aprofundado, também com base na revisão das numerosas experiências em curso, mas oferece desde já sólidas motivações às Igrejas locais para não se atrasarem na promoção mais generosa do diaconado permanente, reconhecendo neste ministério um fator precioso de amadurecimento de uma Igreja serva no seguimento do Senhor Jesus que se fez servo de todos. Este aprofundamento poderá também ajudar a compreender melhor o significado da ordenação diaconal daqueles que se tornarão presbíteros.

 

Colaboração entre ministros ordenados na Igreja Sinodal

74. Várias vezes, no decurso do processo sinodal, foi expressa gratidão aos Bispos, Presbíteros e Diáconos pela alegria, empenho e dedicação com que desempenham o seu serviço. Também foram ouvidas as dificuldades que os pastores encontram no seu ministério, principalmente as relacionadas com um sentimento de isolamento, de solidão, bem como com o facto de se sentirem sobrecarregados pelas exigências de satisfazer todas as necessidades. A experiência do Sínodo pode ajudar Bispos, Presbíteros e Diáconos a redescobrir a corresponsabilidade no exercício do ministério, que exige também a colaboração com os outros membros do Povo de Deus. Uma distribuição mais articulada das tarefas e das responsabilidades, um discernimento mais corajoso daquilo que pertence propriamente ao ministério ordenado e daquilo que pode e deve ser delegado a outros, favorecerá o seu exercício de modo espiritualmente mais sadio e pastoralmente mais dinâmico em cada uma das suas ordens. Esta perspetiva não deixará de ter um impacto nos processos de decisão caracterizados por um estilo mais claramente sinodal. Ajudará também a superar o clericalismo, entendido como uso do poder em benefício próprio e distorção da autoridade da Igreja que está ao serviço do Povo de Deus. Exprime-se sobretudo nos abusos sexuais, económicos, de consciência e de poder por parte dos ministros da Igreja. “O clericalismo, fomentado tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, gera uma cisão no Corpo eclesial que fomenta e ajuda a perpetuar muitos dos males que hoje denunciamos” (Francisco, Carta ao Povo de Deus, 20 de agosto de 2018).

 

Juntos pela missão

75. Em resposta às necessidades da comunidade e da missão, ao longo da sua história a Igreja deu origem a alguns ministérios, distintos dos ordenados. Estes ministérios são a forma que os carismas assumem quando são reconhecidos publicamente pela comunidade e por aqueles que têm a responsabilidade de os orientar, e são colocados de forma estável ao serviço da missão. Alguns estão mais especificamente mais voltados para o serviço da comunidade cristã. De particular relevância são os ministérios instituídos, que são conferidos pelo bispo, uma vez na vida, com um rito específico, depois de um discernimento apropriado e de uma formação adequada dos candidatos. Não se trata de um simples mandato ou de uma atribuição de tarefas; a atribuição do ministério é um sacramental que molda a pessoa e define o seu modo de participar na vida e na missão da Igreja. Na Igreja latina, trata-se do ministério do leitor e do acólito (cf. Carta Apostólica sob a forma de Motu proprio Spiritus Domini, 10 de janeiro de 2021), e do ministério do catequista (cf. Carta Apostólica sob a forma de Motu proprio Antiquum ministerium, 10 de maio de 2021). Os termos e as modalidades do seu exercício devem ser definidos por um mandato da legítima autoridade. Compete às Conferências Episcopais estabelecer as condições pessoais que os candidatos devem satisfazer e elaborar os itinerários formativos para o acesso a estes ministérios.

76. A estes juntam-se os ministérios não instituídos ritualmente, mas exercidos com estabilidade por mandato da autoridade competente, como, por exemplo, o ministério de coordenar uma pequena comunidade eclesial, de orientar a oração da comunidade, de organizar ações caritativas, etc., que admitem uma grande variedade segundo as caraterísticas da comunidade local. Um exemplo disso são os catequistas que sempre estiveram à frente de comunidades sem presbíteros em muitas regiões de África. Mesmo que não exista um rito prescrito, é oportuno tornar pública a sua atribuição através de um mandato perante a comunidade para favorecer o seu reconhecimento efetivo. Há também ministérios extraordinários, como o ministério extraordinário da comunhão, a presidência das celebrações dominicais na ausência de presbítero, a administração de certos sacramentais ou outros. O ordenamento canónico latino e oriental já prevê que, nalguns casos, os fiéis leigos, homens ou mulheres, possam ser também ministros extraordinários do Batismo. No ordenamento canónico latino, o Bispo (com a autorização da Santa Sé) pode delegar a assistência aos matrimónios a fiéis leigos, homens ou mulheres. Com base nas necessidades dos contextos locais, deve ser considerada a possibilidade de alargar e tornar estáveis estas oportunidades de exercício ministerial por parte dos fiéis leigos. Finalmente, há os serviços espontâneos, que não precisam de mais condições nem de reconhecimentos explícitos. Mostram que todos os fiéis, de vários modos, participam na missão através dos seus dons e carismas.

77. Aos fiéis leigos, homens e mulheres, devem ser oferecidas mais oportunidades de participação, explorando também outras formas de serviço e ministério em resposta às exigências pastorais do nosso tempo, num espírito de colaboração e corresponsabilidade diferenciada. do processo sinodal emergem, em particular, algumas exigências concretas às quais é preciso dar resposta de modo adequado aos diversos contextos:

a) uma participação mais ampla dos Leigos e Leigas nos processos de discernimento eclesial e em todas as fases dos processos de decisão (elaboração e tomada de decisões);

b) um acesso mais alargado dos Leigos e Leigas a cargos de responsabilidade nas dioceses e nas instituições eclesiásticas, incluindo seminários, institutos e faculdades de teologia, em conformidade com as disposições já existentes;

c) um maior reconhecimento e apoio decidido à vida e aos carismas dos consagrados e consagradas e ao seu empenhamento em cargos de responsabilidade eclesial;

d) o aumento do número de leigos e leigas qualificados que possuem a função de juízes nos processos canónicos;

e) um reconhecimento efetivo da dignidade e do respeito pelos direitos daqueles que trabalham como funcionários da Igreja e das suas instituições.

 

78. O processo sinodal renovou a consciência de que a escuta é uma componente essencial de todos os aspetos da vida da Igreja: a administração dos sacramentos, especialmente o da Reconciliação, a catequese, a formação e o acompanhamento pastoral. Neste quadro, a Assembleia deu atenção à proposta de instituir um ministério da escuta e do acompanhamento, apresentando uma variedade de orientações. Alguns manifestaram-se a favor, porque tal ministério contribuiria de modo profético para sublinhar a importância da escuta e do acompanhamento na comunidade. Outros afirmaram que escuta e acompanhamento são tarefa de todos os batizados, sem necessidade de um ministério específico. Outros ainda sublinharam a necessidade de um aprofundamento, por exemplo sobre a relação entre este eventual ministério e o acompanhamento espiritual, o aconselhamento (counseling)pastoral e a celebração do sacramento da Reconciliação. Surgiu também a proposta de que o eventual ministério da escuta e do acompanhamento deveria ser particularmente orientado para o acolhimento daqueles que estão à margem da comunidade eclesial, daqueles que regressam depois de se terem afastado, daqueles que estão à procura da verdade e desejam ser ajudados a encontrar o Senhor. Continua, portanto, a exigência de prosseguir o discernimento a este respeito. Os contextos locais onde esta exigência é mais sentida poderão promover uma experimentação e desenvolver possíveis modelos sobre os quais discernir.

 

Parte III – «Lançai a rede»
A conversão dos processos

Disse-lhes Jesus: “Rapazes, tendes alguma coisa de comer?”. Eles responderam: “Não!”. Disse-lhes Jesus: “Lançai a rede para a direita do barco e encontrareis”. Eles lançaram a rede e já mal a podiam arrastar por causa da abundância de peixes. (Jo 21,5-6)

79. A pesca não deu frutos e é altura de regressar a terra. Mas uma Voz ressoa, autoritária, convidando-os a fazer algo que os discípulos sozinhos não teriam feito, apontando uma possibilidade que os seus olhos e mentes não conseguiam perceber: “Lançai a rede para a direita do barco e encontrareis”. No decurso do processo sinodal, procurámos escutar esta Voz e acolher o que ela nos dizia. Na oração e no diálogo fraterno, reconhecemos que o discernimento eclesial, o cuidado com os processos de decisão e o compromisso de prestar contas e avaliar o êxito das decisões tomadas são práticas com as quais respondemos à Palavra que nos indica os caminhos da missão.

80. Estas três práticas estão estreitamente interligadas. Os processos de tomada de decisão necessitam de discernimento eclesial, o que requer a escuta num clima de confiança, que a transparência e a responsabilidade apoiam. A confiança deve ser mútua: aqueles que tomam as decisões precisam de ser capazes de confiar e escutar o Povo de Deus, que por sua vez precisa de ser capaz de confiar naqueles que exercem a autoridade. Esta visão integral sublinha que cada uma destas práticas depende e apoia as outras, ao serviço da capacidade da Igreja para cumprir a sua missão. Envolver-se em processos de tomada de decisão baseados no discernimento eclesial e assumir uma cultura de transparência, de responsabilidade e de avaliação requer uma formação adequada que não seja apenas técnica, mas capaz de explorar os fundamentos teológicos, bíblicos e espirituais. Todos os batizados têm necessidade desta formação para o testemunho, a missão, a santidade e o serviço, que põe em evidência a corresponsabilidade. Ela assume formas particulares para aqueles que ocupam cargos de responsabilidade ou estão ao serviço do discernimento eclesial.

 

O discernimento eclesial para a missão

81. Para promover relações capazes de sustentar e orientar a missão da Igreja, é uma exigência prioritária o exercício da sabedoria evangélica que permitiu à comunidade apostólica de Jerusalém selar o resultado do primeiro evento sinodal com as palavras: “O Espírito Santo e nós decidimos” (At 15,28). É o discernimento que, exercido pelo Povo de Deus em vista da missão, podemos qualificar de “eclesial”. O Espírito, que o Pai enviou em nome de Jesus e que ensina todas as coisas (cf. Jo 14, 26), guia os crentes em todos os tempos “para a verdade plena” (Jo 16, 13). Pela sua presença e sua ação contínua, a “Tradição apostólica vai crescendo na Igreja sob a assistência do Espírito Santo” (DV 8). Invocando a sua luz, o Povo de Deus, participante da função profética de Cristo (cf. LG 12), “procura discernir nos acontecimentos, nas exigências e nos desejos que compartilha com os seus contemporâneos, quais são os verdadeiros sinais da presença ou dos desígnios de Deus” (GS 11). Tal discernimento serve-se de todos os dons de sabedoria que o Senhor distribui na Igreja e enraíza-se no sensus fidei comunicado pelo Espírito a todos os batizados. É neste espírito que a vida da Igreja sinodal missionária deve ser entendida e reorientada.

82. O discernimento eclesial não é uma técnica organizativa, mas uma prática espiritual a ser vivida na fé. Requer liberdade interior, humildade, oração, confiança recíproca, abertura à novidade e abandono à vontade de Deus. Nunca é a afirmação de um ponto de vista pessoal ou de um grupo, nem se resolve na simples soma de opiniões individuais; cada um, falando segundo a sua consciência, abre-se à escuta daquilo que os outros em consciência partilham, para procurarem juntos reconhecer “o que o Espírito diz às Igrejas” (Ap 2,7). Prevendo o contributo de todas as pessoas envolvidas, o discernimento eclesial é ao mesmo tempo condição e expressão privilegiada da sinodalidade, na qual se vive juntos a comunhão, a missão e a participação. O discernimento é tanto mais rico quanto mais todos são escutados. Por isso, é fundamental promover uma ampla participação nos processos de discernimento, com particular atenção ao envolvimento dos que estão à margem da comunidade cristã e da sociedade.

83. A escuta da Palavra de Deus é o ponto de partida e o critério de todo o discernimento eclesial. De facto, as Sagradas Escrituras testemunham que Deus falou ao seu povo, a ponto de nos dar em Jesus a plenitude de toda a Revelação (cf. DV 2), e indicam os lugares onde podemos ouvir a sua voz. Deus comunica connosco em primeiro lugar na liturgia, porque é o próprio Cristo que fala “quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura” (SC 7). Deus fala através da Tradição viva da Igreja, do seu magistério, da meditação pessoal e comunitária das Escrituras e das práticas da piedade popular. Deus continua a manifestar-se através do grito dos pobres e dos acontecimentos da história da humanidade. Além disso, Deus comunica com o seu povo através dos elementos da criação, cuja própria existência remete para a ação do Criador e está repleta da presença do Espírito que dá vida. Por fim, Deus fala também na consciência pessoal de cada um, que é “o núcleo mais secreto e o santuário do homem, onde ele está a sós com Deus, cuja voz ressoa na sua própria intimidade” (GS 16). O discernimento eclesial exige o contínuo cuidado e formação das consciências e o amadurecimento dosensus fidei, para não negligenciar nenhum dos lugares onde Deus fala e vem ao encontro do seu povo.

84. As etapas do discernimento eclesial podem ser articuladas de diversos modos, segundo os lugares e as tradições. Também com base na experiência sinodal, é possível identificar alguns elementos-chave que não devem faltar:

a) a apresentação clara do objeto do discernimento e o pôr à disposição informações e instrumentos adequados para a sua compreensão;

b) um tempo conveniente para se preparar com a oração, a escuta da Palavra de Deus e a reflexão sobre o tema;

c) uma disposição interior de liberdade em relação aos próprios interesses, pessoais e de grupos, e o empenho na busca do bem comum;

d) uma escuta atenta e respeitosa da palavra de cada um;

e) a procura de um consenso o mais amplo possível, que surgirá através daquilo que mais “faz arder os corações” (cf. Lc 24,32), sem esconder os conflitos nem procurar compromissos ao mais baixo nível;

f) a formulação, por parte de quem lidera o processo, do consenso alcançado e a sua apresentação a todos os participantes, para que manifestem se se identificam ou não com ele.

Com base no discernimento, amadurecerá a decisão oportuna que comprometa a adesão de todos, mesmo quando a própria opinião não foi acolhida, e um tempo de receção na comunidade, que poderá levar a verificações e avaliações sucessivas.

85. O discernimento realiza-se sempre num contexto concreto, cujas complexidades e peculiaridades devem ser conhecidas o melhor possível. Para que o discernimento seja efetivamente “eclesial”, é necessário dispor dos meios necessários, entre os quais uma adequada exegese dos textos bíblicos, que ajude a interpretá-los e a compreendê-los, evitando abordagens parciais ou fundamentalistas; um conhecimento dos Padres da Igreja, da Tradição e dos ensinamentos magisteriais, segundo os seus diversos graus de autoridade; os contributos das várias disciplinas teológicas; os contributos das ciências humanas, históricas, sociais e administrativas, sem os quais não é possível conhecer seriamente o contexto no qual e em vista do qual se realiza o discernimento.

86. Na Igreja existe uma grande variedade de abordagens ao discernimento e de metodologias consolidadas. Esta variedade é uma riqueza: com as devidas adaptações aos diversos contextos, a pluralidade de abordagens pode revelar-se fecunda. Tendo em vista a missão comum, é importante que entrem num diálogo cordial, sem dispersar as especificidades de cada uma e sem entrincheiramentos identitários. Nas Igrejas locais, a começar pelas pequenas comunidades eclesiais e pelas paróquias, é essencial oferecer oportunidades de formação que difundam e alimentem uma cultura de discernimento eclesial para a missão, sobretudo entre os que exercem cargos de responsabilidade. Igualmente importante é cuidar da formação de figuras des acompanhantes ou facilitadores, cujo contributo se revela muitas vezes crucial na realização dos processos de discernimento.

 

A articulação dos processos de decisão

87. Na Igreja sinodal, “toda a comunidade, na livre e rica diversidade dos seus membros, é convocada a rezar, escutar, analisar, dialogar, discernir e aconselhar na tomada de decisões” (CTI, n. 68) para a missão. Favorecer a participação mais ampla possível de todo o Povo de Deus nos processos de decisão é o caminho mais eficaz para promover uma Igreja sinodal. Se é verdade, de facto, que a sinodalidade define o modus vivendi et operandi que qualifica a Igreja, ela indica ao mesmo tempo uma prática essencial no cumprimento da sua missão: discernir, chegar a consensos, decidir através do exercício das diversas estruturas e instituições de sinodalidade.

88. A comunidade dos discípulos convocada e enviada pelo Senhor não é um sujeito uniforme e amorfo. É o seu Corpo com muitos e diversos membros, sujeito histórico comunitário no qual o Reino de Deus acontece como “semente e princípio” ao serviço do seu advento em toda a família humana (cf. LG 5). Já os Padres da Igreja refletem sobre a natureza comunional da missão do Povo de Deus através de um tríplice nihil sine: “nada sem o bispo” (S. Inácio de Antioquia, Carta aos Trallesianos, 2.2), “nada sem o conselho dos presbíteros, nada sem o consentimento do Povo” (S. Cipriano de Cartago, Carta 14.4). Onde esta lógica do nihil sineé quebrada, a identidade da Igreja é obscurecida e a sua missão é inibida.

89. Dentro deste quadro de referência eclesiológicq está o compromisso de promover a participação com base numa corresponsabilidade diferenciada. Cada membro da comunidade deve ser respeitado, valorizando as suas capacidades e os seus dons em vista de uma tomada da decisão partilhada. São necessárias formas mais ou menos articuladas de mediação institucional em relação à dimensão da comunidade. O direito vigente já prevê organismos de participação em diferentes níveis, que serão objeto de análise mais adiante.

90. Para favorecer o seu funcionamento, parece oportuna uma reflexão sobre a articulação dos processos de decisão. Esta última implica normalmente uma fase de elaboração ou instrução “através de um trabalho comum de discernimento, consulta e cooperação” (CTI, n.º 69), que informa e apoia a posterior tomada de decisão, que é da responsabilidade da autoridade competente. Não há concorrência ou conflito entre as duas fases, mas, pela sua articulação, contribuem para que as decisões tomadas sejam fruto da obediência de todos àquilo que Deus quer para a sua Igreja. Por isso, é necessário promover procedimentos que tornem efetiva a reciprocidade entre a assembleia e quem a preside, num clima de abertura ao Espírito e de confiança mútua, em busca de um consenso possivelmente unânime. O processo deve prever também a fase da implementação da decisão e a da sua avaliação, na qual as funções dos sujeitos envolvidos se articulam com novas modalidades.

91. Há casos em que o direito em vigor já prevê que, antes de tomar uma decisão, a autoridade é obrigada a proceder a uma consulta. A autoridade pastoral tem o dever de escutar aqueles que participam na consulta e, por conseguinte, não pode continuar a atuar como se não os tivesse escutado. Não se afastará, portanto, do fruto da consulta, quando estiver de acordo, sem uma razão que prevaleça e que deve ser oportunamente expressa (cf. CIC, cân. 127, § 2, 2°; CCEO cân. 934, § 2, 3°). Como em qualquer comunidade que vive segundo a justiça, na Igreja o exercício da autoridade não consiste na imposição de uma vontade arbitrária. Nos diversos modos em que é exercida, está sempre ao serviço da comunhão e do acolhimento da verdade de Cristo, na qual e para a qual o Espírito Santo nos guia nos diversos tempos e contextos (cf. Jo 14,16).

92. Numa Igreja sinodal, a competência decisória do Bispo, do Colégio Episcopal e do Bispo de Roma é inalienável, porque radicada na estrutura hierárquica da Igreja instituída por Cristo ao serviço da unidade e do respeito pela legítima diversidade (cf. LG 13). No entanto, não é incondicional: uma orientação que surja no processo consultivo como resultado de um correto discernimento, especialmente se levado a cabo pelos órgãos participativos, não pode ser ignorada. Uma oposição entre consulta e deliberação é, portanto, inadequada: na Igreja, a deliberação realiza-se com a ajuda de todos, nunca sem que a autoridade pastoral decida em virtude do seu ofício. É por isso que a fórmula recorrente no Código de Direito Canónico, que fala de voto “meramente consultivo” (tantum consultivum), deve ser reexaminada para eliminar possíveis ambiguidades. Por isso, parece oportuna uma revisão das normas canónicas em chave sinodal, que clarifique tanto a distinção como a articulação entre consultivo e deliberativo, e esclareça as responsabilidades de quem participa nos processos de decisão nas suas várias funções.

93. O cuidado com o desenvolvimento ordenado e uma clara assunção das responsabilidades dos participantes são fatores cruciais para a fecundidade dos processos de decisão modalidades aqui previstas:

a) compete, em especial, à autoridade: definir claramente o objeto da consulta e da deliberação, bem como o sujeito a quem compete a assunção da decisão; identificar aqueles que devem ser consultados, também em razão de competências específicas ou do envolvimento na questão; assegurar que todos os participantes tenham acesso efetivo às informações relevantes, de modo a poder formular os seus pontos de vista de forma fundamentada;

b) aqueles que exprimem o seu parecer numa consulta, individualmente ou como membros de um órgão colegial, se assumem a responsabilidade de: dar uma opinião sincera e honesta, em ciência e consciência; respeitar a confidencialidade das informações recebidas; formular claramente a sua opinião, identificando os pontos principais, de modo que a autoridade, caso decida de forma diferente da opinião recebida, possa explicar como a teve em conta na sua deliberação;

c) uma vez que a autoridade competente tenha formulado a decisão, tendo respeitado o processo de consulta e expressado claramente os motivos da mesma, todos, em virtude do vínculo de comunhão que une os batizados, são obrigados a respeitá-la e a pô-la em prática, mesmo quando não corresponda ao seu próprio ponto de vista, sem prejuízo do dever de participar honestamente também na fase da avaliação. Permanece sempre a possibilidade de recorrer à autoridade superior, nas formas estabelecidas pelo direito.

94. Uma correta e decidida implementação sinodal dos processos de decisão contribuirá para o progresso do Povo de Deus numa perspetiva participativa, sobretudo através das mediações institucionais previstas pelo direito canónico, especialmente os órgãos de participação. Sem mudanças concretas a curto prazo, a visão de uma Igreja sinodal não será credível e isso afastará os membros do Povo de Deus que retiraram força e esperança do caminho sinodal. Cabe às Igrejas locais encontrar modalidades apropriadas para implementar estas mudanças.

 

Transparência, responsabilidade, avaliação

95. A tomada de decisão não conclui o processo de decisão. Ela deve ser acompanhada e seguida de práticas de prestação de contas e de avaliação, num espírito de transparência inspirado em critérios evangélicos. A prestação de contas do próprio ministério à comunidade pertence à tradição mais antiga, que remonta à Igreja Apostólica. O capítulo 11 dos Atos dos Apóstolosoferece-nos um exemplo: quando Pedro regressa a Jerusalém depois de ter batizado Cornélio, um pagão, “os que tinham vindo da circuncisão começaram a discutir com ele, dizendo: ‘Tu entraste em casa dos incircuncisos e comeste com eles’” (At 11,2-3). Pedro responde com um relato que dá conta das razões da sua ação.

96. Em particular, no que diz respeito à transparência, surgiu a necessidade de iluminar o seu significado, ligando-a a uma série de termos como verdade, lealdade, clareza, honestidade, integridade, coerência, rejeição da opacidade, da hipocrisia e da ambiguidade, e ausência de segundas intenções. Foram referidas a bem-aventurança evangélica dos puros de coração (cf. Mt 5,8), o mandamento de sermos “simples como as pombas” (Mt 10,16) e as palavras do apóstolo Paulo: “pusemos de parte as dissimulações do acanhamento, não procedendo com astúcia nem adulterando a palavra de Deus; mas é pela manifestação da verdade que nos recomendamos a toda a consciência humana diante de Deus” (2 Cor 4,2). Trata-se, portanto, de uma atitude fundamental, enraizada na Escritura, e não de uma série de procedimentos ou exigências de tipo administrativo ou de gestão. A transparência, no seu sentido evangélico correto, não compromete o respeito da privacidade e da confidencialidade, a proteção das pessoas, da sua dignidade e dos seus direitos, mesmo contra pretensões indevidas da autoridade civil. Tudo isto, porém, não poderá nunca justificar práticas contrárias ao Evangelho ou tornar-se um pretexto para contornar ou encobrir ações contra o mal. Em todo o caso, no que diz respeito ao segredo confessional, “o sigilo sacramental é indispensável e nenhum poder humano tem jurisdição sobre ele, nem o pode reivindicar” (Francisco, Discurso aos participantes no XXX Curso sobre o Foro Interno organizado pela Penitenciaria Apostólica, 29 de março de 2019).

97. A atitude da transparência, no sentido que acabámos de indicar, constitui um guardião da confiança e credibilidade de que uma Igreja sinodal, atenta às relações, não pode prescindir. Quando a confiança é violada, são as pessoas mais fracas e vulneráveis que sofrem as consequências. Onde a Igreja goza de confiança, práticas de transparência, prestação de contas e avaliação ajudam a consolidá-la, e são um elemento ainda mais crítico onde a credibilidade da Igreja deve ser reconstruída. Isto é particularmente importante na proteção dos menores e das pessoas vulneráveis (safeguarding).

98. Em todo o caso, estas práticas contribuem para assegurar a fidelidade da Igreja à sua missão. A sua ausência é uma das consequências do clericalismo e, ao mesmo tempo, alimenta-o. Baseia-se no pressuposto implícito de que aqueles que detêm a autoridade na Igreja não devem prestar contas das suas ações e das suas decisões, como se estivessem isolados ou acima do resto do Povo de Deus. Não se deve fazer apelo à transparência e à prestação de contas apenas quando se trata de abusos sexuais, financeiros e de outro género. Tal diz também respeito ao estilo de vida dos pastores, aos planos pastorais, aos métodos de evangelização e às modalidades como a Igreja respeita a dignidade da pessoa humana, por exemplo, no que respeita às condições de trabalho nas suas instituições.

99. Se a Igreja Sinodal quer ser acolhedora, a prestação de contas deve tornar-se prática corrente a todos os níveis. No entanto, aqueles que ocupam posições de autoridade têm uma responsabilidade maior a este respeito e são chamados a prestar contas a Deus e ao seu povo. Embora a prática da prestação de contas aos superiores tenha sido conservada ao longo dos séculos, deve ser recuperada a dimensão da prestação de contas que a autoridade é chamada a dar à comunidade. As instituições e os procedimentos estabelecidos na experiência da vida consagrada (como os capítulos, as visitas canónicas, etc.) podem ser uma fonte de inspiração a este respeito.

100. Igualmente necessárias são as estruturas e formas de avaliação regular do modo como são exercidas as responsabilidades ministeriais de todos os tipos. A avaliação não constitui um julgamento sobre as pessoas: antes, permite evidenciar os aspetos positivos e as áreas que podem ser melhoradas nas ações daqueles que têm responsabilidades ministeriais, e ajuda a Igreja a aprender com a experiência, a recalibrar os planos de ação e a permanecer atenta à voz do Espírito Santo, concentrando a atenção nos resultados das decisões em relação à missão.

101. Para além da observância do que já está previsto nas normas canónicas quanto aos critérios e mecanismos de controlo, cabe às Igrejas locais, e sobretudo aos seus agrupamentos, construir de modo sinodal formas e procedimentos eficazes de prestação de contas e de avaliação, adequadas à variedade dos contextos, a partir do quadro normativo civil, das legítimas expectativas da sociedade e da efetiva disponibilidade de competências na matéria. Neste trabalho, é necessário privilegiar metodologias de avaliação participativa, valorizar as competências daqueles que, sobretudo os leigos, estão mais familiarizados com os processos de prestação de contas e avaliação, e discernir as boas práticas já presentes na sociedade civil local, adaptando-as aos contextos eclesiais. O modo como os processos de prestação de contas e de avaliação são implementados a nível local entre no âmbito do relatório apresentado por ocasião das visitas ad limina.

102. Em particular, sob formas adequadas aos diferentes contextos, parece necessário assegurar, pelo menos:

a) um funcionamento efetivo dos Conselhos para os Assuntos Económicos;

b) o envolvimento efetivo do Povo de Deus, em particular dos membros mais competentes, na planificação pastoral e económica;

c) a predisposição e a publicação (adequada ao contexto local e com acessibilidade efetiva) de um balanço económico anual, certificado na medida do possível por auditores externos, que torne transparente a gestão dos bens e dos recursos financeiros da Igreja e das suas instituições;

d) a predisposição e a publicação de um relatório anual sobre o desempenho da missão, que compreenda também uma ilustração das iniciativas empreendidas em matéria de safeguarding(tutela dos menores e das pessoas vulneráveis) e de promoção do acesso de pessoas leigas a cargos de autoridade e da sua participação nos processos de decisão, especificando a proporção em relação ao género;

e) procedimentos de avaliação periódica do desempenho de todos os ministérios e cargos dentro da Igreja.

Temos consciência de que prestarmos contas não é um trabalho burocrático por si mesmo, mas um esforço comunicativo que se revela um poderoso meio educativo em vista da mudança da cultura, além de nos permitir dar maior visibilidade a muitas iniciativas valiosas da Igreja e das suas instituições, que muitas vezes permanecem desconhecidas.

 

Sinodalidade e organismos de participação

103. A participação dos batizados nos processos de decisão, bem como as práticas de prestação de contas e avaliação, realizam-se através de mediações institucionais, antes de mais os organismos de participação que, a nível da Igreja local, o direito canónico já prevê. Na Igreja latina são eles: Sínodo Diocesano (cf. CIC, cân. 466), Conselho Presbiteral (cf. CIC, cân. 500, § 2), Conselho Pastoral Diocesano (cf. CIC, cân. 514, § 1), Conselho Pastoral Paroquial (cf. CIC, cân. 536), Conselho Diocesano e Paroquial para os Assuntos Económicos (cf. CIC, cân. 493 e 537). Nas Igrejas Católicas Orientais são: Assembleia Eparquial (cf. CCEO, cân. 235 ss.), Conselho Eparquial para os Assuntos Económicos (cf. CCEO, cân. 262 ss.), Conselho Presbiteral (CCEO cân. 264), Conselho Pastoral Eparquial (CCEO cân. 272 ss.), Conselhos Paroquiais (cf. CCEO cân. 295). Os membros participam neles em função da sua função eclesial, de acordo com as suas responsabilidades diferenciadas a vários títulos (carismas,

Cada um destes organismos participa no discernimento necessário ao anúncio inculturado do Evangelho, à missão da comunidade no seu ambiente e ao testemunho dos batizados que a compõem. Participa também nos processos de decisão nas formas estabelecidas e constitui um âmbito de prestação de contas e de avaliação, tendo, por sua vez, de avaliar e prestar contas da sua ação. Os organismos de participação constituem um dos âmbitos mais promissores de atuação para uma rápida implementação das orientações sinodais, que leve a mudanças percetíveis de modo rápido.

104. Uma Igreja sinodal baseia-se na existência, na eficiência e na vitalidade efetiva, e não apenas nominal, destes órgãos de participação, bem como no seu funcionamento de acordo com as disposições canónicas ou os costumes legítimos e no respeito pelos estatutos e regulamentos que os regem. Por esta razão devem ser obrigatórios, como exigido em todas as etapas do processo sinodal, e podem desempenhar plenamente o seu papel, não de modo puramente formal, mas de forma adequada aos diversos contextos locais.

105. Além disso, é oportuno intervir no funcionamento destes organismos, começando pela adoção de uma metodologia de trabalho sinodal. A conversação no Espírito, com as devidas adaptações, pode ser um ponto de referência. Uma atenção particular deve ser dada ao modo de designação dos membros. Quando não está prevista a eleição, deve ser efetuada uma consulta sinodal que exprima o mais possível a realidade da comunidade ou da Igreja local, e a autoridade deve proceder à nomeação com base nos seus resultados, respeitando a articulação entre consulta e deliberação acima descrita. Preveja-se ainda a possibilidade de os membros dos conselhos pastorais diocesanos e paroquiais terem a faculdade de propor temas a incluir na ordem do dia, em analogia com os membros do Conselho Presbiteral.

106. Deve ser dada igual atenção à composição dos órgãos de participação, de modo a favorecer um maior envolvimento das mulheres, dos jovens e dos que vivem em condições de pobreza ou marginalização. Além disso, é fundamental que tais órgãos incluam pessoas batizadas empenhadas no testemunho da fé nas realidades ordinárias da vida e das dinâmicas sociais, com uma reconhecida disposição apostólica e missionária, e não apenas pessoas empenhadas na organização da vida e dos serviços no seio da comunidade. Deste modo, o discernimento eclesial beneficiará de uma maior abertura, capacidade de análise da realidade e pluralidade de perspetivas. Na base das necessidades dos diferentes contextos, poderá ser oportuno prever a participação de representantes de outras Igrejas e Comunhões cristãs, à semelhança do que acontece na Assembleia Sinodal, ou de representantes de outras religiões presentes no território. As Igrejas locais e os seus agrupamentos podem mais facilmente indicar alguns critérios para a composição dos órgãos de participação adequados a cada contexto.

107. A Assembleia prestou particular atenção às experiências de reforma e boas práticas já existentes, como a criação de redes de conselhos pastorais ao nível de comunidades de base, paróquias e zonas, até ao conselho pastoral diocesano. Como modelo de consulta e escuta, propõe-se também que se realizem com alguma regularidade assembleias eclesiais a todos os níveis, procurando não limitar a consulta à Igreja Católica, mas abrindo-se à escuta do contributo de outras Igrejas e Comunhões cristãs, e mantendo-se atentos às religiões no território.

108. A Assembleia propõe que se dê maior relevo ao Sínodo diocesano e à Assembleia eparquial como órgão de consulta regular da parte do Bispo à porção do Povo de Deus que lhe foi confiada, como lugar de escuta, de oração e de discernimento, em particular quando se trata de escolhas relevantes para a vida e a missão de uma Igreja local. O Sínodo diocesano pode ser também um âmbito de exercício de prestação de contas e avaliação: a ele o Bispo apresenta uma prestação de contas da atividade pastoral nos vários setores, da realização do plano pastoral, da receção dos processos sinodais de toda a Igreja, das iniciativas no âmbito da safeguardingbem como da administração das finanças e dos bens temporais. Por isso, pede-se o reforço das disposições canónicas sobre a matéria, de modo a refletir melhor o carácter sinodal missionário de cada Igreja local, prevendo que os Sínodos diocesanos e as Assembleias eparquiais se reúnam com cadência regular não excessivamente rara.

 

Parte IV – Uma pesca abundante

A conversão das ligações

Os outros discípulos vieram no barco, puxando a rede com os peixes. Simão Pedro subiu ao barco e puxou a rede para terra, cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes; e, apesar de serem tantos, não se rompeu a rede. (Jo 21,8.11)

109. As redes lançadas com a palavra do Ressuscitado permitiram uma pesca abundante. Todos colaboram no arrastamento da rede, Pedro tem um papel particular. No Evangelho, a pesca é uma ação realizada em conjunto: cada um tem uma tarefa precisa, diferente mas coordenada com a dos outros. Assim é a Igreja sinodal, feita de laços que se unem na comunhão e de espaços para a variedade de cada povo e de cada cultura. Num tempo em que muda a experiência dos lugares onde a Igreja está radicada e peregrina, é necessário cultivar de novas formas o intercâmbio de dons e o entrelaçamento dos laços que nos unem, apoiados pelo ministério dos Bispos em comunhão entre si e com o Bispo de Roma.

 

Enraizados e peregrinos

110. O anúncio do Evangelho, ao suscitar a fé nos corações dos homens e das mulheres, leva à fundação de uma Igreja lugar particular. A Igreja não pode ser compreendida sem estar enraizada num território concreto, num espaço e num tempo onde se forma uma experiência comum de encontro com Deus que salva. A dimensão local da Igreja preserva a rica diversidade das expressões de fé enraizadas em contextos culturais e históricos específicos, e a comunhão das Igrejas manifesta a comunhão dos fiéis no seio da única Igreja. A conversão sinodal convida, deste modo, cada pessoa a alargar o espaço do seu coração, o primeiro “lugar” onde ressoam todas as nossas relações, enraizadas na relação pessoal de cada um com Cristo Jesus e com a sua Igreja. É esta a fonte e a condição para qualquer reforma em chave sinodal dos laços de pertença e dos lugares eclesiais. A ação pastoral não pode limitar-se a cuidar das relações entre pessoas que já estão em entre si, mas deve favorecer o encontro com cada homem e cada mulher.

111. A experiência do enraizamento deve ser confrontada com as profundas mudanças socioculturais que estão a modificar a perceção dos lugares. O conceito de lugar já não pode ser entendido em termos puramente geográficos e espaciais, mas evoca, no nosso tempo, a pertença a uma rede de relações e a uma cultura cujas raízes territoriais são mais dinâmicas e flexíveis do que nunca. A urbanização é um dos principais factores desta mudança: hoje, pela primeira vez na história da humanidade, a maior parte da população mundial vive em contextos urbanos. As grandes cidades são frequentemente aglomerados humanos sem história nem identidade, nas quais as pessoas vivem como ilhas. Os laços territoriais tradicionais mudam de significado, tornando menos definidos os limites das paróquias e das dioceses. A Igreja é chamada a viver nestes contextos, reconstruindo a vida comunitária, dando um rosto a realidades anónimas e tecendo relações fraternas. Para isso, para além de valorizar as estruturas ainda adequadas, é necessária uma criatividade missionária que explore novas formas de pastoral e identifique caminhos concretos de cuidado. É verdade, porém, que as realidades rurais, algumas das quais são verdadeiras periferias existenciais, não devem ser descuradas e requerem uma atenção pastoral específica, tal como os lugares de marginalização e de exclusão.

112. Os nossos tempos caracterizam-se também por uma mobilidade humana crescente, motivada por várias razões. Refugiados e migrantes formam frequentemente comunidades dinâmicas, também nas suas práticas religiosas, tornando multicultural o local onde se instalam. Alguns deles mantêm laços estreitos com os seus países de origem, sobretudo graças aos meios digitais, e têm dificuldade em estabelecer laços no novo país; outros permanecem desenraizados. Os habitantes dos locais de imigração são igualmente confrontados com o acolhimento de quem chega. Todos experimentam o impacto provocado pelo encontro com a diversidade de proveniência geográfica, cultural e linguística e são chamados a construir comunidades interculturais. O impacto dos fenómenos migratórios na vida das Igrejas não deve ser ignorado. Emblemática neste sentido é a situação de algumas Igrejas Católicas Orientais, devido ao número crescente de fiéis em diáspora; são necessárias novas abordagens para que se mantenham os laços com a sua Igreja de origem e se criem novos laços, no respeito das diferentes raízes espirituais e culturais.

113. A difusão da cultura digital, particularmente evidente entre os jovens, está também a alterar profundamente a perceção do espaço e do tempo, influenciando as atividades quotidianas, as comunicações e as relações interpessoais, incluindo a fé. As possibilidades oferecidas pela rede reconfiguram relações, laços e fronteiras. Embora hoje estejamos mais ligados do que nunca, sentimos frequentemente a solidão e a marginalização. Além disso, as redes sociais podem ser utilizadas por interesses económicos e políticos que, manipulando as pessoas, divulgam ideologias e geram polarizações agressivas. Esta realidade encontra-nos despreparados e exige que dediquemos recursos para que o ambiente digital seja um lugar profético de missão e de anúncio. As igrejas locais encorajem, apoiem e acompanhem aqueles que estão empenhados na missão no ambiente digital. As comunidades e os grupos digitais cristãos, especialmente de jovens, são também chamados a refletir sobre o modo como criam laços de pertença, promovem o encontro e o diálogo, oferecem formação entre pares, desenvolvendo uma modalidade sinodal de ser Igreja. A rede, constituída por conexões, oferece novas oportunidades para viver melhor a dimensão sinodal da Igreja.

114. Estes desenvolvimentos sociais e culturais exigem que a Igreja repense o significado da sua dimensão “local” e questione as suas formas organizativas, a fim de melhor servir a sua missão. Embora reconhecendo o valor do enraizamento em contextos geográficos e culturais concretos, é indispensável compreender o “lugar” como a realidade histórica em que a experiência humana toma forma. É aí, na teia de relações que se estabelecem, que a Igreja é chamada a exprimir a sua sacramentalidade (cf. LG 1) e a realizar a sua missão.

115. A relação entre lugar e espaço sugere também uma reflexão sobre a Igreja como “casa”. Quando não é entendida como um espaço fechado, inacessível, a defender a todo o custo, a imagem da casa evoca possibilidades de acolhimento, de hospitalidade e inclusão. A própria criação é casa comum, na qual os membros da única família humana vivem com todas as outras criaturas. O nosso compromisso, sustentado pelo Espírito, é fazer com que a Igreja seja percebida como casa acolhedora, sacramento de encontro e de salvação, escola de comunhão para todos os filhos e filhas de Deus. A Igreja é também Povo de Deus a caminho com Cristo, no qual cada um é chamado a ser peregrino de esperança. A prática tradicional das peregrinações é um sinal disso mesmo. A piedade popular é um dos lugares de uma Igreja sinodal missionária.

116. A Igreja local, entendida como Diocese ou Eparquia, é o âmbito fundamental no qual a comunhão em Cristo dos baptizados se manifesta de modo mais pleno. Nela a comunidade está reunida na celebração da Eucaristia presidida pelo Bispo. Cada Igreja local articula-se dentro de si mesma e, ao mesmo tempo, está em relação com as outras Igrejas locais.

117. Uma das principais articulações da Igreja local que a história nos transmitiu é a paróquia. A comunidade paroquial, que se encontra na celebração da Eucaristia, é lugar privilegiado de relações, acolhimento, discernimento e missão. As mudanças na conceção e no modo de viver a relação com o território exigem que se repense a sua configuração. O que a caracteriza é ser uma proposta de comunidade em base não electiva. Aí se reúnem pessoas de diversas gerações, profissões, proveniência geográfica, classes sociais e condições de vida. Para responder às novas exigências da missão, é chamada a abrir-se a formas inéditas de ação pastoral que tenham em conta a mobilidade das pessoas e o “território existencial” em que se desenvolve a sua vida. Promovendo de modo especial a Iniciação Cristã e oferecendo acompanhamento e formação, será capaz de apoiar as pessoas nas diferentes etapas da vida e no cumprimento da sua missão no mundo. Assim se tornará mais claro que a paróquia não está centrada em si mesma, mas orientada para a missão e chamada a apoiar o empenho de tantas pessoas que, de demodos diversos, vivem e testemunham a fé na profissão e na atividade social, cultural e política. Em muitas regiões do mundo, as pequenas comunidades cristãs ou as comunidades eclesiais de base são o terreno onde podem florescer relações intensas de proximidade e reciprocidade, oferecendo a ocasião de viver concretamente a sinodalidade.

118. Reconhecemos aos Institutos de Vida Consagrada, às Sociedades de Vida Apostólica, bem como às Associações, Movimentos e novas Comunidades, a capacidade de se enraizarem no território e, ao mesmo tempo, de ligarem lugares e âmbitos diferentes, mesmo a nível nacional ou internacional. Muitas vezes é a sua ação, juntamente com a de tantas pessoas individuais e grupos informais, que leva o Evangelho aos mais diversos lugares: hospitais, prisões, lares para idosos, centros de acolhimento para migrantes, menores, marginalizados e vítimas de violência; lugares educativos e formação, escolas e universidades, onde se encontram jovens e famílias; lugares da cultura, da política e do desenvolvimento humano integral onde se imaginam e constroem novas formas de viver juntos. Olhamos também com gratidão para os mosteiros, lugares de convocação e de discernimento, profecia de um “outro”, que diz respeito a toda a Igreja e orienta o seu caminho. É responsabilidade específica do bispo diocesano ou eparquial animar esta multiplicidade e cuidar dos laços de unidade. Institutos e agregações são chamados a argir em sinergia com a Igreja local, participando no dinamismo da sinodalidade.

119. A valorização dos lugares “intermédios” entre a Igreja local e a Igreja universal – como a província eclesiástica e os agrupamentos de Igrejas a nível nacional ou continental – pode também favorecer uma presença mais significativa da Igreja nos lugares do nosso tempo. A mobilidade crescente e as interconexões atuais tornam fluidas as fronteiras entre as Igrejas e exigem, muitas vezes, que se pense e atue num “grande território sociocultural”, no qual, excluindo qualquer forma de “falso particularismo”, a vida cristã seja “acomodada à índole e ao carácter de qualquer cultura” (AG 22).

 

Permuta de dons

120. Caminhar juntos nos diferentes lugares como discípulos de Jesus, na diversidade de carismas e ministérios, bem como na permuta de dons entre as Igrejas, é sinal eficaz da presença do amor e da misericórdia de Deus em Cristo, que acompanha, sustenta e orienta, no sopro do Espírito Santo, o caminho da humanidade em direção ao Reino. A permuta de dons envolve todas as dimensões da vida da Igreja. Constituída em Cristo como Povo de Deus por todos os povos da terra e dinamicamente articulada na comunhão das Igrejas locais, dos seus agrupamentos, das Igrejas sui iuris no seio da Igreja una e católica, ela vive a sua missão favorecendo e acolhendo todas “as possibilidades, os recursos e o estilo de vida dos povos em tudo aquilo que têm de bom; e, ao assumi-los, purifica-os, consolida-os e eleva-os” (LG 13). A exortação do apóstolo Pedro – “cada um de vós ponha ao serviço dos outros os dons que recebeu, como bons administradores da graça de Deus, tão variada nas suas formas” (1Ped 4,10) – pode certamente aplicar-se a cada Igreja local. Um exemplo paradigmático e inspirador desta permuta de dons, que hoje deve ser vivido e revisto com particular atenção devido às circunstâncias históricas alteradas e prementes, é o que se verifica entre as Igrejas de tradição latina e as Igrejas católicas orientais. Um horizonte significativo de novidade e de esperança, no qual se podem realizar formas de permuta de dons, de procura do bem comum e de empenho coordenado em questões sociais de relevância global, é aquele que está a tomar forma, por exemplo, em grandes áreas geográficas supranacionais e interculturais como a Amazónia, a bacia do rio Congo e o mar Mediterrâneo.

121. A Igreja, a nível local e na sua unidade católica, propõe-se como uma rede de relações através da qual circula e se promove a profecia da cultura do encontro, da justiça social, da inclusão dos grupos marginais, da fraternidade entre os povos, do cuidado da casa comum. O exercício concreto desta profecia exige que os bens de cada Igreja sejam partilhados em espírito de solidariedade, sem paternalismos nem assistencialismos, respeitando as diferentes identidades e promovendo uma sã reciprocidade, com o compromisso – onde for necessário – de curar as feridas da memória e de empreender caminhos de reconciliação. A permuta de dons e a partilha dos recursos entre Igrejas locais de diferentes regiões favorecem a unidade da Igreja, criando laços entre as comunidades cristãs envolvidas. É necessário concentrarmo-nos nas condições a assegurar para que os presbíteros que vêm em auxílio das Igrejas pobres em clero não sejam apenas um remédio funcional, mas um recurso para o crescimento da Igreja que os envia e da Igreja que os recebe. Da mesma forma, devemos trabalhar para que as ajudas económicas não degenerem em assistencialismo, mas promovam a solidariedade evangélica e sejam geridas de modo transparente e fiável.

122. A permuta de dons tem também um significado crucial no caminho para a unidade plena e visível entre todas as Igrejas e Comunhões cristãs e, além disso, é um sinal eficaz dessa unidade, na fé e no amor de Cristo, que promove a credibilidade e o impacto da missão cristã (cf. Jo 17,21). São João Paulo II aplicou esta expressão ao diálogo ecuménico: “O diálogo não é apenas uma troca de ideias. De alguma forma, é sempre uma ‘troca de dons’” (UUS 28). Foi no empenho de incarnar o único Evangelho na diversidade dos contextos culturais, das circunstâncias históricas e dos desafios sociais que as diferentes tradições cristãs, na escuta da Palavra de Deus e da voz do Espírito Santo, geraram ao longo dos séculos copiosos frutos de santidade, de caridade, de espiritualidade, de teologia e de solidariedade a nível social e cultural. Chegou o momento de valorizar estas preciosas riquezas: com generosidade, com sinceridade, sem preconceitos, com gratidão ao Senhor, com abertura recíproca, fazendo-as dom uns aos outros, sem assumir que são propriedade exclusiva nossa. O exemplo dos santos e das testemunhas da fé de outras Igrejas e Comunhões cristãs é também um dom que podemos receber, inserindo a sua memória no nosso calendário litúrgico, especialmente os mártires.

123. No Documento sobre a Fraternidade Humana para a Paz Mundial e a Convivência Comum, assinado pelo Papa Francisco e pelo Grande Imã de Al-Azhar Ahmed Al-Tayyeb em Abu Dhabi, a 4 de fevereiro de 2019, declara-se a vontade de “adotar a cultura do diálogo como caminho, a colaboração comum como conduta, o conhecimento mútuo como método e critério”. Não se trata de uma aspiração ou de um aspeto opcional no caminho do Povo de Deus na história atual. Neste caminho, uma Igreja sinodal compromete-se a caminhar, nos diversos lugares onde vive, com os crentes de outras religiões e com as pessoas de outras convicções, partilhando gratuitamente a alegria do Evangelho e acolhendo com gratidão os respetivos dons: construir juntos, todos como irmãos e irmãs, num espírito de intercâmbio e ajuda mútua (cf. GS 40), a justiça, a fraternidade, a paz e o diálogo inter-religioso. Nalgumas regiões, as pequenas comunidades de vizinhança, onde as pessoas se encontram independentemente da sua pertença religiosa, constituem um ambiente propício para um tríplice diálogo: da vida, da ação e da oração.

 

Ligações para a Unidade: Conferências Episcopais e Assembleias Eclesiais

124. O horizonte da comunhão na permuta de dons é o critério inspirador das relações entre as Igrejas. Ele conjuga a atenção aos laços que formam a unidade de toda a Igreja com o reconhecimento e a valorização das particularidades ligadas ao contexto em que vive cada Igreja local, com a sua história e a sua tradição. A adoção de um estilo sinodal permite que as Igrejas se movam com ritmos diversos. As diferenças de ritmo podem ser valorizadas como expressão de uma legítima diversidade e como oportunidade de permuta de dons e de enriquecimento recíproco. Este horizonte comum exige discernir, identificar e promover estruturas e práticas concretas para ser uma Igreja sinodal em missão.

125. As Conferências Episcopais exprimem e realizam a colegialidade dos Bispos para favorecer a comunhão entre as Igrejas e responder mais eficazmente às necessidades da vida pastoral. São um instrumento fundamental para criar laços, partilhar experiências e boas práticas entre as Igrejas, adaptar a vida cristã e a expressão da fé às diversas culturas. Desempenham também um papel importante no desenvolvimento da sinodalidade, com o envolvimento de todo o Povo de Deus. Com base no que surgiu durante o processo sinodal, propõe-se:

a) recolher os frutos da reflexão sobre o estatuto teológico e jurídico das Conferências Episcopais;

b) clarificar o âmbito da competência doutrinal e disciplinar das Conferências Episcopais. Sem comprometer a autoridade do Bispo na Igreja que lhe foi confiada, nem pôr em risco a unidade e a catolicidade da Igreja, o exercício colegial de tal competência pode favorecer o ensino autêntico da única fé de modo adequado e inculturado nos vários contextos, identificando as expressões litúrgicas, catequéticas, disciplinares, pastorais, teológicas e espirituais apropriadas (cf. AG 22).

c) proceder a uma avaliação da experiência do funcionamento efetivo das Conferências Episcopais, das relações entre os episcopados e com a Santa Sé, para identificar as reformas concretas a realizar. As visitas ad limina Apostolorum poderiam ser uma ocasião propícia para tal avaliação;

d) assegurar que todas as dioceses façam parte de uma Província Eclesiástica e de uma Conferência Episcopal (cf. CD 40);

e) especificar o vínculo eclesial que as decisões tomadas por uma Conferência Episcopal geram, relativamente à própria diocese, para cada Bispo que participou nessas mesmas decisões;

 

126. No processo sinodal, as sete Assembleias Eclesiais Continentais, realizadas no início de 2023, representaram uma novidade relevante e são um legado a valorizar como modo eficaz de implementar o ensinamento conciliar sobre o valor de “cada grande território sociocultural” na procura de “mais profunda adaptação em todo o âmbito da vida cristã” (AG 22). O seu estatuto teológico e canónico, bem como o dos agrupamentos continentais de Conferências Episcopais, deverá ser melhor esclarecidom para se poderem explorar as suas potencialidades para o ulterior desenvolvimento de uma Igreja sinodal. Cabe particularmente aos Presidentes dos agrupamentos continentais de Conferências Episcopais encorajar e apoiar a continuação desta experiência.

127. Nas assembleias eclesiais (regionais, nacionais, continentais) os membros, que exprimem e representam a variedade do Povo de Deus (incluindo os Bispos), participam no discernimento que permitirá aos Bispos, colegialmente, tomar as decisões a que estão obrigados em virtude do ministério que lhes foi confiado. Esta experiência mostra como a sinodalidade permite articular concretamente o envolvimento de todos (o Povo santo de Deus) e o ministério de alguns (o colégio dos Bispos) no processo de decisões sobre a missão da Igreja. Propõe-se que o discernimento possa incluir, em formas adaptadas à diversidade dos contextos, espaços de escuta e de diálogo com os outros cristãos, os representantes de outras religiões, as instituições públicas, as organizações da sociedade civil e a sociedade em geral.

128. Devido a situações sociais e políticas particulares, algumas Conferências Episcopais têm dificuldade em participar nas assembleias continentais ou nos organismos eclesiais supranacionais. A Santa Sé terá o cuidado de ajudar estas Conferências Episcopais, promovendo o diálogo e a confiança recíproca com os Estados, para que lhes seja dada a possibilidade de entrar em relação com outras Conferências Episcopais, tendo em vista a permuta de dons.

129. Para se conseguir uma “salutar descentralização” (EG 16) e uma eficas inculturação da fé, é necessário não só reconhecer o papel das Conferências Episcopais, mas também reavaliar a instituição dos Conselhos particulares, tanto provinciais como plenários, cuja celebração periódica foi uma obrigação durante grande parte da história da Igreja e que estão previstos pelo direito vigente no ordenamento latino (cf. CIC cân. 439-446). Devem ser convocadas periodicamente. O procedimento para o reconhecimento das conclusões dos Concílios particulares pela Santa Sé (recognitio) deveria ser reformado, para favorecer a sua publicação atempada, indicando prazos precisos ou, no caso de questões puramente pastorais ou disciplinares (que não digam diretamente respeito a questões de fé, moral ou disciplina sacramental), introduzindo uma presunção jurídica, equivalente a um consenso tácito.

 

O serviço do Bispo de Roma

130. O processo sinodal ajudou também a rever as modalidades de exercício do ministério do Bispo de Roma à luz da sinodalidade. Com efeito, a sinodalidade articula de modo sinfónico as dimensões comunitária (“todos”), colegial (“alguns”) e pessoal (“um”) das Igrejas particulares e de toda a Igreja. Nesta perspetiva, o ministério petrino do Papa é inerente à dinâmica sinodal, assim como o aspeto comunitário, que inclui todo o Povo de Deus, e a dimensão colegial do ministério episcopal (cf. CTI, n. 64).

131. Podemos, pois, compreender o alcance da afirmação conciliar segundo a qual “existem legitimamente, no seio da comunhão eclesial, Igrejas particulares, gozando de tradições próprias, sem prejuízo do primado da Sé de Pedro, que preside à comunhão universal da caridade, protege as diferenças legítimas e vela para que as particularidades, longe de serem nocivas, contribuam antes para a unidade” (LG 13). O Bispo de Roma, princípio e fundamento da unidade da Igreja (cf. LG 23), é o garante da sinodalidade: cabe-lhe convocar a Igreja em Sínodo, presidir-lhe e confirmar os resultados. Como sucessor de Pedro, tem um papel único na salvaguarda do depósito da fé e da moral, assegurando que os processos sinodais sejam fecundos para a unidade e o testemunho. Juntamente com o Bispo de Roma, o Colégio Episcopal tem um papel insubstituível no pastoreio de toda a Igreja (cf. LG 22-23) e na promoção da sinodalidade em todas as Igrejas locais.

132. Como garante da unidade na diversidade, o Bispo de Roma assegura a salvaguarda da identidade das Igrejas Católicas Orientais, no respeito das suas seculares tradições teológicas, canónicas, litúrgicas, espirituais e pastorais. Estas Igrejas são dotadas de estruturas sinodais deliberativas próprias: Sínodo dos Bispos das Igrejas Patriarcais e Arquiepiscopais Maiores (cf. CCEO cc. 102.ff., 152), Conselho Provincial (cf. CCEO can. 137), Conselho dos Hierarcas (cf. CCEO cc. 155, § 1, 164 ff.) e, finalmente, Assembleias dos Hierarcas de diversas Igrejas sui iuris (cf. CCEO can. 322). Como Igrejas sui iuris em plena comunhão com o Bispo de Roma, conservam a sua identidade oriental e a sua autonomia. No quadro da sinodalidade, é oportuno revisitar juntos a história para curar as feridas do passado e aprofundar as formas de viver a comunhão, o que implica também uma adaptação nas relações entre as Igrejas Católicas Orientais e a Cúria Romana. As relações entre Igreja Latina e Igrejas Católicas Orientais devem caraterizar-se pela permuta de dons, pela colaboração e pelo enriquecimento recíproco.

133. Para incrementar estas relações, a Assembleia Sinodal propõe a instituiçãp de um Conselho dos Patriarcas, Arcebispos Maiores e Metropolitas das Igrejas Católicas Orientais presidido pelo Papa, que seja expressão de sinodalidade e instrumento para promover a comunhão e a partilha do património litúrgico, teológico, canónico e espiritual. O êxodo de muitos fiéis orientais para as regiões de rito latino corre o risco de comprometer a sua identidade. Para fazer face a esta situação, devem ser desenvolvidos instrumentos e normas para reforçar ao máximo a colaboração entre Igreja Latina e grejas Católicas Orientais. A Assembleia Sinodal recomenda o diálogo sincero e a colaboração fraterna entre Bispos latinos e orientais, para assegurar uma melhor assistência pastoral aos fiéis orientais que carecem de Presbíteros do seu próprio rito e para garantir, com a devida autonomia, o envolvimento dos Bispos orientais nas Conferências Episcopais. Por fim, propõe ao Santo Padre a convocação de um Sínodo Especial para promover a consolidação e o renascimento das Igrejas Católicas Orientais.

134. A reflexão sobre o exercício do ministério petrino em chave sinodal deve ser conduzida na perspetiva da “salutar ‘descentralização’” (EG 16), pedida pelo Papa Francisco e solicitada por muitas Conferências Episcopais. Na formulação que lhe dá a Constituição Apostólica Praedicate Evangelium, ela implica “deixar à competência dos Pastores a faculdade de resolver, no exercício da ‘sua própria tarefa de mestres’ e de Pastores, as questões que eles conhecem bem e que não tocam a unidade da doutrina, da disciplina e da comunhão da Igreja, agindo sempre com aquela corresponsabilidade que é fruto e expressão daquele específico mysterium communionis que é a Igreja” (PE II, 2). Para avançar nesta direção, poder-se-ia identificar, através de um estudo teológico e canónico, quais as matérias que devem ser reservadas ao Papa (reservatio papalis) e quais as que podem ser devolvidas aos Bispos nas suas Igrejas ou agrupamentos de Igrejas, na linha do recente Motu Proprio Competentias quasdam decernere (15 de fevereiro de 2022). De facto, este atribui “algumas competências, no que diz respeito à codificação de disposições destinadas a garantir a unidade da disciplina de toda a Igreja, ao poder executivo das Igrejas e das instituições eclesiais locais” com base na “dinâmica eclesial de comunhão” (proémio). Também a elaboração da legislação canónica por parte daqueles que têm a tarefa e a autoridade na Igreja deveria ter estilo sinodal e amadurecer como fruto de um discernimento eclesial.

135. A Constituição Apostólica Praedicate Evangelium configurou o serviço da Cúria Romana em sentido sinodal e missionário, insistindo em que ela “não se coloca entre o Papa e os Bispos, mas põe-se ao serviço de ambos, segundo as modalidades que são próprias da natureza de cada um” (PE I.8). A sua aplicação deve promover uma maior colaboração entre os Dicastérios e favorecer a escuta das Igrejas locais. Antes de publicar documentos normativos importantes, os Dicastérios são exortados a iniciar uma consulta às Conferências Episcopais e aos organismos correspondentes das Igrejas Católicas Orientais. Na lógica da transparência e da prestação de contas, acima delineada, poderiam eventualmente ser previstas formas de avaliação periódica do trabalho da Cúria. Tal avaliação, numa perspetiva sinodal missionária, poderia dizer respeito também aos Representantes Pontifícios. As visitas ad limina Apostolorum são o ponto alto das relações dos Pastores das Igrejas locais com o Bispo de Roma e com os seus colaboradores mais próximos na Cúria Romana. Muitos Bispos gostariam que se revisse a forma como elas se realizam, de modo a torná-las cada vez mais ocasiões de intercâmbio aberto e de escuta recíproca. Para o bem da Igreja, é importante favorecer o conhecimento recíproco e os laços de comunhão entre os membros do Colégio Cardinalício, tendo em conta também a sua diversidade de origem e de cultura. A sinodalidade deve inspirar a sua colaboração no ministério petrino e o seu discernimento colegial nos Consistórios ordinários e extraordinários.

136. Entre os lugares para praticar a sinodalidade e a colegialidade a nível de toda a Igreja, destaca-se certamente o Sínodo dos Bispos, que a Constituição Apostólica Episcopalis communio transformou de acontecimento pontual em processo eclesial. Instituído por São Paulo VI como uma assembleia dos Bispos convocada para participar, através do conselho, na solicitude do Romano Pontífice por toda a Igreja, ele é agora, na forma de um processo por etapas, expressão e instrumento da relação constitutiva entre todo o Povo de Deus, o Colégio Episcopal e o Papa. De facto, participam plenamente no processo sinodal todo o santo Povo de Deus, os Bispos a quem são confiadas cada uma das suas porções e o Bispo de Roma, cada um segundo a sua função. Esta participação é manifestada pela Assembleia Sinodal reunida à volta do Papa, que, na sua composição, mostra a catolicidade da Igreja. Em particular, como explicou o Papa Francisco, a composição desta XVI Assembleia Geral Ordinária é “mais do que um facto contingente. Ela exprime um modo de exercício do ministério episcopal coerente com a Tradição viva das Igrejas e com o ensinamento do Concílio Vaticano II” (Discurso à Primeira Congregação Geral da Segunda Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 2 de outubro de 2024). O Sínodo dos Bispos, embora conservando a sua natureza episcopal, viu e poderá ver também no futuro, na participação de outros membros do Povo de Deus, “a forma que o exercício da autoridade episcopal é chamado a assumir numa Igreja consciente de ser constitutivamente relacional e, por isso, sinodal” (ibid.) para a missão. No aprofundamento da identidade do Sínodo dos Bispos, é essencial que a articulação entre o envolvimento de todos (o Povo santo de Deus), o ministério de alguns (o Colégio dos Bispos) e a presidência de um (o Sucessor de Pedro) apareça e se realize concretamente no processo sinodal e nas Assembleias.

137. Entre os frutos mais significativos do Sínodo 2021-2024 está a intensidade do impulso ecuménico. A necessidade de encontrar “uma forma de exercício do Primado que […] esteja aberta a uma nova situação” (UUS 95) é um desafio fundamental tanto para uma Igreja sinodal missionária como para a unidade dos cristãos. O Sínodo congratula-se com a recente publicação do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos O Bispo de Roma. Primado e sinodalidade nos diálogos ecuménicos e nas respostas à encíclica “Ut unum sit”, que oferece pistas para um ulterior aprofundado. O documento mostra que a promoção da unidade dos cristãos é um aspeto essencial do ministério do Bispo de Roma e que o caminho ecuménico favoreceu uma compreensão mais profunda do mesmo. As propostas concretas que contém sobre uma releitura ou um comentário oficial às definições dogmáticas do Concílio Vaticano I sobre o primado, uma distinção mais clara entre as diferentes responsabilidades do Papa, a promoção da sinodalidade e a procura de um modelo de unidade baseado numa eclesiologia de comunhão, oferecem perspetivas promissoras para o caminho ecuménico. A Assembleia sinodal deseja que este documento sirva de base para uma reflexão ulterior com os outros cristãos, “evidentemente juntos”, sobre o exercício do ministério de unidade do Bispo de Roma como “um serviço de amor reconhecido uns pelos outros” (UUS 95).

138. A riqueza representada pela participação dos Delegados fraternos de outras Igrejas e Comunhões cristãs na Assembleia Sinodal convida-nos a prestar mais atenção às práticas sinodais dos nossos parceiros ecuménicos, tanto no Oriente como no Ocidente. O diálogo ecuménico é fundamental para desenvolver a compreensão da sinodalidade e da unidade da Igreja. Leva-nos a imaginar práticas sinodais ecuménicas, até mesmo a formas de consulta e discernimento sobre assuntos de interesse comum e urgente, como poderia ser a celebração de um Sínodo ecuménico sobre evangelização. Convida-nos também a sermos mutuamente responsáveis pelo que somos, pelo que fazemos e pelo que ensinamos. Na raiz desta possibilidade está o facto de estarmos unidos no único Batismo, do qual brota a identidade do Povo de Deus e o dinamismo de comunhão, participação e missão.

139. Em 2025, um ano jubilar, acontece também o aniversário do primeiro Concílio Ecuménico, onde o Símbolo da Fé que une todos os cristãos foi formulado de forma sinodal. A preparação e a comemoração conjunta do 1700.º aniversário do Concílio de Niceia deveriam ser uma oportunidade para aprofundar e confessar juntos a fé cristológica e para pôr em prática formas de sinodalidade entre os cristãos de todas as tradições. Será também uma ocasião para lançar iniciativas audazes para uma data comum da Páscoa, para que possamos celebrar a ressurreição do Senhor no mesmo dia, como providencialmente acontecerá em 2025, e assim dar uma maior força missionária ao anúncio d’Aquele que é a vida e a salvação do mundo inteiro.

 

Parte V – “Também eu vos envio”
Formar um povo de discípulos missionários

 Jesus disse-lhes de novo: “A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós”. Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo”. (Jo 20,21-22)

140. Na noite de Páscoa, Cristo entrega aos discípulos o dom messiânico da sua paz e torna-os participantes da sua missão. A sua paz é plenitude do ser, harmonia com Deus, com os irmãos e as irmãs, e com a criação; a missão é anunciar o Reino de Deus, oferecendo a cada pessoa, sem excluir ninguém, a misericórdia e o amor do Pai. O gesto delicado que acompanha as palavras do Ressuscitado recorda o que Deus fez no princípio. Agora, no Cenáculo, com o sopro do Espírito, começa a nova criação: nasce um povo de discípulos missionários.

141. Para que o santo Povo de Deus possa testemunhar a todos a alegria do Evangelho, crescendo na prática da sinodalidade, precisa de uma formação adequada: antes de mais, à liberdade de filhos e filhas de Deus no seguimento de Jesus Cristo, contemplado na oração e reconhecido nos pobres. A sinodalidade, de facto, implica uma profunda consciência vocacional e missionária, fonte de um estilo renovado nas relações eclesiais, de novas dinâmicas participativas e de discernimento eclesial, e de uma cultura da avaliação, que não pode instaurar-se sem o acompanhamento de processos formativos orientados. A formação em estilo sinodal da Igreja promoverá a consciência de que os dons recebidos no Batismo são talentos a fazer frutificar para o bem de todos: não podem ser escondidos ou permanecer inoperantes.

142. A formação dos discípulos missionários começa com a Iniciação Cristã e nela se enraíza. Na história de cada um há o encontro com muitas pessoas e grupos ou pequenas comunidades que contribuíram para nos introduzir na relação com o Senhor e na comunhão da Igreja: pais e familiares, padrinhos e madrinhas, catequistas e educadores, animadores da liturgia e agentes no âmbito da caridade, diáconos, sacerdotes e o próprio bispo. Por vezes, uma vez terminado o caminho da Iniciação, a ligação com a comunidade enfraquece e a formação é descurada. Ser discípulos missionários do Senhor, porém, não é uma meta alcançada de uma vez por todas. Implica conversão contínua, crescimento no amor “até atingir a medida da plenitude de Cristo” (Ef 4,13) e abertura aos dons do Espírito para um testemunho vivo e alegre da fé. Por isso é importante redescobrir como a celebração dominical da Eucaristia forma os cristãos: “A plenitude da nossa formação é a conformação a Cristo […]: não se trata de um processo mental, abstrato, mas de nos tornarmos Ele” (DD 41). Para muitos fiéis, a Eucaristia dominical é o único contacto com a Igreja: cuidar da sua celebração do melhor modo, com particular atenção à homilia e à “participação ativa” (SC 14) de todos, é decisivo para a sinodalidade. Na Missa, de facto, ela acontece como uma graça concedida do alto, antes de ser o resultado dos nossos esforços: sob a presidência de um e graças ao ministério de algunstodos podem participar na dupla mesa da Palavra e do Pão. O dom da comunhão, da missão e da participação – os três eixos portadores da sinodalidade – realiza-se e renova-se em cada Eucaristia.

143. Um dos pedidos que emergiu com maior força e de todas as partes durante o processo sinodal é que a formação seja integral, contínua e partilhada. O seu objetivo não é apenas a aquisição de conhecimentos teóricos, mas a promoção de capacidade de abertura e encontro, de partilha e colaboração, de reflexão e discernimento em comum, de leitura teológica das experiências concretas. Deve, portanto, interpelar todas as dimensões da pessoa (intelectual, afectiva, relacional e espiritual) e incluir experiências concretas devidamente acompanhadas. Igualmente marcante foi a insistência na necessidade de uma formação em que participem juntos homens e mulheres, leigos, consagrados, ministros ordenados e candidatos ao ministério ordenado, permitindo assim crescer no conhecimento e estima recíproca e na capacidade de colaborar. Isto requer a presença de formadores idóneos e competentes, capazes de confirmar com a vida o que transmitem com a palavra: só assim a formação será verdadeiramente generativa e transformadora. Também não foi esquecido o contributo que as disciplinas pedagógicas podem dar à predisposição de percursos formativos bem direcionados, atentos aos processos de aprendizagem na idade adulta e ao acompanhamento das pessoas e das comunidades. Devemos, pois, investir na formação de formadores.

144. A Igreja já tem muitos lugares e recursos para a formação de discípulos missionários: as famílias, as pequenas comunidades, as paróquias, as agregações eclesiais, os seminários, as comunidades religiosas, as instituições académicas, mas também os lugares de serviço e de trabalho com os marginalizados, as experiências missionárias e de voluntariado. Em todos estes âmbitos, a comunidade exprime a sua capacidade de educar no discipulado e de acompanhar no testemunho, num encontro que muitas vezes faz interagir pessoas de diferentes gerações. A piedade popular é também um tesouro precioso da Igreja, que ensina todo o Povo de Deus a caminho. Na Igreja, ninguém é mero destinatário da formação: todos são sujeitos activos e têm algo a dar aos outros.

145. Entre as práticas formativas que podem receber novo impulso da sinodalidade, é dada paertticular atenção à catequese para que, além de diminuir nos itinerários da Iniciação Cristã, seja cada vez mais “em saída” e extrovertida. As comunidades de discípulos missionários saberão praticá-la no sinal da misericórdia e aproximá-la da experiência de cada um, levando-a até às periferias existenciais, sem perder a referência ao Catecismo da Igreja Católica. Poderá assim tornar-se um “laboratório de diálogo” com homens e mulheres do nosso tempo (cf. Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização, Diretório para a Catequese, 54) e iluminar a sua busca de sentido. Em muitas Igrejas, os catequistas são o recurso fundamental para o acompanhamento e a formação; noutras, o seu serviço deve ser mais valorizado e apoiado pela comunidade, afastando-se de uma lógica de delegação, que contradiz a sinodalidade. Considerando a dimensão dos fenómenos migratórios, é importante que a catequese promova o conhecimento mútuo entre as Igrejas dos países de origem e de acolhimento.

146. Para além dos ambientes e recursos especificamente pastorais, a comunidade cristã está presente em numerosas outras instituições formativas, como a escola, a formação profissional, a universidade, a formação para o empenho social e político, o mundo do desporto, da música e da arte. Apesar da diversidade dos contextos culturais, que determinam práticas e tradições muito diferentes entre elas, as instituições formativas de inspiração católica estão frequentemente em contacto com pessoas que não frequentam outros ambientes eclesiais. Inspiradas nas práticas da sinodalidade, podem tornar-se um laboratório de relações amigáveis e participativas, num contexto em que o testemunho de vida, as competências e a organização educativa são sobretudo laicais e envolvem prioritariamente as famílias. Em particular, a escola e a universidade de inspiração católica desempenham um papel importante no diálogo entre fé e cultura e na educação moral aos valores, oferecendo uma formação orientada para Cristo, ícone da vida em plenitude. Quando o conseguem, revelam-se capazes de promover uma alternativa aos modelos dominantes, muitas vezes inspirados no individualismo e na competição, assumindo assim também um papel profético. Nalguns contextos, são o único ambiente em que crianças e jovens entram em contacto com a Igreja. Quando é inspirada no diálogo intercultural e inter-religioso, a sua ação educativa é também apreciada por pessoas de outras tradições religiosas como forma de promoção humana.

147. A formação sinodal partilhada para todos os batizados constitui o horizonte dentro do qual se pode compreender e praticar a formação específica necessária para cada um dos ministérios e para as diversas formas de vida. Para que isso aconteça, é necessário que ela se realize como permuta de dons entre vocações diversas (comunhão), na ótica de um serviço a ser realizado (missão) e num estilo de envolvimento e de educação à corresponsabilidade diferenciada (participação). Esta exigência, emersa com força do processo sinodal, requer, não poucas vezes, uma exigente mudança de mentalidade e uma renovada abordagem dos ambientes e dos processos formativos. Implica, sobretudo, a disponibilidade interior para se deixar enriquecer pelo encontro com irmãos e irmãs na fé, superando preconceitos e visões partidárias. A dimensão ecuménica da formação só pode favorecer esta mudança de mentalidade.

148. Ao longo do processo sinodal, foi amplamente expresso o pedido de que os percursos de discernimento e formação dos candidatos ao ministério ordenado sejam configurados em estilo sinodal. Isto significa que devem prever uma presença significativa de figuras femininas, uma inserção na vida quotidiana das comunidades e a educação a colaborar com todos na Igreja e a praticar o discernimento eclesial. Isto implica um investimento corajoso de energia na preparação dos formadores. A Assembleia pede uma revisão da Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis que incorpore as solicitações amadurecidas no Sínodo, traduzindo-as em indicações precisas para uma formação à sinodalidade. Os percursos formativos devem ser capazes de despertar nos candidatos a paixão pela missão ad gentes. Não menos necessária é a formação dos Bispos, para que possam assumir melhor a sua missão de congregar na unidade os dons do Espírito e exercer em estilo sinodal a autoridade que lhes foi conferida. O estilo sinodal de formação implica que a dimensão ecuménica esteja presente em todos os aspetos dos percursos para o ministério ordenado.

149. Na formação do Povo de Deus para a sinodalidade, é necessário considerar também alguns âmbitos específicos, sobre os quais o processo sinodal chamou insistentemente a atenção. O primeiro diz respeito ao impacto do ambiente digital sobre processos de aprendizagem, a capacidade de concentração, a perceção de si e do mundo e a construção de relações interpessoais. A cultura digital constitui uma dimensão crucial do testemunho da Igreja na cultura contemporânea, bem como um campo missionário emergente. Por isso, é necessário ter cuidado para que a mensagem cristã esteja presente em rede de modos fiáveis que não distorçam o seu conteúdo de modo ideológico. Embora o digital tenha um grande potencial para melhorar a nossa vida, também pode causar danos e feridas, através do bullying, desinformação, exploração sexual e dependência. É importante que as instituições educativas da Igreja ajudem jovens e adultos a desenvolver competências críticas para navegarem em segurança na Web.

150. Outro âmbito de grande relevo é a promoção, em todos os ambientes eclesiais, de uma cultura da proteção (safeguarding), para tornar as comunidades lugares cada vez mais seguros para os menores e as pessoas vulneráveis. Já se começou o trabalho para dotar as estruturas da Igreja de regulamentos e procedimentos jurídicos que permitam a prevenção dos abusos e respostas atempadas aos comportamentos inadequados. É necessário continuar este empenho, oferecendo uma formação específica adequada a quem trabalha em contacto com os menores e os adultos mais frágeis, para que possam agir com competência e saibam captar os sinais, muitas vezes silenciosos, de quem está a viver um drama e precisa de ajuda. O acolhimento e o apoio das vítimas é uma tarefa delicada e indispensável, que exige grande humanidade e deve ser efetuada com a ajuda de pessoas qualificadas. Todos devemos deixar-nos abalar pelo seu sofrimento e praticar aquela proximidade que, através de escolhas concretas, os eleva, ajuda e prepara um futuro diferente para todos. É indispensável que em todo o mundo a Igreja ative e promova uma cultura da prevenção e do safeguarding, tornando as comunidades lugares cada vez mais seguros para os menores e as pessoas vulneráveis. Embora tenham sido dados passos para prevenir os abusos, é necessário reforçar este compromisso, oferecendo uma formação específica e contínua a quem trabalha com os menores e os adultos vulneráveis. Os processos de safeguarding devem ser constantemente monitorizados e avaliados. As vítimas e os sobreviventes devem ser acolhidos e apoiados com grande sensibilidade.

151. Também os temas da Doutrina Social da Igreja, do empenho pela paz e a justiça, do cuidado da casa comum e o diálogo intercultural e inter-religioso devem conhecer maior difusão entre o Povo de Deus, para que a ação dos discípulos missionários incida na construção de um mundo mais justo e fraterno. O empenho pela defesa da vida e dos direitos da pessoa, pela justo ordenamento da sociedade, pela dignidade do trabalho, por uma economia justa e solidária, pela ecologia integral fazem parte da missão evangelizadora que a Igreja é chamada a viver e encarnar na história.

 

Conclusão
Um banquete para todos os povos

Logo que saltaram em terra, viram brasas acesas com peixe em cima, e pão. Disse‑lhes Jesus: “Vinde comer”. Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar-Lhe: “Quem és tu?”, porque sabiam que era o Senhor. Jesus aproximou-Se, tomou o pão e deu-lho, fazendo o mesmo com os peixes. (João 21, 9.12.13)

152. A narração da pesca milagrosa termina com um banquete. O Ressuscitado pediu aos discípulos para obedecer à sua palavra, para lançar as redes e puvá-las para a praia; é Ele, porém, que prepara a mesa e os convida a comer. Há pães e peixes para todos, como quando os tinha multiplicado para a multidão faminta. Acima de tudo, há a maravilha e o encanto da sua presença, tão clara e luminosa que não se fazem perguntas. Ao comer com os seus, depois de eles o terem abandonado e negado, o Ressuscitado abre de novo o espaço da comunhão e imprime para sempre nos discípulos a marca de uma misericórdia que se abre ao futuro. Por isso, as testemunhas da Páscoa qualificar-se-ão assim: “nós que comemos e bebemos com Ele depois da sua ressurreição dos mortos” (At 10,41).

153. Nos banquetes do Ressuscitado, realiza-se a imagem do profeta Isaías que inspirou o trabalho da Assembleia sinodal: uma mesa superabundante e deliciosa preparada pelo Senhor no cimo do monte, símbolo de convívio e comunhão, destinada a todos os povos (cf. Is 25, 6-8). A mesa que o Senhor prepara para os seus depois da Páscoa é o sinal de que o banquete escatológico já começou. Mesmo se só no céu terá a sua plenitude, a mesa da graça e da misericórdia já está posta para todos e a Igreja tem a missão de levar este esplêndido anúncio a um mundo em mudança. Alimentada na Eucaristia pelo Corpo e Sangue do Senhor, ela sabe que não pode esquecer os pobres, os últimos, os excluídos, aqueles que não conhecem o amor e estão sem esperança, nem aqueles que não acreditam em Deus ou não se reconhecem em nenhuma religião instituída. Leva-os ao Senhor na oração para depois sair a encontrá-los, com a criatividade e a audácia que o Espírito inspira. Assim, a sinodalidade da Igreja torna-se profecia social, inspira novos caminhos também para a política e a economia, colabora com todos aqueles que acreditam na fraternidade e na paz, numa permuta de dons com o mundo.

154. Ao viver o processo sinodal, tomámos nova consciência de que a salvação a receber e a anunciar passa através das relações. Ela vive-se e testemunha-se juntos. A história aparece-nos tragicamente marcada por guerras, rivalidades pelo poder, mil injustiças e abusos. Sabemos, porém, que o Espírito colocou no coração de cada ser humano o desejo de relações autênticas e de vínculos verdadeiros. A própria criação fala de unidade e de partilha, de variedade e de entrelaçamento entre diversas formas de vida. Tudo nasce da harmonia e tende para a harmonia, mesmo quando sofre a ferida devastadora do mal. O sentido último da sinodalidade é o testemunho que a Igreja é chamada a dar de Deus, Pai e Filho e Espírito Santo, Harmonia do amor que se derrama fora de si mesma para se dar ao mundo. Caminhando em estilo sinodal, no entrelaçamento das nossas vocações, carismas e ministérios, e, indo ao encontro de todos para levar a alegria do Evangelho, podemos viver a comunhão que salva: com Deus, com toda a humanidade e com toda a criação. Começaremos, então, já a experimentar, graças à partilha, o banquete da vida que Deus oferece a todos os povos.

155. À Virgem Maria, que tem o esplêndido título de Odigitria, Aquela que indica e guia o caminho, confiamos os resultados deste Sínodo. Ela, Mãe da Igreja que no Cenáculo ajudou a comunidade nascente a abrir-se à novidade do Pentecostes, nos ensine a ser um Povo de discípulos missionários que caminham juntos: uma Igreja sinodal.

Tradução: Conferência Episcopal Portuguesa

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