Mafalda d’Oliveira Martins apresentou em exposição rostos que retratou, como forma de dar relevo à realidade da solidão
Lisboa, 05 nov 2024 (Ecclesia) – A artista plástica Mafalda d’Oliveira Martins acredita que a pintura tem o poder de dar visibilidade a temas que não são olhados pela sociedade e, por isso, desenhou os rostos de 233 pessoas que morreram sós em Lisboa.
“A pintura é tornar visível ou tornar visíveis assuntos, muitas vezes, que não o são. E, então, foi exatamente o que acabou por se passar, acabou por fazer sentido, fazer retrato destes nomes, retratos imaginados”, afirmou Mafalda d’Oliveira Martins, em entrevista ao programa Ecclesia, exibido hoje na RTP2.
A entrevistada considera que a arte tem o papel “de ir a sítios onde outras áreas não vão, talvez porque não seja objetiva”, não queria “oferecer soluções”, mas “criar questões”.
Mafalda d’Oliveira Martins defende que a arte lança desafios e é uma forma de “apelar e mudar consciências”.
“A arte está ligada, obviamente, à cultura. E as situações sociais são fruto das culturas. Porque a cultura é criada por pessoas. Portanto, se existem pessoas que estão isoladas, é porque outras estão também a não olhar para elas”, referiu.
A artista plástica explica que o processo de desenhar os rostos de pessoas que foram sepultadas e não foram reclamadas pela família surgiu a 17 de outubro de 2021, no Dia Internacional da Erradicação da Pobreza, quando numa missa de sufrágio da Irmandade de São Roque, escutou aqueles nomes.
Mafalda d’Oliveira Martins pegou na lista de pessoas, entre os quais 14 fetos, nados mortos ou bebés, e retratou os rostos, cujo resultado foi depois apresentado numa exposição patente na Galeria Belard, com o nome «Oblívio», de 24 de janeiro a 23 de março, em Lisboa.
“O que eu quis apresentar, no início eu não sabia bem, porque o que eu queria, sobretudo, era pensar sobre estas pessoas e perceber como é que aquilo que eu faço, que é arte visual, como é que se poderia relacionar com este tema que me parecia, de facto, muito invisível e muito importante”, salienta.
Segundo a entrevistada, estas são pessoas que devem ser relembradas e são também o mote e a representação daqueles que virão, salientando que a realidade do abandono e isolamento não termina e continua.
“No mês da inauguração da exposição, que foi precisamente no final de janeiro deste ano, foi o mês com mais números de pessoas nesta situação desde 2021, e 2021 era um ano particular por ser o desembocar da pandemia”, destaca.
Mafalda d’Oliveira Martins assinala que “não existe nenhum contexto social ou histórico” que fizesse esperar o aumento dos números.
“O que fica aqui é precisamente um convite a refletirmos neste tema que não termina e a ter mesmo consciência disso. Este desafio é feito a partir de pessoas concretas, portanto, também é um desafio a fazer memória delas e é um memorial”, indica.
Com a exposição, a artista plástica pretendeu lançar de pensar individualmente em quem são as pessoas que estão à volta de cada um numa situação de isolamento.
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